Ambiente ideal

Ignorar a interação entre genótipo e ambiente pode levar a atrasos na melhora genética dos rebanhos e a investimentos econômicos sem sucesso.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

Em melhoramento genético, sempre definimos a produtividade (fenótipo) de um animal ou rebanho como o resultado do seu genótipo, do ambiente de criação que lhes oferecemos, assim como da interação entre ambos.

Para melhorar a produtividade dos sistemas, genótipo e ambiente são possíveis de se considerar, seja através dos resultados das avaliações genéticas disponíveis nos sumários de touros (DEP) ou pela melhora alimentar, sanitária, entre outras medidas de manejo.

No entanto, a interação entre os genótipos que utilizamos e os ambientes que oferecemos é, em geral, uma incógnita. Conhecê-la implicaria contar com avaliações genéticas dos reprodutores para diversas situações ambientais, tarefa difícil de se implementar na prática, porém comprovada para várias raças bovinas no Brasil.

Genótipo x ambiente

A interação existe quando avaliamos no mínimo dois genótipos e dois ambientes, entendendo por genótipos as raças, linhagens ou cruzamentos diferentes de uma espécie e, por ambiente as variações em qualquer nível nos fatores de origem não-genética (clima, topografía, manejo, etc.). Quando a diferença entre dois ou mais genótipos num ambiente dado não se mantém constante em outro, existe interação. Nas figuras 1 e 2 (

) podemos visualizar os gráficos que geralmente são usados para explicar a interação.

Neste exemplo teórico, os genótipos estão representados por raças taurinas (ex. Angus, Hereford) e zebuínas (Nelore, Guzerá), criadas em ambientes tropical e temperado. A performance de ambas raças muda com o ambiente, conforme mostrado na Figura 1, mas em sentido oposto. Na figura 2, se bem os desempenhos de ambas raças variam com o ambiente, a diferença entre elas se manteve constante, indicando a não interação do ambiente com os genótipos. Vale ressaltar que não necessariamente têm que ser trocados os desempenhos das raças nos ambientes para considerar a interação, basta apenas que as linhas não sejam paralelas e conseqüentemente a diferença entre elas não será constante.

Causa da interação

São inúmeros os fatores que podem causar a interação dos genótipos com os ambientes. Do ponto de vista ambiental é fácil visualizar as mudanças: maior ou menor temperatura, forragem de melhor ou pior qualidade, etc., mas do ponto de vista genético é difícil determinar os mecanismos responsáveis pelas respostas diferentes.

Alguns caracteres são codificados por genes diferentes segundo o ambiente em que são criados, enquanto em outros o único que varia é o grau de expressão deles. Por exemplo, se Aa, Bb, Cc, Dd e Ee são os genes responsáveis do peso à desmama em bezerros; pode acontecer que em ambientes tropicais agem apenas Aa e CC, e em ambientes temperados Bb e Ee serão os protagonistas.

Em outros casos, quem manda na definição do caráter são os mesmos genes (AaBbCcDdEe), mas se expressando com diferentes intensidades segundo o ambiente em que estão sendo produzidos.

Ao ignorar a interação GxA

Quando selecionamos os reprodutores, o fazemos em favor daqueles genes mais favoráveis para as características que desejamos melhorar. Paralelo à seleção praticada pelo homem, existe a seleção natural, que opera em favor das características adaptativas: sobrevivência e reprodução. É assim que, dentro de um ambiente específico, seja uma região, um estado ou até um país, os rebanhos vão-se adaptando a essa situação de produção.

Nos sistemas intensivos onde a alimentação não é limitante, serão favorecidos os genes que promovem maiores consumos dos animais e, portanto, maiores ganhos em peso. Já nos ambientes extensivos, onde a oferta de forragem flutua com as variações climáticas, prevalecerão os genes que melhorem a eficiência de uso dos alimentos e diminuam os requerimentos de manutenção. Porém, a genética adaptada aos ambientes intensivos não necessariamente tem que ser eficiente em condições de produção extensivas. O que significa isto? Que - se possível - devemos prestar atenção ao ambiente em que foi selecionada a genética que estamos comprando.

