Inseto como inseticida?

Especialista mostra as características mais importantes de vírus de insetos como inseticidas biológicos.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

Existem atualmente 16 famílias de vírus patogênicos a artrópodes, principalmente a insetos (Murphy et al. 1995, Ribeiro et al. 1998). Três famílias (Baculoviridae, Poxviridae e Reoviridae) possuem uma importante característica em comum: o fato de as partículas virais estarem inseridas em corpos protéicos, denominadas de corpos protéicos de inclusão (CPI). Dentre as famílias associadas a insetos, a Baculoviridae, presentemente dividida em dois gêneros, os Nucleopolyhedrovirus (vírus de poliedrose nuclear – VPN) e os Granulovirus (vírus de granulose – VG), tem sido a mais estudada e desenvolvida como inseticidas microbianos (Moscardi 1999). Esse fato é devido aos atributos dos baculovírus, que normalmente tornam esses agentes mais adequados para uso como inseticidas microbianos que os demais vírus associados a insetos.

Por outro lado, o grupo dos baculovírus e outros vírus associados a insetos apresentam diferenças importantes em relação aos outros grupos de entomopatógenos (fungos, bactérias, protozoários e nematóides), que tornam as estratégias para seu uso em programas de manejo integrado de pragas bastante distintos em vários aspectos. Os baculovírus e os outros vírus de insetos, diferentemente dos fungos e nematóides, geralmente, não têm a cutícula do inseto como a rota principal para penetração e infecção do hospedeiro. Entretanto, os baculovírus agem preferencialmente por ingestão, a exemplo dos protozoários (principalmente Microsporídia) e bactérias. Também, os vírus de insetos não produzem toxinas, como a bactéria Bacillus thuringiensis. Além disso, não possuem a capacidade de busca do hospedeiro, como vários nematóides e alguns poucos fungos. Embora o enfoque deste trabalho seja voltado aos atributos desejáveis de vírus de insetos, principalmente dos baculovírus, como inseticidas biológicos, é importante discutir este aspecto em relação a outras estratégias disponíveis para o emprego de vírus no controle de pragas, uma vez que os atributos de cada grupo de vírus (virulência, rapidez para provocar mortalidade, espectro de hospedeiros, persistência, suscetibilidade a fatores abióticos, modo de infecção, forma de transmissão e disseminação, distribuição e densidade populacional etc), que combinados com as características da população do inseto hospedeiro, do agroecossistema considerado (anual, perene etc.), bem como outras práticas de controle utilizadas (cultural, química etc.), devem auxiliar na determinação da estratégia mais adequada para seu uso.

Não se deve esperar que um determinado entomopatógeno tenha desempenho excelente como um inseticida microbiano, se suas características naturais intrínsecas e extrínsecas não evoluíram para tal. Portanto, as informações referentes a cada entomopatógeno devem ser obtidas em detalhe, com relação as suas características e aos fatores que determinam sua prevalência em um determinado inseto hospedeiro e como um determinado entomopatógeno se encaixa em uma ou mais estratégias para seu uso no controle de pragas. Basicamente, há quatro estratégias para o uso de vírus de insetos e outros entomopatógenos: 1. Introdução e Colonização (controle biológico clássico); 2. Manipulação do Ambiente (visando conservar ou aumentar a ocorrência natural); 3. Aumento Inoculativo (aplicação visando multiplicação posterior de um determinado vívus na população do inseto visado); e 4. Aumento Inundativo Inseticida Microbiano (aplicação realizada conforme a necessidade para manter a população da praga abaixo do nível de dano econômico).

Estudos de modelagem indicam que os entomopatógenos mais adequados para introdução e colonização devem apresentar virulência moderada ao hospedeiro, boa transmissão (horizontal e vertical), alta produção de propágulos infectivos e boa persistência no ambiente. Encaixam-se nesse grupo vários baculovírus, os reoviridae e os poxviridae. Por possuírem corpos de inclusão protéico, que conferem maior proteção às partículas virais contra fatores abióticos e bióticos que os vírus de partículas livres, esses vírus tendem a apresentar maior persistência no ambiente, principalmente no solo. Persistência, alta produção de propágulos e boa disseminação são também importantes para técnicas que visem a manipulação do ambiente para manter ou aumentar a ocorrência natural de vírus ou o aumento através de liberações inoculativas.

