Condenada pela qualidade

Na pós-colheita, algumas práticas simples poderiam minimizar os problemas normalmente encontrados na importação de frutas cítricas brasileiras pela União Européia.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

O Brasil, atualmente, é o segundo maior produtor de frutas do mundo, com uma produção anual de 34 milhões de toneladas. Entretanto, apenas 1,5% desta produção é exportada, o que representa um valor irrisório de 0,77% dos US$ 22 bilhões movimentados pelo mercado mundial de frutas. Em termos de frutas cítricas, o Brasil é o maior produtor mundial com uma produção em torno de 17 milhões de toneladas, em que apenas 139 mil toneladas são exportadas in natura, ou seja, 0,8% da produção, rendendo US$ 27,5 milhões. Esta baixa relação entre exportação e produção deve-se, entre outros aspectos, às exigências de qualidade, com frutas bem selecionadas e embaladas adequadamente, de um sistema de rastreabilidade e de certificação fitossanitária pelo mercado externo.

Mais de 90% das exportações brasileiras de frutas cítricas estão restritas aos países membros da União Européia (UE) e estão vinculadas ao período de entressafra da produção de cítricos no hemisfério Norte, principalmente da Espanha e dos outros países do mediterrâneo, quando são retiradas as sobretaxas para a importação de frutos pela UE. Nesse nicho, o Brasil compete com outros países do hemisfério Sul que apresentam maiores aptidões para a produção e comercialização de frutos in natura, como é o caso da África do Sul, Argentina, Austrália e Uruguai. A fruta cítrica produzida no Brasil, via de regra, apresenta um aspecto visual de qualidade inferior devido ao clima, que age na coloração dos frutos, e à ocorrência de pragas e doenças, que levam a uma depreciação do produto final. No meio desta guerra mercantil, os problemas fitossanitários são utilizados como barreiras não tarifárias no intuito de restringir as importações por países da UE.

Para os frutos cítricos, a UE considera como pragas e doenças quarentenárias A1 (aquelas que não estão presentes em nenhuma área dos países membros), as moscas-das-frutas, o cancro cítrico e a mancha preta dos citros. Em todos os casos, considera-se como frutos infestados e doentes apenas os que apresentam sintomas. Portanto, um bom trabalho de seleção no packing-house faz com que nossas frutas não tenham problemas para a importação por aqueles países. Entretanto, as moscas-das-frutas e a mancha preta, ao contrário do cancro cítrico, podem manifestar-se na pós-colheita, durante o período de transporte para o mercado consumidor. Caso seja detectado apenas um sintoma da praga ou da doença em um único fruto na inspeção no porto de destino, todo o lote é rechaçado.

Quanto às moscas-das-frutas,

e

, o tratamento quarentenário visando a desinfestação de frutas inclui métodos químicos e físicos, aplicados de forma simples ou combinada. Dentre os métodos químicos, a fumigação com brometo de metila e dibrometo de etileno foram os mais utilizados por várias décadas no tratamento de frutos e hoje estão proibidos. Fazem parte dos métodos físicos a atmosfera controlada com uso de gases inertes como hélio e nitrogênio, baixos níveis de oxigênio (2% ou menos) ou altos níveis de dióxido de carbono (de 5-60%), e o tratamento térmico com o transporte à temperaturas inferiores a 5°C. Entretanto, um bom controle durante a maturação dos frutos ainda no campo é bastante eficiente para diminuir as chances de encontrar o problema no packing-house. No campo, deve ser realizado o monitoramento da população de moscas-das-frutas com o uso de armadilhas com atraentes alimentares e feromônio (para C. capitata). Quando forem atingidos os níveis de ação para a praga (1 mosca/armadilha/dia, quando usado o atraente alimentar, e 2 machos/armadilha/dia, quando usado feromônio) deve ser feita a aplicação de isca tóxica com um atrativo (10% de melaço de cana ou 0,5% de proteína hidrolizada de milho) mais um inseticida (deltamethrin, fenthion, ethion, malathion, trichlorfon etc.).

