Artigo: Constante evolução

Desde os primeiros passos no Brasil em 1997, a Agricultura de Precisão passou por várias fases. Com o avanço na difusão de novas tecnologias, esta técnica continua sendo aprimorada e está se tornando cada vez mais

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

A técnica de mapeamento da fertilidade do solo ou da produtividade denominada, genericamente, de Agricultura de Precisão (AP) tem sido cada vez mais debatida, adotada, pesquisada e adaptada em todo o Brasil. Mesmo que ainda existam muitas dúvidas sobre os procedimentos mais corretos e do retorno econômico da técnica, um grande número de produtores que já adotaram algum tipo de AP, afirmam que este é o caminho a ser seguido nos próximos anos.

Dentro do atual cenário macroeconômico, extremamente competitivo e globalizado, a agricultura moderna tem buscado auxílio nas técnicas de Agricultura de Precisão para uma gestão mais eficiente de seus principais recursos: terra, tempo e dinheiro. Neste sentido, este modelo agrícola com um olhar mais atento as diferenças, na maioria das vezes, imperceptíveis e desprezados no modelo agrícola tradicional, permite aos produtores, no mínimo, utilizar seus recursos de forma mais eficiente e sustentável (Pires et al., 2004).

Podemos dizer que adoção plena da Agricultura de Precisão ainda é um paradigma a ser rompido, muito parecido com a história inicial do Sistema Plantio Direto que levou mais de 20 anos para se estabelecer como o principal sistema de manejo do solo no Brasil. O motivo preponderante para tal situação é a forte ligação de ambos os modelos à necessidade de conhecimento aplicado e adaptação de tecnologias a situações de campo. Assim, o principal objetivo deste artigo é descrever a evolução deste processo no Rio Grande do Sul e traçar metas que precisam ser alcançadas para uma adoção mais ampla dos conceitos da Agricultura de Precisão.

HISTÓRIA

A renovação constante de conceitos é uma característica intrínseca que a nossa geração pós “Google” terá que se adaptar. Uma idéia que levaria na década de 70 mais de 20 anos para ser reconhecida em grande parte do mundo, hoje, com o advento dos recursos de comunicação, principalmente da internet, pode estar desatualizada um ano após ao seu surgimento (Friedman, 2007). No caso da AP, já se passou praticamente uma década desde os primeiros trabalhos no RS e muitas idéias originais foram abandonadas no caminho e muitas outras adaptadas a nossa realidade.

Atualmente, existem vários conceitos para a definição da Agricultura de Precisão, que vão dos mais bem elaborados como o citado por Molin (2002): “Sistema de gerenciamento da produção agrícola que emprega um conjunto de tecnologias para que os sistemas de produção sejam otimizados, tendo como elemento-chave o manejo da variabilidade da produção e dos fatores envolvidos”, como também dos mais simples resumido em dois questionamentos pelos próprios produtores: Primeiro: Há variabilidade em minha lavoura? Segundo: Como se distribui esta variabilidade? É neste ambiente de complexidade contra simplicidade, de conceito técnico contra operacionalidade, de teoria contra prática e de custo contra retorno, que os conceitos de AP estão se transformando em busca da consolidação.

O principal símbolo de difusão da tecnologia de AP foi e tem sido seu ciclo de adoção (Figura 1). Quando a técnica foi introduzida no Brasil em 1997, se preconizava a necessidade de mapas de produtividade como o primeiro passo a ser realizado, seguindo os modelos de adoção norte-americano e europeu, sem grande relevância ao mapeamento da fertilidade do solo. Historicamente, este fato tem origem no desenvolvimento da informática, eletrônica e geoprocessamento de dados voltados aos sensores de produtividade na década de 80, objeto de pesquisa nos primeiros 10 anos da AP nos países desenvolvidos. A partir de 1990, com a disponibilização do GPS (Global Position System), houve um considerável incremento nas pesquisas trazendo novos conhecimentos de informática e eletrônica aplicada.

