Eletrônica na pulverização

Dispositivos eletrônicos nem sempre apresentam uma relação favorável entre o custo e benefício em equipamentos de pulverização.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

Já se passaram alguns anos da introdução em nosso país de equipamentos eletrônicos de controle de pulverizadores mas, até hoje, sua adoção pelos empresários rurais tem sido bem vagarosa, apesar de suas inúmeras vantagens. Muitos alegam que esses equipamentos, além de caros, são de difícil manuseio; outros, por desconhecimento, preferem ficar com o velho e tradicional pulverizador de controle manual. A exceção, ao que parece, ficou com os pulverizadores autopropelidos (Montana, Agchem, Jacto etc) e alguns modelos de arrasto empregados em pomares (Jacto).

Independentemente do tipo, marca e modelo, a grande vantagem desses equipamentos é permitir que os pulverizadores, de qualquer categoria, operem no campo a velocidade variável mantendo a mesma taxa de aplicação (litros de calda por hectare). Além desse aspecto existem outros, associados ao manejo do pulverizador (regulagens e comandos acionados por simples pressionamento de botões) e ao controle operacional (fornecendo relatório de área trabalhada, quantidade de calda aplicada etc).

Nos pulverizadores autopropelidos, cuja presença hoje no mercado nacional conta com dois modelos importados (John Deere e Case) e dois nacionais – Uniporte (Jacto) e Parruda (Montana), a possibilidade de operar em velocidades mais altas com barras de grande porte faz dessas máquinas forte concorrente do avião agrícola. Na prática, os usuários têm afirmado que o autopropelido faz em um dia o que o avião realiza em meio dia. Todavia, o grande fator restritivo é o balançar das barras quando trabalha em terrenos de microperfil irregular, como é o caso típico da lavoura canavieira. Porém, mesmo em terrenos mais uniformes (caso das lavouras de cereais), o tipo de sistema de suspensão (dos rodados e das barras) é fator determinante da máxima velocidade que efetivamente o pulverizador autopropelido pode desenvolver.

O ponto alto nos pulverizadores instrumentados é a possibilidade de variar a velocidade de deslocamento, sem que se altere a taxa de aplicação que foi preestabelecida. Não se trata de exigência nova, mas inúmeras tentativas foram realizadas para obter esse mesmo efeito, como foi o caso dos pulverizadores Berthoud (hoje Montana) que adotando terminologia européia lançaram no início da década de 90 sistemas com as siglas VPM, (vazão proporcional à rotação do motor), VPA (vazão proporcional por avanço) e VPE (vazão proporcional por controle eletrônico). No caso do sistema VPM o bloco de válvulas de comando apresenta um circuito hidráulico no qual um aumento de vazão (proporcional ao aumento da rpm do motor ou TDP) da bomba é repassado às barras por aumento de pressão e conseqüentemente aumento de vazão, de forma que operando na mesma marcha do trator obtém-se volume constante por hectare. O problema com esse sistema é que se houver troca de marcha no trator, o VPA não funciona.

No sistema VPA a bomba é acionada pela roda do pulverizador. A proporcionalidade da vazão da bomba com a velocidade de avanço faz com que o circuito hidráulico neste caso funcione de forma semelhante ao anterior, porém, sem a limitação da troca de marchas. Todavia, esses tipos de sistemas de controles hidromecânicos (VPM e VPA) não tiveram, por várias razões, boa aceitação no mercado e foram marginalizados pelas vantagens oferecidas com o sistema VPE (vazão proporcional por controle eletrônico), com vários modelos fabricados no exterior e disponíveis no mercado interno (Spraying Systems, Dickey John, Arag, Raven etc).

Um termo que vem ganhando adeptos é o “volume aplicado” para designar a quantidade de calda (água+defensivo) aplicada por unidade de área. Por ter um certo sentido ambíguo (tanto pode ser volume aplicado por área, como por tempo ou por jornada de trabalho) adotou-se aqui o termo clássico “taxa de aplicação” (Ta) para explicitar a quantidade de calda aplicada por unidade de área (m2, ha ou alqueires). Assim, conforme ilustram os esquemas da Figura 3 (

), se um pulverizador equipado com comando de válvulas convencional for regulado para Ta = 300 l/ha e V = 4 km/h, passar a trabalhar a 8 km/h a taxa de aplicação cai para 150 l/ha. É esse o motivo da preocupação com VP, ou seja, vazão proporcional a velocidade de deslocamento. A explicação sobre esse relacionamento, porém, envolve alguns cálculos e o uso de fórmulas tiradas das próprias características operacionais do equipamento. Apesar de não ser nada complicado, vai exigir um pouco mais de atenção do leitor.

