Da semeadura à colheita

A mancha de macrospora ou diplodia (Stenocarpella macrospora e Stenocarpella maydis) afeta a cultura do milho nas diversas fases de desenvolvimento das plantas

01.04.2016 | 20:59 (UTC -3)

A cultura do milho é hospedeira de vários patógenos que parasitam seus tecidos em diversos momentos do desenvolvimento da cultura. Especificamente os patógenos do gênero Stenocarpella, que são praticamente os únicos que possuem a habilidade de infectar e causar danos visíveis em todas as etapas fenológicas da cultura.

Germinação e emergência

Somente S. macrospora é encontrada causando lesões sobre os tecidos foliares. Sua fonte de inóculo pode ter origem nos picnídios formados sobre a semente e/ou nos restos culturais da cultura do milho. Com o processo de embebição da semente e germinação inicia-se a fase mais vulnerável da planta à infecção pelo patógeno, causando deterioração da radícula e morte ou tombamento de pré-emergência. Outra via de infecção neste estádio é através do mesocótilo e/ou coleóptilo, obstruindo o transporte de seiva da planta e causando morte ou tombamento de pós-emergência e, consequentemente, falha de estande na lavoura. Caso o inóculo não for suficiente para causar morte na plântula, o patógeno seguirá seu processo de multiplicação sobre os tecidos do hospedeiro desde a primeira folha emitida. Nesta situação, pode ocorrer necrose castanho-clara, iniciando da ponta da folha em direção ao colar em forma de “V" (Figura 1).

Figura 1 – Lesão da primeira folha do milho causada por Stenocarpella sp

Área foliar

O milho é o único hospedeiro de interesse agrícola, o que acaba por acelerar a evolução da doença em áreas de monocultura, já que o patógeno pode sobreviver no colmo infectado, em restos culturais e como micélio no endosperma e embrião das sementes. Com a hidratação dos picnídios, especialmente à noite, os cirros de conídios são expulsos e, graças às ações do vento e da chuva, atingem os órgãos vulneráveis da planta.

Partindo desse inóculo inicial, os conídios de S. macrospora atingem a folha e germinam entre 12 e 15 horas após sua deposição, sob umidade relativa elevada, luz e temperatura entre 23ºC e 30°C (Brunelli et al, 2005). Geralmente, o período em que a planta torna-se mais suscetível estende-se da polinização completa até 20 dias após (Bensch et al, 1992) (Figura 2). Dentre as espécies de Stenocarpella spp., a S. maydis é a mais frequente nos estados do Sul do Brasil, já a S. macrospora predomina nas condições tropicais. No entanto, somente a S. macrospora é capaz de causar lesões foliares, além de possuir maior esporo e agressividade do que a S. maydis nos estágios iniciais de germinação, infecção e colonização (Latterell & Rossi, 1983). Além disso, quando a umidade relativa do ar é menor que 50%, S. macrospora produz mais micélio que S. maydis, podendo atacar a planta em qualquer estádio fenológico (Del Rio, 1991).

Figura 2 – Diagrama de origem e dispersão dos cirros de conídios dos picnídios produzidos sobre restos culturais, colmos infectados ou lesões foliares

Os sintomas foliares podem ser variados considerando a característica do híbrido semeado. Uma lesão foliar com ponto central de infecção é o sintoma mais comum, com halo amarelado e progressão pelas nervuras da planta (Figura 3A). No entanto, algumas derivações podem ser encontradas em outros híbridos, como uma lesão parda de aspecto ovalado (semelhante a E. turcicum), muitas vezes sem a identificação do ponto central da infecção e a presença ou não de halo amarelado (Figura 3B).

O ponto-chave para identificação dos dois tipos de sintomas de S. macrospora é a presença de estruturas negras do patógeno sobre a lesão – picnídios. Esta estrutura do patógeno será a via de identificação da sua presença sobre todos os tecidos da planta, folha, colmo e espiga.

A B

Figura 3 – Lesões foliares causadas por S. macrospora em diferentes híbridos de milho

Colmo

Começam a ser visualizados no campo a partir do estádio de enchimento dos grãos, quando ocorre o maior dreno de carboidratos do colmo para os grãos.

Em condições de temperatura (>25°C) e umidade altas (>80%), os picnídios são formados na resteva e irão liberar cirros de conídios. Serão disseminados pelo vento e chuva até o milho, que é o único hospedeiro. A viabilidade do inóculo é alta e supera 90%, mesmo após 320 dias no solo (Casa et al, 2003).

