Distribuidor de vírus

Os pulgões são os maiores responsáveis pela disseminação de vírus. Veja aqui as características dessa praga.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

Os pulgões têm destacada importância como vetores de vírus. Aproximadamente metade dos 600 vírus transmitidos por vetores são transmitidos pelos pulgões. A maior parte dos pulgões importantes como vetores de vírus está classificada na superfamília Aphidoidea, família Aphididae e sub-família Aphidinae. A taxonomia, baseada em caracteres morfológicos, é difícil e exige uma grande experiência. Para uma identificação precisa da espécie do pulgão é necessária a montagem em lâmina do adulto, nas formas áptera e alada. São poucos os entomologistas dedicados à taxonomia de pulgões. No Brasil, o maior especialista em taxonomia de pulgões é o professor Cláudio Lúcio Costa, da Universidade de Brasília.

Reprodução do pulgão

O pulgão reproduz-se sexualmente e por partenogênese, gerando indivíduos adultos ápteros e alados. Os alados são os agentes mais importantes para a dispersão do vírus. O padrão de dispersão na cultura e a velocidade dependem de muitos fatores, incluindo (1) a fonte de inóculo: de fora da área da cultura, de plantas infectadas na área advindos de transmissão por sementes ou propagação vegetativa, de ervas daninhas ou outras plantas, ou de restos culturais; (2) do potencial de inóculo disponível; (3) da natureza e hábito do vetor, se são transitórios ou colonizadores; (4) do tempo em que os vetores tornaram-se ativos em relação à idade da plantação; e (5) condições ambientais. São de grande importância os pulgões alados migrantes, particularmente aqueles que se movimentam na cultura no início do plantio. Os vírus são dispersos das plantas infectadas rapidamente no início da cultura, quando são poucos os pulgões colonizando-as, mas a dispersão é lenta mais tarde, quando os indivíduos ápteros são mais numerosos.

Modo de transmissão

O aparelho bucal de um pulgão consiste de dois pares de estiletes flexíveis, ligados pelo lábium. No início da sua alimentação, uma gota da saliva gelatinosa é secretada e injetada nas células vegetais. Os estiletes rapidamente penetram na epiderme e, a partir de provas exploratórias, o pulgão pode se alimentar neste local temporariamente. A penetração usualmente continua até às camadas mais profundas, seguida da formação da saliva gelatinosa. Os estiletes geralmente se movem entre as células até alcançar os elementos do floema. Durante a alimentação do pulgão no floema, é secretada a saliva líquida que contêm enzimas digestivas. A saliva gelatinosa não é secretada no floema, mas na retirada do estilete, selando o espaço ocupado pelo estilete e causando uma injúria mínima no tecido.

A transmissão do vírus pelo pulgão pode ocorrer de diversos modos:

1) Não persistente, estiletar O detalhe A da Figura 1 (

) mostra a parte distal do canal alimentar (FC) e o canal salivar (SC). O modelo mais aceito de transmissão do tipo estiletar propõe que o vírus é retido na parte distal da ponta dos estiletes e é liberado com a secreção salivar durante a alimentação. A aquisição do vírus é rápida, em um período de poucos segundos a minutos, com o tempo de retenção também curto (minutos). As picadas de prova são as mais eficientes para a aquisição e transmissão do vírus, visto que o vírus fica retido no estilete. A picada de prova consiste em uma rápida inserção e retirada do estilete no tecido vegetal com o objetivo de verificar se o hospedeiro é adequado à sua alimentação. A alimentação do pulgão só é realizada com a inserção do estilete mais profundamente, atingindo o sistema vascular da planta. A alimentação do pulgão nas plantas decresce a eficiência de transmissão possivelmente pela lavagem do duto do estilete e remoção dos vírus aderidos à parede. Não há passagem transestadial, ou seja, com a muda, o vetor perde o vírus que está preso ao estilete. Não há período de latência, assim, no mesmo instante que o vírus é adquirido pode ser transmitido a outra planta, não necessitando de circulação no corpo do inseto. O vírus não se multiplica no vetor e não há passagem transovarial.

A maior parte dos vírus trasnsmitidos por afídeos pertence a esta categoria. Exemplos de vírus transmitidos de modo estiletar são: Potato virus Y (vírus Y da batata), Cucumber mosaic virus (vírus do mosaico do pepino), Bean common mosaic virus (vírus do mosaico do feijoeiro), Lettuce mosaic virus (vírus do mosaico da alface), Papaya ringspot virus (vírus do anel do mamoeiro) etc.

2) Semi-persistente, "foregut borne"

O detalhe B da Figura 1 mostra o local onde os vírus transmitidos de modo semi-persistente estão presentes no inseto: as partículas de vírus estão ligadas à superfície cuticular do intestino anterior ("foregut" ou estomodéu), a região que inclui a bomba de sucção (SUP), faringe (PX) e o esôfago (ES). O vírus está embebido em um material preso à cutícula (Figura 1). A aquisição do vírus é mais lenta, necessitando de minutos a horas de alimentação. O vírus é retido por várias horas após a aquisição, mas não requer período de latência. Não há passagem transestadial e o vírus não está presente na hemolinfa. O vírus não se multiplica no vetor e não há passagem transovarial. O Cauliflower mosaic virus (vírus da faixa das nervuras da couve-flor) e o Citrus tristeza virus (vírus da tristeza dos citros) são exemplos de vírus transmitidos de modo semi-presistente.