A aplicação de herbicidas em cana-de-açúcar vem sendo feita com sucesso através de pulverizadores tratorizados (barras de 3 seções) equipados com controles eletrônicos. Para se entender como esses equipamentos operam é necessário conhecer o modelo de relacionamento das variáveis envolvidas na operação de pulverização de defensivos.

Para iniciar, consideremos um pulverizador com barra de bicos subdividida em 3 seções (duas laterais e uma central), cada uma com 5 bicos espaçados de 0,6 m. Portanto, a largura da faixa de deposição de cada seção será Ls = 3,0 m e da barra toda Lb = 9,0 m, conforme ilustra o croquis da Figura 5. Se o trator deslocar-se no campo com velocidade V = 6 km/h (equivalente a 100 m/minuto), a área coberta em 1 minuto será S = 9 x 100 = 900 m2. Considerando-se uma vazão dos bicos Qb = 1,9 l/min, a vazão total da barra será Qba = 1,8 x 15 = 27 litros/minuto. Assim, ao tomarmos a razão Qba/S, tem-se: 27 (l/min) / 900 (m2) = 0,03 litros/m2.

Essa taxa de aplicação (Ta = 0,03 l/m2) corresponde a 0,03 x 10.000 = 300 litros por hectare, a qual poderá ser expressa pela seguinte equação:

Ta (l/ha) = 10.000 x [ Qba (l/min)/S (m2/min)] --- (1)

Mas, a área aplicada por unidade de tempo pode ser expressa por:

S (m2/min) = L (m) x V (km/h) x 16,66 --- (2)

Logo:

Ta (l/ha) = 10.000 x { Qba (l/min)/ [L (m) x V (km/h) x 16,66]}

que resulta em:

[Ta (l/ha) x L (m)]/600 = Qba (l/min) / V (km/h) --- (3)

Assim, no caso do nosso exemplo, teríamos:

[ 300 (l/ha) x 9 (m)]/600 = 4,5 = Qba (l/min) / V (km/h)

e, portanto:

Qba (l/min) = 4,5 x V (km/h) --- (4)

Como se nota, a vazão da barra de pulverização, em l/min, deve ser proporcional a 4,5 vezes a velocidade de deslocamento do trator, em km/h. Isso quer dizer, no caso do nosso exemplo, que a cada variação de 0,5 km/h na velocidade do trator, deverá ocorrer uma variação de 2,25 l/min na barra de pulverização, a fim de manter constante a taxa de aplicação de 300 litros por hectare.

Essa variação de vazão, para acompanhar a variação de velocidade e manter constante a taxa de aplicação, é obtida por regulagem da pressão. A medida em que se aumenta a pressão, a vazão dos bicos é incrementada. Esse efeito é ilustrado no gráfico da Figura 6, traçado a partir dos dados fornecidos por uma tabela do fabricante de bicos (Spraying Sistems Co) para o bico “flood jet” TF-VS4.

Utilizando-se de metodologia estatística (análise de regressão), pode-se obter uma equação matemática da variação da vazão do bico em função da pressão, cuja forma geral é:

Qb(l/min) = a + b.P (bar) --- (5)

Nessa equação as constantes “a” e “b” são determinadas a partir dos dados obtidos em teste dos bicos, realizados de forma que se varia a pressão (P) e coleta-se a vazão (Qb) correspondente. Para isso emprega-se um frasco graduado e cronometra-se o tempo para recolher um volume dado, como ilustra a Figura 7. Depois, aplica-se a esses dados a metodologia de análise de regressão (método dos mínimos quadrados) para encontrar o valor dos parâmetros “a” e “b”.

Considerando-se que a barra tenha n bicos, a equação (5) transforma-se sem:

Qba (l/min) = n x [ a + b.P (bar)] --- (6)

Assim, para o caso do nosso exemplo, podemos associar as equações (6) e (4) considerando a barra com 15 bicos, a saber:

15 [ a + b.P(bar)] = 4,5 x V (km/h)

que pode ser escrito como:

V (km/h) = 3,33 x [ a + b.P(bar)] --- (7)

Verifica-se, pois, que a equação (7) relaciona diretamente a pressão P (em bar) com a velocidade V (em km/h) do pulverizador considerado no exemplo. No caso de se utilizar os parâmetros indicados no gráfico da Figura 6, a equação (7) tomaria a seguinte forma:

V (km/h) = 3,33 x [ 1,206 + 0,662.P(bar)] --- (8)

É exatamente desse fato (equação 8) que os controles eletrônicos se utilizam para proporcionar uma taxa constante de aplicação, independente da velocidade de deslocamento.

Mas, como isso é realizado ?

É feito através de um conjunto de componentes eletrônicos associados ao circuito hidráulico do pulverizador.

