Dolarização ou Eurorização?

Especialista analisa os rumos da pecuária, pressionada por oscilações de moedas estrangeiras, baixos preços pagos ao produtor, consumo interno restrito e dificuldades para alavancar a conquista de novos mercados. Idoneidade com

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

O agronegócio brasileiro passa por um momento de revisão, revisão de tomada de posição, revisão de política de ações governamentais e revisão mediante o comportamento do seu custo de produção frente àquele preço que o consumidor se propõe a pagar. Devemos dividir isto em diversas partes. Vamos começar fazendo uma análise da produção lá na fazenda: porteira a dentro.

Na fazenda, este produto, hoje, passa por um custo altíssimo de produção, embasado na pseudo-dolarização, variável entre R$ 3,5 e R$ 3,6 há dois anos. Estes produtos viram o euro deslanchar com uma valorização de 30% sobre a moeda americana. Quando compramos nossos produtos, e nossos clientes nos pagam com moeda americana, numa fase de desvalorização sobre o euro, passamos a ter uma perda de poder de capital. Haja vista, por exemplo, a queda da soja, atualmente comercializada entre R$ 30,00 e R$ 34,00 na alternância dos preços brasileiros. Esta soja, no mesmo período do ano passado, chegou a R$ 50,00, com o dólar valendo entre R$ 2,8 e R$ 2,9.

Vamos ao setor pecuário. O boi, em igual período do ano passado, estava valendo o equivalente ao preço praticado hoje, um valor médio de R$ 55,00. Passaram-se 365 dias, e os preços destes produtos continuaram os mesmos junto ao mercado, representado pelos frigoríficos, intermediários da ação entre o produtor rural e o consumidor final. No entanto, analisando os dados fornecidos pela CNA e BMF, vemos que houve uma evolução de valor para o intermediário. Então, nós podemos afirmar que existe evolução de ganho real para o intermediário, mas que isto não chegou ao produtor, resultando para este em aumento de custo e redução de ganho, se considerarmos uma inflação da ordem de 7%.

Só para que possamos sintetizar em termos de evolução de números, podemos dizer que as expectativas para 2005 são péssimas. Houve pessimismo excessivo para o setor do agronegócio, contrastando com a euforia do próprio negócio no período anterior.

Se tomarmos como base a contenção da alta e os preços do boi, que não apresentam reação, também podemos dizer que no mercado futuro a arroba estará sendo comercializada a valores menores que os praticados no ano passado. Vamos mostrar isto em comparação numérica.

No início deste ano, por exemplo, o mercado refletiu o desequilíbrio entre a oferta e a procura, em função de o consumidor interno não estar propenso a comprar as quantidades oferecidas pelo produtor acima da demanda, em decorrência do melhoramento animal e vegetal, enfim, de todo o contexto da cadeia produtiva do agronegócio, que evoluiu e respondeu com avanço genético e de produtividade, fazendo com que, em um linguajar comum, hoje nós tenhamos bois acima daquilo que o mercado quer consumir. Só nos resta uma alternativa: colocar este produto no mercado internacional.

Como colocar este produto no mercado internacional? Oferecendo boa qualidade e quantidade em escala suficiente de forma permanente. Precisamos ficar atentos, porque no balanço do Brasil existem horizontes favoráveis junto ao mercado internacional, mas a vulnerabilidade se torna gigantesca, e as nossas exportações precisam ser objetivadas para mercados firmes, que tenham propensão comercial.

Outra coisa que nos assombra é que o mercado americano, mesmo após o episódio da ‘vaca louca’, apresenta recuperação, e a Argentina, após o grande ‘enfarte’ de 2002, também se recupera e se torna concorrente, apesar de o Brasil ocupar um nicho diferente dos ambicionados por estes dois países. Esta comparação irá prejudicar diretamente o mercado australiano, que era o que detinha a maior fatia do bolo comercial de carne, mas que, no ano passado, já foi ultrapassado pelo Brasil e que, neste ano, vai continuar decrescente, porque está sendo assediado pelas recuperações dos concorrentes americano e argentino.

Observando números recentes da CNA e da Abiec, percebemos que em janeiro tivemos evolução do mercado de carne na ordem de 153,44 mil toneladas, uma alta de 28,1% em relação ao volume do mesmo período anterior (119,78 mil t). A receita cambial no segundo mês do ano atingiu US$ 189,39 milhões, uma queda de 2,3% em relação aos US$ 193,8 milhões de janeiro. No entanto, notamos que o mercado internacional permanece praticamente estável, com pequena oscilação, acenando-nos com uma perspectiva de abertura do mercado russo para a compra de carnes e produtos de origem animal, motivo pelo qual sentiremos, muito em breve, um acréscimo nas evoluções das nossas exportações.

De março de 2004 a fevereiro de 2005, o Brasil exportou mais de 2 milhões de toneladas de carne bovina, uma alta de 45,3% sobre o volume verificado entre março de 2003 e fevereiro de 2004. Estados brasileiros como Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul foram liberados pelo mercado russo, ampliando nossos limites (até então possível apenas à Santa Catarina), o que vem confirmar o raciocínio de que teremos um ganho em termos de exportação. Observemos, ainda, que a Ásia desperta para o consumo de carne. Se os países asiáticos passarem a consumir carne no mínimo uma vez por semana, nós não daremos conta de produzir em quantidade ideal.

