Contra a mosca-do-chifre

A mosca-do-chifre (Haematobia irritans) causa prejuízos como perda de peso, e sua presença ou ausência é mais importante do que a intensidade da infestação.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

A mosca-do-chifre (

) é considerada uma praga em vários países. No Brasil este inseto foi identificado, pela primeira vez, em 1983. Entretanto, há relatos da sua presença, em Roraima, desde 1976, tendo aparecido na maioria dos estados brasileiros em 1991.

Existe a necessidade de se estudar a epidemiologia e os danos que essa mosca causa nas diferentes regiões fisiográficas do país. Devido à inexistência de trabalhos científicos nacionais, a Embrapa Gado de Corte (Campo Grande, MS), com base na literatura estrangeira, tem sugerido um controle racional. Mas, para estabelecer a real importância dessa mosca e as melhores maneiras de combatê-la, deve-se ter dados próprios sobre sua epidemiologia e danos causados por ela em diversas regiões do país.

A Embrapa realizou um experimento em quatro anos consecutivos (1991-1995). A cada ano, um rebanho de 120 vacas nelores, com bezerro ao pé, foi dividido em dois grupos, levando-se em consideração as idades e os pesos das vacas e as idades dos bezerros. Durante a estação de monta (novembro a fevereiro), foram mantidos três touros, testados andrologicamente, em cada grupo. Em um dos grupos foram aplicados inseticidas, com intervalos que variavam com o princípio ativo utilizado, em cada vaca e touro. Os dois grupos foram mantidos em piquetes separados, formados de Brachiaria decumbens, rotacionados a cada catorze dias, com uma taxa de lotação de 1 UA/ha. As contagens da mosca nas vacas foram realizadas, também, a cada catorze dias. As vacas foram pesadas a cada dois meses e os bezerros somente na desmama (seis a nove meses de idade).

Observou-se que a infestação nas vacas nunca ultrapassou a média de 80 moscas/animal, em todos os anos e, a média, durante todo o período experimental, foi de 44, 20, 31 e 24 moscas/vaca, respectivamente, para o primeiro, segundo, terceiro e quarto anos. O período experimental corresponde à época chuvosa na qual as condições são mais propícias para o desenvolvimento da mosca-do-chifre.

A infestação observada foi baixa quando levou-se em consideração os valores verificados em outros países. Três fatores, no entanto, poderiam explicar essa diferença: raças bovinas envolvidas nos diferentes experimentos, presença de inimigos naturais, como o besouro africano Onthophagus gazella e quantidade acumulada e/ou diária de chuva que antecede cada contagem da mosca.

Apesar do período experimental corresponder à época chuvosa, as contagens da mosca-do-chifre foram maiores quando a soma de precipitação (catorze dias antes da contagem) foi menor. Uma explicação para este fenômeno é que quando chove muito em poucos dias ocorre destruição das massas fecais na pastagem, interrompendo o ciclo evolutivo da mosca.

Constatou-se, também, que a maioria das vacas, sem inseticida, apresentava poucas moscas, enquanto a minoria tinha maior quantidade.

O nível de infestação de moscas apresenta uma relação com o animal hospedeiro. Assim, vacas com maior número de moscas no início do estudo, foram aquelas com maior infestação durante todo o período experimental. Relações semelhantes foram observadas para números intermediários e baixos.

Observou-se uma diferença, não significativa, em ganho de peso a favor das vacas tratadas com inseticida. Da mesma forma, a favor do peso à desmama de bezerros de vacas tratadas com inseticida. A percentagem de prenhez foi maior nas vacas tratadas com inseticidas 5, 16, 26 e 12%, respectivamente, para o primeiro, segundo, terceiro e quarto anos.

Levando-se em consideração a baixa infestação por moscas e a inexistência do efeito de tratamento no ganho de peso das vacas e bezerros, supõe-se que a diferença no índice de prenhez seja devida ao estresse dos touros que quase sempre apresentaram altas infestações pela mosca-do-chifre (acima de 500).

