Do campo à mesa

A necessidade de informar ao consumidor a história completa da fazenda ao varejo fez surgir na Europa a certificação EurepGap para restaurar a transparência de mercados.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

Um dos grandes desafios da cadeia agroindustrial da carne consiste em oferecer produtos adequados à mesa dos consumidores. Contudo, o termo "segurança" torna-se cada dia mais cobrado. Fatores, como a crise da Encefalopatia Espongiforme Bovina e a Febre Aftosa, causaram grande descrédito à indústria de carnes na Europa, além da crise da dioxina, compromentendo a cadeia avícola. Houve ainda nos EUA, a crise da

, 0157:H7, em 1993, com o consumo indevido de hambúrgueres de carne bovina contaminados.

A exigência de certificados de origem dos grãos de soja para alimentação animal e humana pelos mercados europeu e japonês foi outro fator que requereu a implementação de ferramentas que visassem, entre outros requisitos, a segurança alimentar. Além da grande preocupação com a segurança dos alimentos, os atributos intrínsecos de qualidade como maciez, sabor, quantidade de gordura, características voltadas para as formas de produção, processamento, comercialização, têm se tornado elementos chave na qualificação de diferentes produtos. Porém, o sistema alimento é uma corrente contínua do campo à mesa, dividido em atividades especializadas e conectadas umas às outras, como os elos de uma corrente. Portanto, a interrelação e o monitoramento da cadeia é essencial para a segurança do produto final.

A necessidade de informar ao consumidor a "história completa" da fazenda ao varejo é de grande importância nos tempos atuais. Todavia, a carne bovina ainda encontra-se em desvantagem em relação a outras fontes de proteínas, devido principalmente à ausência de variabilidade e de conveniência, assim como a inconstância na qualidade padronização e a ausência de credibilidade. Nesse contexto, surgem mecanismos de garantia de qualidade, como a certificação, que objetiva dentre outros fatores, restaurar a transparência de mercados. A certificação baseia-se na identificação de comprovações objetivas de cumprimento de determinados requisitos passíveis de demonstração ao mercado consumidor. Além disso, a estruturação de sistemas, que utilizem normas técnicas para os diversos produtos, em toda a cadeia, associados a processos de garantia da qualidade e segurança alimentar, possibilitam a realização de verificações, com o uso de mecanismos de certificação da conformidade de produtos.

Nesse cenário, originou-se, como uma iniciativa dos comerciantes varejistas e supermercados europeus em 1997, na Alemanha, o Euro Retailer Produce Working Group Eurep. Trata-se de um protocolo de boas práticas agrícolas. EUREP refere-se a "European Retailers Produce Working Group" e "GAP" a Good Agricultural Practices. Atua como um monitoramento contínuo, seguido por produtores, que recebem uma certificação de terceira parte (independente). O programa consiste em um código de conduta, um modelo de certificação, baseado na produção de frutas, vegetais frescos e flores. Atualmente, estuda-se a certificação de outros produtos, como exemplo, o café (Eurepgap Green Coffee).

Aproximadamente, 30 empresas inserem-se como membros do EurepGap, localizadas em países como Holanda, Inglaterra, França e Austrália. Esses membros incluem varejistas, produtores/fazendeiros e associados ligados à agropecuária. O programa é dividido por setor específico e os comitês são liderados por um presidente independente. Padronização e certificação são aprovadas pelos comitês técnicos e comitês de padronizações, cada um atuando em seu setor. Há o apoio do FoodPlus, governamental, representativo do secretariado EurepGap, na Alemanha. Entretanto, a adesão ao programa é voluntária e baseada em alguns critérios: estabelecimento de uma Gestão Ambiental, Ocupacional e Gestão de Qualidade do Processo Produtivo. O certificado é um documento que valida ao produtor que este é certificado. Já a licença, é uma relação contratual, em que o EurepGap e o produtor, ou grupo de produtores, associam-se, por meio de uma pré-licença entre o produtor e EurepGap, aprovado pelo CB (corpo de certificação), que faz a acreditação baseada na ISO 65 (vide gráfico -

).