3. Persistente, circulativo não-propagativo

A Figura 1 mostra a translocação do vírus dentro do corpo do inseto no modo de transmissão do circulativo não-propagativo (Figura 1, hexágono escuro). Os vírus circulativos não-propagativos são ingeridos, passam pelo intestino anterior até o ventrículo anterior (AM) e mediano (PM), depois seguem para o posterior ("hindgut", HG). O vírus não infecta as células do intestino, mas são transportados para o ventrículo mediano e posterior e liberados na hemocele. Os vírus, então, associam-se às glândulas salivares acessórias (ASG) e são transportadas pelas células do ASG e liberadas no canal salivar (SC). O tempo necessário para aquisição é longo, de horas a dias, e o vetor retém o vírus por dias a semanas. O vírus é transmitido transestadialmente, sendo que o vírus está presente na hemolinfa. Desde a aquisição até a transmissão, o vírus precisa circular no corpo do inseto vetor com um período de latência. O vírus não se multiplica no vetor. O vírus Potato leafroll virus (vírus do enrolamento da folha da batata) e Tomato yellow top virus (vírus do topo amarelo do tomateiro) são transmitidos por pulgões de maneira circulativa não-propagativa.

4. Persistente, propagativo

A Figura 1 mostra esquematicamente a rota que o vírus segue neste tipo de transmissão (Figura 1, hexágono branco). Os vírus circulativos-propagativos são ingeridos, infectam as células intestinais e subseqüentemente outras células. Estes vírus associam-se às glândulas salivares principais (PG) e possivelmente às acessórias (ASG) antes de serem liberados pelo canal salivar (SC). O tempo para aquisição é relativamente longo, necessitando também de um período de latência para a sua transmissão. O vírus passa transestadialmente no corpo do inseto, estando presente na hemolinfa. Neste tipo de interação, o vírus multiplica-se no vetor e freqüentemente ocorre a transmissão transovarial. O vírus Passionfruit vein clearing virus (vírus do enfezamento do maracujazeiro) e Lettuce necrotic yellows virus (vírus da necrose amarela da alface) são vírus de transmissão propagativa-circulativa.

Controle de afídeos vetores

A primeira etapa para o controle do vetor de uma doença é a sua identificação. A identificação em nível específico é complexa, mas a classificação até o gênero pode ser feita com a ajuda de uma lupa. A importância da identificação do vetor reside na existência de especificidade de transmissão. Por exemplo, o pulgão

é mais eficiente do que o pulgão Aphis gossypii na transmissão do Citrus tristeza virus. Outro ponto importante é que a quantidade de pulgões presentes não está diretamente relacionada à quantidade de plantas infectadas. A eficiência de transmissão é normalmente muito alta e uma pequena quantidade de insetos transmissores pode causar uma epidemia muito séria. A doença pode ocorrer sem se notar a presença do vetor, no caso da cultura ter sido visitada por insetos migratórios não colonizantes. A segunda etapa consiste em se determinar o modo de transmissão do vírus pelo vetor. No caso de vírus não-persistentes, o vetor retém o vírus por um período curto de tempo, assim o uso do inseticida tem pouco efeito de evitar a entrada do vírus na cultura. Para vírus persistentes em que o pulgão é capaz de transmiti-lo para inúmeras plantas, a aplicação de inseticida pode ser bastante útil, reduzindo o número de plantas infectadas. O uso de óleo mineral tem sido bastante útil para reduzir a dispersão de vírus não-persistentes e semi-persistentes, provavelmente por interferir com a aderência do vírus no estilete ou estomodéu. Entretanto, o óleo não tem efeito na redução de vírus persistentes. Uma barreira de plantas não susceptíveis ao vírus pode ser uma boa alternativa para reduzir a entrada de vírus não-persistente em uma plantação, pois o pulgão pode realizar as primeiras picadas de prova neste hospedeiro e perder o vírus antes de entrar em contato com a planta susceptível. Coberturas de alumínio ou palha podem ser usadas como repelente ou não atrativas para se diminuir a visita de pulgões. Os pulgões são atraídos pela cor amarela e este fato pode ser usado para se construir armadilhas adesivas de cor amarela e capturar os pulgões alados. Finalmente, o uso de tela anti-afídeo é recomendado principalmente durante a produção de mudas, pois as plantas jovens são mais susceptíveis e os prejuízos são maiores. O tamanho da malha da tela é muito importante para o controle efetivo de pulgões. O tamanho do orifício da tela para exclusão do pulgão Myzus persicae é de 434um, enquanto que para Aphis gossypii, o orifício precisa ser de 355um.

Alice Kazuko Inoue-Nagata,

Embrapa Hortaliças

Tatsuya Nagata,

Universidade Católica de Brasília

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