Os componentes eletro-eletrônicos de controle incluem:

1) Microcontrolador: - é um circuito integrado que contém muitos dos itens que um computador possui como CPU, memória, etc, mas que não contém nenhuma interface humana como teclado, monitor ou “mouse”.

2) Interface do operador: - conjunto de botões/teclas e “display” de cristal líquido, através dos quais tanto se injeta informações no microcontrolador, como dele se recebe informações.

3) Entradas & saídas: - conjunto de sensores (de pressão, vazão e deslocamento do trator), atuadores (servomotor e selenoides de acionamento das válvulas, comandados pelo microcontrolador) e sinalizadores (sonoros ou luminosos, para chamar a atenção do operador).

O sistema funciona, em linhas gerais, da seguinte forma:

O microcontrolador recebe sinais dos sensores de deslocamento e de pressão. A partir do sinal do sensor de deslocamento (tipo radar ou sensor de pulso instalado na roda), calcula o valor da variável V (velocidade de deslocamento). O sinal do sensor de pressão é memorizado como valor da variável P (pressão). Partindo dos valores das variáveis TA (taxa de aplicação) e Lb (largura da faixa de deposição da barra), ambos introduzidos pelo operador através do teclado, o microcontrolador calcula o valor do primeiro membro da equação (3): [Ta(l/min) x Lb (m)]/600. A seguir, calcula o valor da variável Qba (l/min) requerida para a velocidade atual (V), da forma como indicado pela equação (4). Depois, compara esse valor de vazão requerida (Qba) ao valor que está sendo fornecido pelo fluxômetro (Qf) e toma uma decisão entre as seguintes opções:

I) Se Qf < Qba, então incrementar P (bar).

II) Se Qf > Qba, então decrementar P (bar).

III) Se Qf = Qba, então não alterar P (bar).

A ordem de incrementar/decrementar P (bar) é cumprida pelo acionamento do servo-motor que aciona a válvula reguladora de pressão. Todavia, o aumento ou redução da pressão não pode ultrapassar determinados limites impostos pelas características dos bicos utilizados. Assim, o microcontrolador proporciona acionamento de abrir/fechar a válvula reguladora de pressão até esses limites, tomando por base os sinais recebidos do sensor de pressão e comparando-os com os limites armazenados na memória. Esses limites foram introduzidos pelo operador, quando o “display” de cristal líquido solicitou o código do bico utilizado.

PONTO CRÍTICO

Face a tudo que foi explicado, é pertinente perguntar-se qual é o ponto crítico do sistema?

Resposta: - a uniformidade das características de vazão vs. pressão dos bicos de pulverização disponíveis no mercado nacional!

Vamos explicar o porquê.

A maioria dos sistemas de controle de pulverizadores disponíveis no mercado utiliza uma válvula reguladora de pressão servo-controlada, um fluxômetro e um sensor de pressão, independente do número de secções da barra de pulverização. Assim, quando o operador fecha uma das secções da barra (acionando o comando da válvula de fluxo da respectiva secção), através de um botão/tecla no painel, o microcontrolador é informado e altera o valor da variável Lb (largura da faixa de deposição) e, por conseqüência, recalcula o valor de Qba requerido para a velocidade atual. Portanto, ao comparar o novo valor da vazão requerida (Qba) com o valor que está sendo fornecido pelo fluxômetro (Qf), efetua a necessária alteração de P (bar) através de uma nova posição do servo-motor de acionamento da válvula reguladora de pressão. Mas, até que ponto isso tudo corresponde, verdadeiramente, às expectativas do usuário?

Para que a explicação dada seja válida, existe uma condição fundamental: - todas as secções da barra devem apresentar exatamente as mesmas características de pressão vs. vazão.

Mas, para que isso ocorra, é necessário que todos os bicos, em todas as secções, apresentem os mesmos valores para os parâmetros “a” e “b” da equação (5).

Na prática isso realmente acontece?

Os dados de testes de bicos realizados no Laboratório do Departamento de Engenharia Rural da ESALQ/USP mostram que, muito raramente, os parâmetros das equações de regressão podem ser considerados semelhantes, mesmo em bicos novos, recém-adquiridos no mercado.

Como contornar esse problema de falta de uniformidade nas características de vazão vs. pressão dos bicos disponíveis no mercado nacional ?

A única solução efetivamente viável é utilizar sistemas de controle eletrônico com fluxômetro, sensor de pressão e válvula servo-comandada, em cada uma das secções da barra de pulverização. As vantagens adicionais de sistema assim montado são: a) possibilidade de localizar o sensor de pressão junto de cada secção da barra (eliminando erros por perda de carga) e b) possibilidade de agrupar conjunto de bicos com características de vazão vs. pressão semelhantes para cada secção da barra, mesmo que hajam diferenças significativas entre conjuntos aplicados em diferentes secções.