Quando chegou ao Brasil, no final da década de 90, a AP encontrou um cenário diferenciado em relação ao seu local de origem. Recursos escassos para elevados investimentos iniciais em mapas de colheita e a falta de recursos humanos especializados para o manuseio dos equipamentos de precisão, sendo o primeiro grande entrave na expansão da técnica. Diante desta situação, entra em cena a atuação de projetos pilotos através do suporte de empresas privadas (Stara, Massey Ferguson, Bunge, Fazenda Ana) e órgãos de pesquisa pública (Departamento de Solos, Geomática e Núcleo de Ensaios de Máquinas Agrícolas da Universidade Federal de Santa Maria).

Assim, em 2000, se deu início ao Projeto Aquarius em Não-Me-Toque, considerado um dos precursores na adaptação da técnica a realidade brasileira (Amado et al., 2006). O trabalho combinado de pesquisa e difusão tecnológica transformou o projeto em uma referência nacional, além de ter sido a origem de vários profissionais prestadores de serviços e pesquisadores da técnica.

Os trabalhos iniciais desenvolvidos no projeto mostraram que os mapas de colheita e a variabilidade dos principais nutrientes não tinham uma relação direta entre si. Porém mostraram também que a otimização de corretivos e fertilizantes poderiam trazer significativos retornos, dependendo da variabilidade de cada lavoura, pois diferentemente dos solos da maioria dos países desenvolvidos, os solos do Sul do Brasil são naturalmente pobres e ácidos, com variabilidade acentuada pelos históricos de manejos (principalmente em função da erosão pretérita, herança do sistema convencional de manejo).

Os custos do processo de coleta de solo, análise e geração dos mapas de fertilidade foram outro entrave ao processo, pois os produtores achavam os custos elevados e preferiram fazer grids amostrais de 5 a 8 hectares, aplicando insumos por zona de manejo (Figura 2), sendo tecnicamente incorreto e economicamente ineficiente. O resultado de todas as áreas mapeadas com está metodologia foram abandonadas ou estão sendo reamostradas com grids menores.

A partir de 2005, com o surgimento dos primeiros prestadores de serviço, em sua maioria alunos participantes do Projeto Aquarius, houve um aprimoramento dos mapas de fertilidade, principalmente com a redução gradual dos grids para 1 a 3 hectares. A adoção da AP começou a se expandir até encontrar a terceira grande barreira: tecnologia de aplicação a taxa variável. A grande maioria dos equipamentos de aplicação eram importados, caros e de difícil adaptação. As aplicações em zonas de manejo eram mais baratas, mas em raras exceções, eficientes. Somente a partir de 2007 é que surgiram inovações tecnológicas na área de aplicação a taxa variável, com qualidade e escala suficiente para um novo ciclo de expansão em AP no Estado. Hoje se estima que há no RS, mais de 800 mil hectares com algum tipo de mapeamento de solo e mais 100 equipamentos a taxa variável em uso, mas ainda representa menos de 20% da área potencial (AMADO, 2009). Essa estimativa indica que o RS está seguindo a curva de adoção mundial de Agricultura de Precisão sugerida pelo pesquisador Bongiovanni do INTA-Argentina em 2003 (Gráfico 1). A curva mostra o incremento da adoção de AP à medida que os paradigmas vão sendo quebrados e avanços tecnológicos sendo adaptados. História muito semelhante com a adoção do Sistema Plantio Direto a mais de 20 anos atrás. Segundo o pesquisador, no início do processo há um entusiasmo inicial associado às expectativas positivas em relação à adoção da técnica (1999 a 2002 no RS). Entretanto, a falta de conhecimento, precisão e equipamentos específicos levaram à resultados pouco expressivos e ao abandono da técnica (2002 a 2005 no RS). Aqueles produtores que investiram no aprimoramento do processo, principalmente na qualidade da amostragem, aquisição de equipamentos específicos e na contração de profissionais especializados para gestão das informações são hoje referências de sucesso e são os principais responsáveis pela crescente adoção da AP no Estado (2005 a 2009 no RS). O pesquisador prevê ainda que entre 2010 e 1014 ocorra uma nova barreira técnica e institucional, principalmente associada à falta de profissionais especializados e conhecimentos específicos que garantam eficiência da técnica para uma adoção mais ampla.

