Desafios da várzea

O recente cultivo de soja em áreas antes destinadas somente à orizicultura tem mudado radicalmente a paisagem e a matriz produtiva agrícola do Sul do Rio Grande do Sul

17.02.2016 | 21:59 (UTC -3)

A área plantada com soja tem crescido de forma contínua no Sul do Rio Grande do Sul nos últimos cinco anos. Em 2012 houve crescimento de aproximadamente 100 mil hectares nas áreas de lavouras de arroz da região e entre 200 mil hectares e 250 mil hectares nas áreas de pastagens, devido a fatores como a diversificação da produção e fuga das oscilações do preço do arroz. Para a safra 2013/2014, de acordo com a Emater, a previsão é de aumento de 6,22% em área plantada com a cultura no Estado. No entanto a cultura da soja sofre com o excesso de água e o manejo inadequado pode colocar todo o investimento a perder.

O segredo é a drenagem das terras, de forma que a água seja controlada, pois a soja não suporta 48 horas com sua raiz na água. O plantio de soja em áreas tradicionalmente produtoras de arroz tem como vantagens o fato de que, se houver seca, a soja poderá ser irrigada e terá sua produtividade aumentada. Além disso, o plantio da oleaginosa limpa

as terras de pragas como o arroz vermelho e o preto, deixando-as aptas para novas lavouras com arroz.

Nas terras baixas, a incorporação da soja ao sistema de produção de arroz pode melhorar a fertilidade do solo, reduzir plantas daninhas e trazer, onde antes amplas áreas permaneciam em pousio, a possibilidade de uso agrícola e obtenção de recursos financeiros ao produtor.

A cultura da soja está sujeita, durante todo o seu ciclo, ao ataque de diferentes espécies de insetos. Embora essas pragas tenham suas populações reduzidas por predadores, parasitoides e doenças, em níveis dependentes das condições ambientais e do manejo que se pratica, quando atingem populações elevadas, capazes de causar perdas significativas no rendimento da cultura, necessitam ser controlados.

A lagarta-elasmo ou broca-do-colo (Elasmopalpus lignosellus) é um dos exemplos. Este inseto prefere solos arenosos sendo maior o problema em anos secos. As lagartas são pequenas (± 2 cm) e penetram na planta logo abaixo do solo. A planta morre ou fica debilitada resultando em falhas no estande. Nas últimas safras tem se verificado maior ocorrência de elasmo em soja, ocasionando falhas no estande de plantas, principalmente quando o plantio é realizado em 15 de novembro, com baixa umidade do solo e elevação da temperatura.

A broca-das-axilas (Crocidosema aporema ) é uma lagarta muito pequena (± 1 cm) que une os folíolos e penetra no caule, causando desenvolvimento anormal e morte de plantas. As cultivares de ciclo tardio são mais afetadas que os de ciclo precoce. A grande dificuldade de controle está no fato de o inseticida não atingir o alvo biológico.

A lagarta-da-soja ( Anticarsia gemmatalis ) é encontrada em todos os locais de cultivo, sendo o desfolhador mais comum da soja no Brasil. Costuma atacar as lavouras a partir de novembro, nas regiões ao norte do Paraná, e a partir de dezembro a janeiro no Sul do país, podendo causar desfolhamento, que pode chegar a 100%. A lagarta apresenta coloração geral verde, com estrias longitudinais brancas sobre o dorso. Em condições de alta população, ou escassez de alimento, torna-se escura, mantendo as estrias brancas.

A falsa-medideira (Pseudoplusia includens) locomove-se medindo palmos. Não consome as nervuras e é de difícil controle, sendo já registrados casos de resistência. Temperaturas elevadas, acima de 30 °C, e umidade abaixo de 60%, aumentam a evaporação do produtos químicos, dificultando o controle.

Nos últimos anos tem se verificado maior ocorrência de um complexo de lagartas do gênero Spodoptera, que se alimentam de vagens, grãos e folhas e podem cortar as plantas ao nível do solo, além do aumento da população e importância das lagartas-falsa-medideira e das lagartas-pretas e redução da população da lagarta-da-soja ( que acumulava décadas de predomínio na soja brasileira).