Para quem já possui um pulverizador instrumentado e desejar conferir, na prática, as características da aplicação que está sendo indicada no painel, desenvolvemos no Depto. de Engenharia Rural da ESALQ/USP um método fácil, barato e eficiente. Sua aplicação requer, todavia, a construção de dois dispositivos bastante simples, a saber:

a) tubo de coleta do jato dos bicos (com tubo leve de PVC, de 4-5 polegadas);

b) calha coletora (em chapa fina galvanizada).

O tubo de coleta é constituído por um tubo de PVC com comprimento um pouco maior que o da secção da barra e apresentando perfurações espaçadas com o mesmo espaçamento dos bicos. Numa extremidade é fechado com uma “cap” e na outra se adapta uma redução e cotovelo (1 polegada de diâmetro). Nas perfurações são introduzidos pedaços de mangueira de plástico transparente (2 polegadas de diâmetro) em cuja extremidade é introduzido um envelope de plástico (com fundo cortado) cuja boca é adaptada ao bico e aí fixada com uma laçada apertada de barbante, de forma a impedir vazamento do jato. Dessa forma todo o líquido pulverizado pelos bicos de uma secção é recolhido e verte pelo cotovelo da extremidade do tubo.

A calha coletora, construída em chapa fina galvanizada, apresenta secção transversal trapezoidal, com cerca de 0,45 m de boca e 4 m de comprimento, com laterais vincadas para lhe conferir resistência estrutural. Numa das extremidades e no funda da calha é adaptado um pequeno tubo de descarga, por onde será recolhido o volume liberado pelo tubo de coleta em sua passagem durante o teste.

Para realização dos testes o tubo de coleta é acoplado à secção da barra de pulverização. O local dos testes deve ser uma pista plana e nivelada, na qual se dispõe a calha coletora (montada em cavalete) no sentido longitudinal da passagem do trator. A seguir traça-se uma linha de referência cuja distância do eixo longitudinal da calha possibilita dirigir o trator de forma que o cotovelo na extremidade do tubo coletor coincida com a direção da boca da calha.

Após estabelecida uma taxa de aplicação Ta (l/ha) coloca-se o pulverizador em funcionamento e inicia-se o percurso de teste. Numa dada velocidade do trator, passa-se com a extremidade livre do tubo de coleta sobre o eixo longitudinal da calha coletora. A quantidade de calda F (ml) recolhida na calha corresponde ao volume pulverizado numa área equivalente Ae (m2) que pode ser expressa por:

Ae (m2) = Ls (m) x C (m) --- ( 8)

onde “Ls” é a largura da faixa de deposição da secção da barra (na qual está acoplado o tubo de coleta) e “C” é o comprimento da calha coletora.

Portanto, a taxa de aplicação observada Tao(l/ha) será expressa por:

Tao(l/ha) = 10 x [F(ml) / Ae(m2)] --- (9)

Assim, considerando-se o pulverizador tomado como exemplo e calha coletora com 4 m de comprimento, tem-se:

Tao(l/ha) = 10 x {F(ml) / [3(m) x 4(m)]}

Tao(l/ha) = 0,833 x F(ml)

Assim, para uma dada taxa de aplicação de, por exemplo, 200 l/ha a quantidade a ser recolhida na calha de 4 m de uma secção da barra será:

F(ml) = Tao(l/ha)/0,833 = 200/0,833 = 240 mililitros

Comparando-se a taxa de aplicação Ta pré-estabelecida (introduzida pelo console do controlador) com a observada Tao (obtida pela equação 9), determina-se o valor do erro na aplicação.

A equação (9) não inclui a velocidade de deslocamento, ou seja, para uma dada regulagem da taxa de aplicação inserida no controlador, para qualquer velocidade de passagem do pulverizador (nos limites estabelecidos pelo sistema), o volume de calda recolhida F(ml) deve ser significativamente constante. A variabilidade de F(ml) reflete a imprecisão do equipamento.

Para concluir, é oportuno esclarecer que antes da decisão de investir boa quantia de dinheiro num equipamento instrumentado, tratorizado ou autopropelido, é prudente solicitar do vendedor uma prova concreta da eficiência do sistema, em termos de controle da taxa de aplicação à velocidade variável, ligando e desligando parte das seções da barra e medindo a quantidade de calda liberada, como foram os testes realizados em 1997/98 pelo Centro de Tecnologia Copersucar (Piracicaba,SP) nos pulverizadores Rogator (Agchem) e Albatroz (Jacto). Apenas demonstrações tipo Agrishow, para esse tipo de equipamento, só convence quem entende pouco do assunto.

Luiz Geraldo Mialhe

Esalq

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