Dentro deste processo de adaptação e evolução da AP, da mesma forma que o Sistema Plantio Direto, a concepção das etapas do processo de adoção foram sendo modificados de tal forma que o modelo de um ciclo de Agricultura de Precisão já poderia ser discutido se é o ideal, pois transmite a idéia de sempre retornar ao mesmo local, o que não é uma realidade. A cada barreira vencida, a cada etapa completada, os produtores e técnicos estão um “degrau” a mais na escada do conhecimento. Assim, podemos dizer que a AP deveria ser difundida atualmente como um conhecimento gradual na forma de uma “escada”, que busca incrementar a produtividade ou otimizar os recursos a cada nova etapa. As características deste processo é que dificilmente voltaremos ao estado inicial de informação, pois é um processo acumulativo de conhecimento, onde cada degrau precisa de mais informação que o anterior (Figura 3).

PERSPECTIVAS E DESAFIOS

Os desafios se concentram em várias frentes: primeiro é a que quebra do paradigma de que a AP é uma tecnologia dispensável para os produtores pouco tecnificados, médios e pequenos. Pelo contrário, talvez esses sejam os produtores que mais poderão se beneficiar da técnica, pois a tecnologia de AP não se limita a fazer apenas mapas e sim instalar uma concepção de gestão empresarial, sendo o termo “precisão” somente um pretexto para fazer uma avaliação mais apurada do sistema de manejo como um todo. É claro que, os profissionais especializados em AP, deverão observar, em primeira mão, qual o estágio tecnológico que o produtor poderá ingressar no primeiro momento e estabelecer metas graduais.

A qualificação técnica dos profissionais envolvidos (produtores, técnicos agrícolas, agrônomos, pesquisadores, engenheiros de tecnologia e administradores) no processo é o segundo desafio a ser alcançado, pois a adoção plena e com qualidade da AP depende de equipes e profissionais multidisciplinares, preparados e com elevado grau de acesso a informação. Como ainda praticamente não temos cursos e nem disciplinas específicas sobre o tema nas universidades brasileiras, além de poucos profissionais especializados na área, acreditamos que em um futuro breve, essa seja uma das principais barreiras para expansão com qualidade da AP.

A pesquisa & desenvolvimento serão o carro-chefe na adoção da Agricultura de Precisão adaptada a cada realidade técnica e econômica. Sendo assim, a renovação de conceitos e tecnologia deverá estar em constante evolução. Para isso um dos primeiros passos deverá ser a padronização da forma de apresentação das informações, facilitando a comunicação entre os diversos profissionais e permitindo comparações técnicas, além de ferramentas eletrônicas que permitam gerenciar os bancos de dados de forma prática, como por exemplo, a Lavoura Online®, que é um sistema de banco de dados via web desenvolvido pela Drakkar Solos para gerenciar as informações de seus clientes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Muitos críticos à adoção da Agricultura de Precisão colocam que antes de adotar tal modelo precisaríamos ter “mais precisão na agricultura atual” e teríamos muitos outros procedimentos a serem melhorados ainda. Neste sentido, realmente sabemos que temos muitos pontos a serem melhorados no manejo das lavouras, mas não há dúvida de que precisamos antes identificá-los e quantificá-los melhor. Na prática, temos observado que a adoção de técnicas de precisão tem proporcionado com que os produtores e técnicos reflitam mais sobre suas decisões de manejo e, consequentemente, tenham mais sucesso no processo decisório, baseada em uma base de dados específica e personalizada, constantemente retro-alimentada por novas informações. Sem dúvida, o modelo de uma agricultura com maior precisão ainda está em fase de consolidação de conceitos e procedimentos no RS e no Brasil. O que já sabemos é que não existe um modelo único de ação e que o padrão de variabilidade não se repete, assim cada lavoura é um modelo novo e desafiador que precisa ser avaliado individualmente.

José Alan de Almeida Acosta1,

Claudio Luiz Lemainski2,

Olavo Gabriel Rossato Santi3,

Guilherme Londero4

Marcelo Busato,

Drakkar Solos

Confira esse texto, com figuras e fotos, no link abaixo:

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