No Rio Grande do Sul, nas safras 2007/08 e 2008/09, entre as lagartas-falsa-medideira já havia sido constatada a predominância de Rachiplusia nu, sobre Pseudoplusia includens, que se esperava que fosse a mais comum (GUEDES et al., 2010). Tais alterações apontam para a sobrevivência das lagartas mais tolerantes aos inseticidas usados em soja e, possivelmente, em muitos casos seriam necessárias doses maiores para controlar as lagartas-falsa-medideira e Spodoptera eridania do que para controlar a lagarta-da-soja.

A sobrevivência de lagartas desses dois grupos demanda outras aplicações que acabam por pressionar ainda mais a espécie mais suscetível às doses utilizadas e, portanto, contribuem para a redução da proporção de lagarta-da-soja (menos tolerante a inseticidas) no total de lagartas.

Alerta para Helicoverpa armigera

Mais recentemente a ocorrência de lagartas da subfamília Heliothinae, que atacam culturas de importância agronômica como soja, algodão, milho, feijão e tomate, tem causado grande preocupação aos produtores, principalmente nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Sul do Brasil (ÁVILA et al.2013). No Rio Grande do Sul não foi relatada a ocorrência de H. armigera. No entanto esse é um problema que pode surgir a qualquer momento, considerando-se as áreas de fronteira e a grande mobilidade do inseto. Foram observadas causando danos nessas culturas Heliothis virescens (Fabricius), Helicoverpa zea (Boddie) e Helicoverpa armigera (Hübner). H. armigera é uma espécie que até pouco tempo era considerada praga quarentenária A1 no Brasil, mas que foi recentemente detectada nos estados de Goiás, Bahia e Mato Grosso, associada às culturas do algodão e soja, tratando-se do primeiro registro de ocorrência no continente americano (CZEPAK et al., 2013).

Em relação aos percevejos, pelo menos 15 espécies da família Pentatomidae são registradas como sugadores, sendo que as espécies Nezara viridula (L.), Piezodorus guildinii (Westwood) e Euschistus heros (Fabricius) são as mais importantes do complexo de percevejos pragas da soja.

N. viridula e E. heros estão também associadas ao milho causando danos semelhantes aos de Dichelops melacanthus. Estes percevejos têm aumentado sua população a cada ano, com ocorrência em todas as épocas de plantio de milho, requerendo, muitas vezes, tratamento com inseticidas nas sementes e pulverizações foliares para redução de danos.

Houve mudanças na ocorrência de espécies em comparação ao registrado na década de 1970. Nessa época, em alguns municípios do Rio Grande do Sul, N. viridula, E. meditabunda e P. guildinii eram as espécies mais frequentes, embora Link (1979) tenha verificado que E. heros estava adaptando-se à cultura da soja.

A mudança no cenário de ocorrência de pragas esta relacionada às praticas inadequadas de manejo, tais como: falta de amostragem de pragas (população e localização); falta de conhecimento e consideração das fases mais sensíveis da cultura; utilização do “cheirinho" com inseticidas de amplo espectro, após a emergência da soja; desconhecimento das espécies de lagartas-da-soja; erros na identificação das espécies-praga, implicando

equívocos nas doses dos inseticidas e escape das espécies mais tolerantes; pulverização de inseticida junto com a aplicação de herbicidas, portanto “fora" do momento populacional adequado, determinando a perda de ação do produto antes dos picos de lagartas; pulverização de inseticidas junto com a aplicação de fungicidas, portanto, uma aplicação muitas vezes tardia para percevejos e ácaros; utilização de doses elevadas, com efeito negativo sobre inimigos naturais; emprego de doses insuficientes para a praga-alvo, permitindo sua sobrevivência, novo crescimento e reinfestação; erros na escolha de inseticidas para as pragas-alvo mais importantes.


Este artigo foi publicado na edição 175 da revista Cultivar Grandes Culturas. Clique aqui para ler a edição.

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