O que vivemos então? Uma descompensação e um certo desconforto entre a quantidade produzida e a procurada, o que só tem dois jeitos de se sanar: elevar o consumo interno, o que depende do aumento da renda per capita do brasileiro, para agregar a proteína animal de melhor qualidade à sua alimentação; ou o incremento da exportação, com a abertura de novos mercados (asiático, russo e da própria comunidade européia), mas, para isto, temos que torcer para que o mercado americano continue com seu desconforto devido ao ‘mal da vaca louca’, que a Argentina também não consiga se recuperar tão rápido e que a própria Austrália tenha seu insucesso, como teve no ano passado por fatores climáticos. Contratempos que se tornaram, de certa forma, um grande marketing para a pecuária nacional.

Mas não há dúvidas de que a única coisa que perdurará neste comércio é a idoneidade comercial com qualidade e preço. Isto é o que vai sobreviver diante do mercado internacional. O resto é o grande poder de influência dos Estados Unidos, que poderá pressionar mercados, para que adquiram seus produtos, lançando uma guerra de pressão, de tecnologia e de geração de outros produtos de consumo de que estes países necessitam.

Impossível falar do mercado da carne sem admitir o embate entre produtor rural e frigorífico, o que tem gerado uma situação ruim, de desconfiança do produtor quanto à formação de oligopólio por sete ou oito grupos, trabalhando com preços similares e pressionando-os para baixo no sentido de maximizarem seus lucros. Mas gostaria de ressaltar também que, quando fazemos esta pressão junto aos frigoríficos, devemos lembrar que a maioria destes grupos é de produtor rural, que não são eternos e, para que mantenham a magnitude dos seus negócios, não podem matar a ‘galinha de ouro’ que é o produtor. Devemos tentar sensibilizá-los a nos remunerar melhor, pagando por qualidade de couro, de carcaça, de acabamento. Isto sim, o prêmio de produtividade deve ser criado e deve ser exigido, pois com ele iremos mostrar qualidade em escala, para atingirmos o mercado internacional, inclusive países europeus, que não querem saber de alternância na qualidade.

O mercado comprova que a pecuária de corte vem perdendo renda há muito tempo, e nós corremos o risco também de que nossas fazendas se tornem degradadas e retrógradas. O que quero dizer é que toda a cadeia tem que se articular de maneira única. Não pode ter esta desarticulação, na qual o intermediário tem justo lucro, e o produtor não consegue auditar o que está sendo feito com o seu produto. Sabemos que a pecuária bovina e o setor agrícola têm constituído uma grande âncora para o consumo de proteína animal e vegetal para o mundo, mas o produtor, aquele que fica porteira a dentro, não tem conseguido justo lucro, para que continue nesta progressividade e possa fazer muito melhor do que está fazendo agora.

Por outro lado, necessária e oportuna, também, uma reflexão sobre a decisão da Secretaria de Direito Econômico, do Ministério da Justiça, de abrir processo administrativo, para investigar cartel junto aos frigoríficos do País. Assistimos a uma ‘guerra’ que me faz lembrar a experiência com o grupo Maggi, quando seus diretores foram presos e, de um dia para o outro, queriam desempregar em torno de 11 mil funcionários. O que isto causaria ao país... uma cadeia de pessoas que ficaria à mercê da procura de empregos. A própria Secretaria deve pensar nisto e tomar cuidado com medidas intempestivas. Fiscalizar sim, perseguir não. O setor está estabilizado, e estão usando de artimanhas para uma situação que certamente se resolveria com um bom diálogo, um bom entendimento e um bom exercício. Precisamos ter ação conjunta e devemos nos aglutinar e fazer nossas reivindicações, para seremos ouvidos, sem nos esquecermos de que não existe nada que resista à lei da oferta e procura.

Depois deste parêntese e para encerrar, cumprimento os produtores, porque responderam muito bem ao desafio do melhoramento animal e vegetal, em síntese, da cadeia produtiva que compõe o agronegócio. Isto veio em velocidade bem superior à esperada pelo próprio Governo. Muitas das coisas que estão acontecendo talvez estivessem previstas para 2010. Como queimaram-se etapas, está havendo um desconforto que nos preocupa e muito. Assistimos ao abate indiscriminado de fêmeas, o que irá fazer com que, talvez em 2010, quando seria o momento ideal para a atual produção de carne, falte grande parte desta fatia. Aí vai acontecer justamente o contrário: a oferta será menor que a procura, e haverá um preço muito mais elástico que aquele que a população pode pagar, transformando a carne em artigo de luxo, além de o produto perder competitividade de preço no mercado internacional. A economia é feita pelo simples. É pelo simples que os nossos ancestrais diziam: ‘sete anos de vacas gordas, sete anos de vacas magras’. O problema é que estes sete anos têm sido encurtados para cinco, quatro e até três anos.

João Machado Prata Júnior

Fazu/Fundagri

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