Nelore

Com a chegada da mosca no Brasil Central foram iniciados estudos para avaliar sua influência sobre o ganho de peso de bovinos nelores infestados, com diferentes idades. O estudo foi realizado na estação chuvosa (outubro a abril), por quatro anos consecutivos. A cada ano foram utilizados 80 machos, destes, 28 de um ano de idade e não-castrados; 20 de dois anos e castrados; e, 32 de três anos e castrados. Os bovinos foram alocados por categoria de peso em quatro grupos de sete animais; quatro, de cinco; e oito, de quatro, cada um, para os respectivos animais de um, dois e três anos de idade. Em metade dos animais dos grupos de qualquer idade, utilizou-se inseticida a cada 28 dias, aproximadamente, de modo a mantê-los livres da mosca; na outra metade (controle) não se utilizou nenhum produto. Os animais de cada grupo permaneceram em piquetes individuais, contíguos, de quatro hectares, formados com Brachiaria brizantha, mantidos sob uma taxa de lotação de cerca de 1 UA/ha. No início do experimento e, a partir daí, a cada catorze dias, foram realizadas as contagens do número de moscas de um lado de cada animal para cada grupo e o resultado multiplicado por dois. A pesagem dos animais foi feita a cada 28 dias. Para a análise estatística, utilizou-se um modelo que incluía os efeitos da categoria de peso, de tratamento, idade e ano, bem como suas interações. Observou-se que a mosca ataca com mais intensidade os animais adultos do que os mais jovens.

Os valores médios de ganho de peso dos animais tratados com inseticida, nos quatro anos, foram 8,6%, 15,99% e 10,45% superiores aos não-tratados, respectivamente, para os animais de um, dois e três anos de idade. Entretanto, quando se considera apenas o grupo de animais não tratados, o ganho de peso não foi afetado pela intensidade de infestação.

Os resultados obtidos demostram que, mesmo com as reduzidas infestações médias observadas, a mosca-do-chifre causa prejuízos e sua presença ou ausência é mais importante que a intensidade de infestação.

O número de mosca encontrado nos animais é pequeno, o que se deve a vários fatores, entre eles o combate com inseticidas em grande intensidade. Sabe-se que o controle químico não durará para sempre, em alguns anos, a exemplo de outros países, a resistência se estabelecerá (já existem indícios de que esta mosca está menos sensível aos produtos químicos no Brasil) e, neste caso, o número de moscas tende a aumentar. Outro fator, é a introdução cada vez maior de animais de origem européia, sabidamente mais sensíveis à mosca-do-chifre.

O besouro africano foi introduzido praticamente em todos os Estados do Brasil e tal feito se deve à colaboração dos órgãos de pesquisa (federais e estaduais), sindicatos rurais e da iniciativa privada. Em Mato Grosso do Sul este besouro encontra-se amplamente estabelecido, com exceção do Pantanal considerado baixo, no qual as condições ambientais parecem ser desfavoráveis ao seu desenvolvimento.

O besouro tem mostrado boa adaptabilidade às condições brasileiras, aparecendo em maior número durante o período chuvoso e quente. Já foram realizados no País alguns estudos sobre a importância do O. gazella na destruição de bolos fecais e as suas conseqüências para o solo e plantas.

Fica evidente, portanto, a necessidade de estudos em diferentes regiões do país para que se possa conhecer a epidemiologia e os danos que a mosca-do-chifre causa e, com isso, propor métodos de controles integrados que sejam eficientes e econômicos.

Ressalta-se que o número de moscas seria insuportável se não existissem os inimigos naturais que limitam o seu desenvolvimento nas fezes dos animais. É interessante lembrar que a quase totalidade dos inseticidas existentes no mercado age nas fezes bovinas, eliminando, por exemplo, os besouros. Por isso, deve-se usar o mínimo de inseticida nos animais, para diminuir a contaminação da carne e do leite e preservar o ambiente.

Ivo Bianchin

Embrapa Gado de Corte

Rafael Geraldo de Oliveira Alves

Fundect

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