Em relação às doenças quarentenárias, a prática mais comum e de maior efeito é fazer a colheita dos frutos para a exportação em áreas onde não foram constatadas as doenças. No caso do cancro cítrico, causado pela bactéria

pv. citri, dentro do Estado de São Paulo, os talhões com plantas contaminadas são erradicados, reduzindo, portanto, a possibilidade de chegar frutos contaminados nos packing-houses. Contudo, em todos os Estados em que a doença já foi constatada, é exigido pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, fazer a higienização, nos packing-houses, dos frutos destinados à exportação para a UE, com hipoclorito de sódio, na concentração de 200 ppm durante dois minutos. Esta prática visa eliminar a bactéria que porventura esteja aderida na casca dos frutos.

No caso da mancha preta a situação é mais complicada. O agente causal da mancha preta, o fungo Guignardia citricarpa, infecta os frutos cítricos no período de pós-florada, até estes atingirem seu tamanho final. Entretanto, o período de incubação da doença é longo. Via de regra, o início da expressão dos sintomas ocorre entre 4 e 6 meses após a florada, estendendo-se até o período de pré-colheita. Em algumas situações, normalmente relacionadas às altas pressões de inóculo no campo, sintomas da doença, conhecidos como mancha sardenta, podem ser expressos na pós-colheita. Vários trabalhos estão sendo realizados no intuito de inibir a expressão dos sintomas, quer pela morte do patógeno latente quer pela sua paralisação. Porém, o uso de fungicidas, como os triazóis, benzimidazóis e imidazóis combinados ou não com tratamentos físicos, choque térmico e eletrochoque, mostram-se ineficazes para o controle da doença, assim como tratamento com radiação gama. O que vem sendo feito com relativo sucesso é a prevenção com a aplicação de fungicidas (cúpricos, ditiocarbamatos, benzimidazóis, triazóis e estrubilurinas), o manejo de pomares e o monitoramento das áreas em que se visa a exportação ao longo do desenvolvimento dos frutos. São retiradas amostras de frutos, no período de pré-colheita, em áreas que aparentemente não apresentam problemas com a doença, tratando-as com etileno. A indução de sintomas é feita realizando a imersão dos frutos amostrados em solução de ethephon a 480 ppm, adicionando a este espalhante adesivo. Os frutos são incubados por 15 dias em recipientes fechados, onde a temperatura deve ser mantida acima de 25°C. Após esse tratamento, caso seja detectado a presença de sintomas em frutos, a área candidata à exportação é rechaçada. Com isto, reduz-se a possibilidade da introdução de frutos com o patógeno latente nos packing-houses. Somado a esta prática, é de fundamental importância que o transporte dos frutos do packing-house até o porto, assim como o período que antecede o seu carregamento no navio, seja sob temperatura de 2oC. Temperaturas baixas inibem o desenvolvimento do patógeno e, por conseguinte, a expressão dos sintomas.

Muitos dos problemas encontrados na exportação de frutas cítricas, ligados à sanidade dos frutos, são devidos a algumas práticas normalmente utilizadas na pré e pós-colheita. No campo, normalmente, os exportadores elegem os melhores talhões de diferentes fazendas para que sejam colhidos os frutos para a exportação. Utilizando-se para isto apenas o aspecto visual dos frutos e uma amostragem no período de pré-colheita, para detecção de mancha preta, como explicado acima. O tratamento químico diferenciado em talhões selecionados previamente, assim como colheitas com a utilização de tesouras e não torção, pré-selecionando frutos sem sintomas de doenças e pragas, ou manchas, que possam depreciar o aspecto visual dos frutos, assim como pelo tamanho, são práticas que melhorariam o trabalho de pós-colheita e, conseqüentemente, o produto final. Na pós-colheita, o quadro também poderia ser melhor. A maioria dos packing-houses brasileiros possui equipamentos modernos, importados da Espanha, entretanto, não primam por alguns cuidados elementares. Um sistema de rastreabilidade adequado, no intuito de saber a origem dos frutos, produtos aplicados, época de aplicação etc., são informações elementares que apenas alguns exportadores possuem. Utilização de drencher para limpeza dos frutos antes de entrarem no packing-house, a separação de áreas sujas e limpas dentro deste, um maior número de funcionários nas mesas de seleção, amostragem para mancha preta em pallets no final da linha e, principalmente, o transporte a frio, são práticas que minimizariam os problemas normalmente vistos na importação de frutos cítricos brasileiros pela UE.

Marcel Bellato Spósito, Renato Beozzo Bassanezi, José Belasque Júnior

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