Eficiência questionada

Estudo questiona grau de proteção de vacinas comerciais contra o vírus da Diarréia Viral Bovina (BVDV); novos imunógenos, com amostras brasileiras do vírus, devem estar no mercado até 2005.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

O vírus da Diarréia Viral Bovina (BVDV) é um dos patógenos mais importantes de bovinos e tem sido associado a perdas econômicas significativas em gado de corte e leite de todo o mundo. Dois tipos distintos do BVDV já foram identificados: BVDV tipo 1, que representa a maioria dos vírus que circulam nos rebanhos, e BVDV tipo 2, inicialmente identificados na década de 80 em surtos graves da doença nos Estados Unidos. Como a maioria dos vírus que possuem RNA (ácido ribonucléico) como material genético, o BVDV possui uma grande variabilidade antigênica. Ou seja, os vírus BVDV que estão presentes na população bovina são muito diferentes entre si. Isso dificulta o diagnóstico e o controle da enfermidade.

A infecção e a enfermidade

A maioria das infecções pelo BVDV em animais imunocompetentes, jovens ou adultos, são inaparentes ou acompanhadas de sinais clínicos discretos. No entanto, a infecção pode se manifestar de forma aguda, com hipertermia, descarga nasal e ocular, úlceras e erosões orais e ocasionalmente diarréia, principalmente em animais jovens. Imunossupressão predispondo a infecções respiratórias secundárias também pode acontecer. A ocorrência de surtos graves da doença em bezerros e animais adultos apresentando trombocitopenia severa resultando em diarréia sanguinolenta, petéquias e equimoses nas mucosas, também tem sido associada à infecção pelo BVDV. Entretanto, o maior impacto econômico do BVDV parece estar associado a perdas reprodutivas, decorrentes de infertilidade temporária, repetições de cio, mortalidade embrionária ou fetal, abortamentos, mumificação e malformações fetais, além do nascimento de bezerros fracos e inviáveis.

Um aspecto de grande interesse epidemiológico é a infecção de fêmeas prenhes entre os 40 e 120 dias de gestação. A infecção nesse período freqüentemente resulta na geração de bezerros persistentemente infectados (bezerros PI). Os bezerros PI podem ser clinicamente saudáveis sendo, no entanto, portadores permanentes do vírus e constituem-se na principal fonte de transmissão e manutenção da infecção em um rebanho. Embora os bezerros PI possam ser clinicamente saudáveis, muitas vezes apresentam crescimento retardado, são fracos, e chamam a atenção pelo seu baixo desempenho e condição corporal. A transmissão do vírus ocorre principalmente pelo contato direto ou indireto com animais PI, porém pode também ocorrer através do sêmen e contato com secreções e excreções de animais com infecção aguda.

Diagnóstico e controle

Enfermidade gastroentérica com diarréia, principalmente sanguinolenta, ulcerações na boca e língua, doença respiratória em bezerros, repetições de cio (principalmente com ciclo prolongado), abortos, malformações fetais e o nascimento de bezerros fracos e inviáveis devem ser considerados como suspeitas do BVDV. Em muitos rebanhos, o que geralmente chama a atenção é o nascimento de bezerros fracos e inviáveis e bezerros malformados. Muitas vezes é o único indicativo da presença do vírus no rebanho. A suspeita clínica, entretanto, precisa ser confirmada através do isolamento e identificação do vírus. A detecção de anticorpos em animais soronegativos indica exposição prévia ao agente, porém a soroconversão detectada pelo teste de amostras coletadas com duas a quatro semanas de intervalo (soro pareado), pode confirmar a suspeita. O diagnóstico pode ser realizado a partir de amostras de sangue total, soro, secreções, tecidos, tais como, baço, timo, pulmão e linfonodos de animais com infecção aguda ou de fetos abortados. O material deve estar refrigerado quando enviado ao laboratório.

O ponto chave do controle e profilaxia da enfermidade consiste na identificação e remoção dos animais PI das propriedades. Além disso, um requisito fundamental é a prevenção da infecção transplacentária e a conseqüente geração de animais PI através da vacinação. Não existe um programa de vacinação específico para a enfermidade. A escolha das estratégias de controle mais adequadas devem ser analisadas pelo Médico Veterinário e definidas de acordo com a relação custo-benefício além das características específicas de cada propriedade e de cada rebanho. Os professores de virologia da UFSM fornecem recomendações quanto ao uso ou não de vacinação quando consultados por colegas de campo. Além disso, é importante ressaltar que o uso indiscriminado da vacinação compromete a interpretação dos testes sorológicos, uma vez que os anticorpos vacinais não podem ser diferenciados daqueles induzidos pela infecção natural.