Muitas fazendas, especialmente as criadoras de raças taurinas (de origem européia), realizam a melhora genética mediante a compra de sêmen ou reprodutores provenientes de outros países (especialmente dos Estados Unidos e Canadá para Hereford e Angus). Na maioria das vezes, esta compra é decidida combinando DEP e preços, dentro dos animais destacados. No entanto, quando esses reprodutores são avaliados no Brasil, nem sempre são os que geram as progênies superiores, conseqüência esta da interação entre os genótipos e os ambientes. Trabalhos realizados no sul do Brasil estudaram a relação entre as DEP provenientes das avaliações genéticas nos seus países de origem e as obtidas no Brasil, em touros das raças Hereford e Angus comprados nos Estados Unidos. Sendo que apenas 2 a 3% dos touros apresentavam DEP negativas para características pré e pós desmama nos Estados Unidos, quase 20% dos touros Angus e 30% dos Hereford geraram resultados negativos no Brasil. Neste caso, uma porção significativa dos animais importados produziu descendência geneticamente inferior à referência utilizada no Brasil.

Situações como esta não só resultam em menores avanços na melhora genética, mas também em investimentos econômicos sem sucesso, considerando os altos preços a que são vendidas as doses de sêmen importado.

Outros trabalhos realizados no Brasil também evidenciam a interação em gado de corte para as raças Caracu, Canchim, Nelore e Angus.

Não só raças puras sofrem os efeitos da interação, também os animais cruzados. Portanto, a interação não acontece apenas para efeitos genéticos aditivos, mas também para efeitos genéticos não aditivos como heterose e complementariedade.

Experimentos de campo realizados em outros países demonstram que os rankings de diferentes genótipos variam com os ambientes de produção. Num estudo conduzido na Austrália, observaram-se desempenhos de animais puros e cruzados das raças Brahman (B) e Hereford (H) em regiões que variaram desde tropicais até temperadas. Enquanto nas localidades com estresse nutricional os melhores desempenhos foram para os genótipos BxBH e BxB, nos ambientes sem limitações nutricionais, HxBH e HxH foram superiores.

No Brasil, recentemente têm sido analisados os efeitos da latitude (desde regiões tropicais até temperadas) em vários caracteres, para animais com diferentes composições genéticas de Hereford x Nelore. Em termos gerais, enquanto em latitudes tropicais as melhores respostas são para maiores proporções da raça Nelore, em ambientes temperados os animais cruza F1 são os maiormente beneficiados.

Considerações finais

Existem evidências de interação GxA na produção de carne bovina. Os trabalhos desenvolvidos no Brasil evidenciam a Interação Genótipo x Ambiente em várias raças produtoras de carne: Caracu, Nelore, Canchim, Angus e Hereford, assim como para animais cruzados.

Como foi visto, ignorá-la pode nos levar a atrassos na melhora genética dos rebanhos. Porém, não é fácil considerá-la na hora de comprar os reprodutores. No entanto, algumas considerações podem ser levadas em conta para minimizar os efeitos da interação. A compra de animais provenientes de sistemas de produção semelhantes a aqueles nos quais serão produzidos garante uma genética provada para essas situações. Para o caso de reprodutores ou sêmen provenientes de outros países, torna-se mais difícil conhecer as condições em que foram produzidos, no entanto, cada vez estamos mais próximos das avaliações internacionais cujo resultado gera informações de cada reprodutor em cada país considerado. Sendo o objetivo da melhora favorecer a reprodução dos animais portadores dos genes mais adaptados à cada situação de produção, estas informações podem ser de grande utilidade para a tomada de decisões na hora de comprar sêmen, touros ou até de desenhar um sistema de cruzamentos.

Ana Carolina Espasandin

FCAV-UNESP/Jaboticabal

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