O momento de infecção ideal ainda requer condições de estresse para a planta que, por conseguinte, favorece a infecção nos períodos secos seguidos de chuvosos e/ou excesso de nitrogênio em relação ao potássio. Assim, a infecção da Stenocarpella spp. pode ocorrer por coroa, mesocótilo ou raízes em torno de cinco horas em temperatura de 30°C, com degeneração enzimática das paredes da célula do hospedeiro (Bensch et al, 1992) (Figura 4). Na planta, são observados no primeiro e segundo entrenós a partir do solo onde perdem a tonalidade verde precocemente, iniciando o escurecimento a partir deste nó em um gradiente escuro para pardo (Figura 5). Com a evolução da doença, a planta pode tombar exatamente neste local. Além disso, o excesso de espigas decumbentes a partir da maturação fisiológica pode ser um indicativo da presença do patógeno em híbridos que não possuem esta característica.

Na parte interna ocorre a desintegração da medula, tornando-se marrom-acinzentado e os feixes vasculares permanecem visíveis e tomados por picnídios (pontos negros). Este detalhe diferencia esta doença da causada por Fusarium spp.

Figura 4 – Diagrama da infecção interna do mesocótilo e/ou coleóptilo da planta de trigo pelos conídios de Stenocarpella spp

Figura 5 – Sintoma de Stenocarpella spp no colmo do milho, (a) na parte externa do colmo do milho (foto: revista A Granja) e (b) na parte interna do colmo do milho (foto: Nicésio F. F. A. Pinto, Embrapa, 2009)

Espiga

A chegada dos esporos à espiga através do vento e da chuva ocorre pela extrusão dos cirros de conídios dos picnídios, preferencialmente à noite, devido à hidratação destes (Casa et al, 2003). Uma característica peculiar entre as duas espécies de Stenocarpella é que apenas a S. macrospora ataca as folhas do milho (Pinto, 2006). Desta forma, passa a ser outra fonte de inóculo dessa espécie para a infecção na espiga, além dos restos culturais ou do próprio colmo infectado, caso específico da S. maydis. Os conídios podem encontrar dois locais para infecção na espiga, o primeiro é o transporte destes da folha da espiga até a axila da planta pela chuva, onde encontrará o pedúnculo, penetrando diretamente na palha da espiga (Figura 2) (Bensch, 1995). O outro se dá através da deficiência de empalhamento e danos causados por insetos.

O período de infecção preferencial ocorre em torno de 20 dias após a polinização, com precipitação, alta umidade relativa e temperatura entre 28ºC e 33°C (Shurtleff, 1992). Além disso, é favorecida pelo excesso de nitrogênio em relação ao potássio, alta densidade de plantas, monocultivo e pelo dano de insetos na espiga. Com a redução na umidade do grão a 22%, a evolução da doença é interrompida, porém, sem a morte do patógeno.

Nas espigas atacadas, as brácteas apresentam descoloração precoce, tornando-se pardas e com baixo peso da espiga. No interior, há produção de um micélio branco que se inicia na base da espiga e progride até o ápice, entre as fileiras de grãos, através dos tecidos do esclerênquima e da placenta (Bensch, 1995) (Figura 6), apresentando picnídios sobre eles (Figura 7). O sabugo torna-se farináceo e de baixa resistência ao manuseio (Figura 8). Híbridos com problemas de empalhamento das espigas, danos de insetos e/ou que não declinam após a maturidade fisiológica são mais suscetíveis, pois facilitam a chegada do inóculo.

Figura 6 – Produção de micélio branco a partir da base da espiga, evoluindo para o ápice

Figura 7 – Micélio branco do patógeno com a presença de picnídios


A B

Figura 8 – Aspecto visual dos grãos e sabugos da espiga sadia (A) e da espiga contaminada com o patógeno (B)

Estratégias de manejo

O foco principal é a redução do inoculo inicial da doença que dará início ao processo de epidemia, visto que o milho é o único hospedeiro de interesse agrícola e há manutenção dos restos culturais na área. Desta forma, o manejo passa pela utilização de cultivares resistentes e rotação de culturas. Além disso, evitar altas densidades de semeadura, realizar adubações de acordo com as recomendações técnicas para evitar desequilíbrios nutricionais nas plantas de milho, principalmente N-K. Quando possível evitar o dano por insetos na espiga e irrigação no florescimento. As práticas da aração e gradagem, quando associadas à rotação de culturas, reduzem significativamente a quantidade de inoculo no solo e, consequentemente, a intensidade da doença nas semeaduras subsequentes. A associação destas técnicas com fungicidas é fundamental, especialmente com aumento na concentração de triazóis para necrotroficose/ou multissítios na mistura com estrubilurina.

Este artigo foi publicado na edição 184 da revista Cultivar Grandes Culturas. Clique aqui para ler a edição.

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