Os objetivos do EurepGap consistem na redução de riscos na produção agrícola, verificando de modo objetivo a melhor prática em um modelo eficiente e sistemático, ou seja, questões relacionadas à higiene e segurança alimentar, qualidade do produto, preservação ambiental e segurança do trabalhador. O sistema assegura a inocuidade dos alimentos, além dos aspectos sociais envolvidos, respeitando as leis trabalhistas e as condições sociais de cada trabalhador envolvido na cadeia. O cumprimento dos requisitos do protocolo EurepGap é assegurado pela certificação de um Organismo de Controle e Certificação, acreditado pelo Instituto Português de Qualidade, de acordo com a EM 45011.

Para se iniciar o processo de certificação é necessária a comprovação da implantação do sistema, evidenciada pela equipe auditora, através de registros, no mínimo, três meses anteriores à auditoria de certificação. Os pontos de controle e critérios de submissão serão seguidos pelas propriedades a serem auditadas. Consiste de módulos inseridos em cada setor controlado. Dentre os módulos nos quais o sistema pode ser implementado, estão os "setores" (lavouras roltacionadas de milho, soja, feijão, trigo, aveia, canola, bovinos de corte e de leite, suinos, ovinos e aves) e "bases" (conjunto de propriedades, animais da fazenda e transpote). Há ainda o escopo da certificação, que é a abrangência e limites das auditorias e o CheckList (lista de verificação), que é a base para a auditoria externa.

Certificação e Opções

Há três níveis para estabecer a certificação do sistema EurepGap, classificados em Obrigações Maiores, Menores e Recomendações. Porém, a organização a ser certificada deve atender a 100% dos itens, que sejam Obrigatórios Maiores e 95% do total dos itens, que sejam Obrigatórios Menores aplicáveis. Para adquirir a certificação no nível I é necessário que tenha atendido a todos os requisitos, nível II, 100% dos itens classificados como I e II deverão ser atendidos e no nível III o atendimento dos itens classificados como I, II e III são obrigatórios.

Há três possíveis opções no programa EurepGap: Individual, em Grupos (Produtores ou Organizações). Consiste de uma unidade gestora, responsável pelo monitoramento de todas as propriedades envolvidas e Benchmarking, aplica-se caso um grupo de produtores, que possua um Documento Normativo, o protocolo próprio, que seja possível validá-lo junto ao EurepGap.

O certificado EurepGap deve ser emitido e aprovado pelo corpo de certificação com validade de um ano, com o alcance descrito. O contrato de serviço tem a duração de três anos, com renovação ou extensão por períodos superiores.

Considerações finais

A implementação de programas de qualidade e certificação como o Eurepgap assegura que a cadeia de carnes insira-se em um sistema de elevado nível, assumindo responsabilidades em relação à segurança alimentar, meio-ambiente e bem-estar social e animal. Esse envolvimento facilita a abertura de mercados e as negociações internacionais.

Não obstante, a importância desse programa atua como referência mundial em padronização e aumento da transparência entre cada segmento da cadeia.

Este sistema permite ainda uma comunicação e "consulta" aberta com os consumidores, produtores, exportadores e importadores.

Os benefícios são claros: especificamente, para o produtor, há um maior controle do processo, organização das bases produtivas, resultando em menores riscos e custos. O produtor tem a oportunidade de oferecer produtos diferenciados ao mercado, com descomoditização e aumento de competitividade, há maior conformidade com a inserção de normas e redução da ação de oportunistas e, para o consumidor, adquire maior confiabilidade e maiores garantias sobre todos os atributos, inclusive aqueles imperceptíveis no momento da compra.

As ferramentas estão disponíveis. Cabe a cada um considerar os custos e o processo de qualidade envolvidos nesses programas, não se esquecendo que quem dita as regras é o consumidor. Afinal, ele é o rei!

Angélica Simone Cravo Pereira

Doutoranda FZEA - USP

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