De um modo geral, recomenda-se que em propriedades com risco e/ou histórico da infecção, as fêmeas sejam vacinadas antes da temporada de monta e revacinadas a cada 6 meses. Bezerros desmamados e destinados à recria e/ou confinamento em locais com aglomeração de animais de várias procedências também devem ser vacinados. Propriedades fechadas e/ou sem histórico clínico compatível com a enfermidade, geralmente não requerem vacinação e são aconselhadas a reforçar o controle da entrada de animais. Novamente, a decisão de vacinar ou não, e como vacinar, deve ser tomada exclusivamente com aconselhamento técnico.

Pesquisa e perspectivas

O Setor de Virologia da Universidade Federal de Santa Maria, RS (SV/UFSM), atua na área de diagnóstico e pesquisa da infecção pelo BVDV. Os resultados dos estudos epidemiológicos, de patogenia e de proteção vacinal realizados na última década indicam: 1. A infecção está amplamente difundida no rebanho bovino brasileiro, com prevalência de anticorpos que chega a 60% em algumas regiões do país; No RS, em torno de 35% dos bovinos já tiveram contato com o vírus e mais de 80% das propriedades possuem animais com anticorpos; 2. Vírus dos dois genótipos (BVDV-1 e BVDV-2) já foram identificados; 3. Os isolados brasileiros do BVDV apresentam uma grande variabilidade antigênica e são distintos dos isolados norte-americanos e europeus; 4. As vacinas comerciais disponíveis no Brasil (que contêm cepas americanas do vírus) induzem níveis baixos a moderados de anticorpos contra isolados locais do vírus; 5. Essas vacinas não conferem proteção fetal em ovelhas prenhes que são usadas como modelo experimental. Esses resultados levaram ao questionamento sobre o grau de proteção conferido pelas vacinas comerciais, sobre a necessidade de reformulação desses imunógenos e da reavaliação das estratégias de imunização contra o BVDV. Atualmente vários laboratórios nacionais estão desenvolvendo vacinas contra o BVDV que atendam especificamente as necessidades do mercado nacional. Algumas destas vacinas devem estar no comércio já no ano de 2004 ou 2005.

O SV/UFSM está no processo de desenvolvimento de uma vacina atenuada para o BVDV. Essa vacina, que está atualmente em fase de testes, contém amostras brasileiras do BVDV-1 e BVDV-2 atenuadas por passagens em cultivo celular. Resultados preliminares indicam que os vírus vacinais são suficientemente atenuados para bezerros, são capazes de induzir anticorpos neutralizantes em níveis moderados a altos e que neutralizam uma grande variedade de isolados de campo. Além disso, observou-se 100% de proteção fetal após o desafio com vírus de campo em ovelhas prenhes previamente imunizadas. O passo seguinte será testar a eficiência dessa vacina em conferir proteção fetal para fetos bovinos, através da vacinação prévia e o subseqüente desafio de vacas prenhes. Posteriormente, deve-se buscar uma parceria para produção dessa vacina em escala comercial e eventualmente obter seu licenciamento para comercialização.

Vacinas atenuadas contra o BVDV não estão atualmente disponíveis no Brasil, apesar da sua eficácia superior comprovada e do custo por dose ser geralmente inferior às vacinas inativadas. Além disso, o uso desse tipo de vacinas pode ser realizado com segurança desde que observadas estritamente as recomendações de não imunizar vacas prenhes.

Embora seja difícil de se estabelecer o período de tempo necessário para que uma nova vacina chegue até o produtor, o eventual licenciamento e a posterior comercialização de vacinas atenuadas contendo amostras brasileiras do vírus, pode representar um importante avanço no controle da infecção pelo BVDV no Brasil.

Importante

O que é o BVDV? É um vírus que causa doença respiratória, digestiva e reprodutiva em bovinos. Está amplamente distribuído no rebanho brasileiro.

Quando suspeitar de BVDV? Quando houver doença respiratória de bezerros, diarréia sanguinolenta, úlceras na língua e gengivas, abortos, malformações fetais, nascimento de bezerros fracos e inviáveis. Atenção com bezerros fracos, com crescimento retardado.

Como proceder? Quando houver suspeita, coletar e enviar material para o diagnóstico.

Que material enviar? Tecidos coletados na necropsia (baço, timo, pulmão), secreções nasais (suabes), sangue com anticoagulante (5ml), soro. O material deve ser enviado refrigerado. Acondicionar em caixas de isopor com bastante gelo.

Para onde enviar? Levar ou enviar por transportadora ou ônibus para o Setor de Virologia, Universidade Federal de Santa Maria.

Vacinar ou não vacinar? Nunca tome a decisão de vacinar o rebanho antes de consultar técnicos especializados.

Marcelo de Lima, Eduardo Furtado Flores e Rudi Weiblen

UFSM

Compartilhar

Mosaic Biosciences Março 2024