Os vírus de poliedrose citoplasmática (Reoviridae), os entomopoxvírus (Poxviridae) e a maioria dos vírus de partículas livres causam, geralmente, infecções crônicas em insetos e, portanto, não se enquadram para uso como inseticidas microbianos, mas sim em uma das outras estratégias. Por outro lado, vírus destinados a serem aplicados como inseticidas microbianos devem ser altamente virulentos ao hospedeiro, visando manter sua população abaixo do nível de dano econômico, sendo que uma elevada taxa de multiplicação (reciclagem) e transmissão (horizontal e vertical) não tem a mesma importância que no caso das outras estratégias de uso (Fuxa 1987). Entretanto, se um baculovírus além de ser eficiente para reduzir a população do inseto hospedeiro também apresenta boa capacidade de reciclagem (produção e disseminação), esse atributo será importante, pois ele deve resultar em um menor número de aplicações contra o inseto visado, quando comparado com inseticidas químicos (Moscardi 1999).

Os baculovírus têm sido o grupo que mais se adapta ao uso como inseticidas microbianos, devido a sua alta virulência, embora a sua alta especificidade e ação relativamente lenta sobre o hospedeiro sejam considerados fatores que têm limitado o uso desses agentes. Por isso, várias iniciativas de engenharia genética têm sido realizadas visando desenvolver produtos a base de baculovírus (principalmente VPNs), com o objetivo de matar o hospedeiro mais rapidamente (através da ação de toxinas expressas por vírus modificados geneticamente), fazendo, também, com que a capacidade alimentar do inseto seja reduzida. No entanto, ao se resolver os problemas mencionados através da engenharia genética, certamente o baculovírus resultante será aplicado mais vezes contra o inseto hospedeiro que o vírus selvagem, numa determinada safra, pois sua capacidade de reciclagem no ambiente é consideravelmente reduzida (menor número de poliedros produzido por larva infectada) (ver revisões de Bonning & Hammock 1996 e Moscardi 1999).

A alta especificidade, um atributo importante dos baculovírus, considerando seu uso em programas de manejo integrado de pragas, pode ser também um fator que limita seu uso em culturas com diferentes insetos importantes ocorrendo simultaneamente. A possibilidade de produção econômica, em escala comercial, tem sido possível apenas in vivo, tanto em insetos criados em dieta artificial em laboratório como em condições de campo (ex. baculovírus da lagarta-da-soja, Anticarsia gemmatalis – VPNAg). No entanto, no primeiro caso a produção de diferentes baculovírus é onerosa, pelo custo de ingredientes de dieta, equipamentos, mão-de-obra etc. Já em campo, embora o custo de produção seja baixo, a quantidade produzida cada ano pode variar bastante em função do nível populacional do hospedeiro e influência de fatores climáticos e bióticos (ocorrência de outros inimigos naturais etc.). Dessa forma, a possibilidade de poder produzir um baculovírus massalmente em laboratório a custo competitivo, através de métodos mais eficientes é uma necessidade, uma vez que a produção comercial desses agentes in vitro, em bioreatores utilizando-se células de insetos, ainda esbarra em problemas técnicos e econômicos, apesar do avanço que se tem obtido recentemente nessa área.

Os atributos de um determinado vírus para uso como inseticida microbiano ou para uso de acordo com as outras estratégias já mencionadas deve ser analisado, também, no contexto das características do hospedeiro e do agroecossistema considerado. Insetos com crescimento populacional do tipo r são controlados, geralmente, por entomopatógenos cuja ação é rápida (devido ao efeito de toxinas – ex.

). Alguns baculovírus, embora de ação menos rápida que

, podem ser utilizados contra pragas do tipo r (crescimento populacional rápido e várias gerações), se o nível de dano econômico estabelecido para a praga for alto, aliado à aplicação numa fase inicial do crescimento populacional do inseto, para evitar dano econômico pelo hospedeiro. Por outro lado, as estratégias de aumento inoculativo e de introdução geralmente são mais apropriadas para o controle de pragas do tipo K (crescimento populacional lento e uma ou poucadas gerações) e um vírus do tipo K (lento, de infecção crônica, mas com persistência na população do hospedeiro – boa transmissão vertical e horizontal etc., como VPCs, EPVs, etc.). Também, as pragas com crescimento populacional do tipo intermediário (r baixo), são as mais adequadas para controle com vírus de ação intermediária (lenta), incluindo vários baculovírus. Entretanto, um determinado vírus pode ser utilizado nas quatro estratégias mencionadas, com base em cada caso e nas características da praga e do ecossistema onde o patógeno será introduzido ou aplicado. Outros fatores importantes relacionados ao hospedeiro que devem ser considerados vis a vis com os atributos de cada vírus são: a) Composição populacional; b) Densidade e distribuição; e c) Comportamento (canibalismo, hábito gregário ou não, alimentação em locais protegidos etc.) (Fuxa 1987).

Em relação às características do ecossistema (culturas anuais e perenes, florestas), que mais afetam o sucesso do uso de um determinado vírus, considerando o patógeno e o hospedeiro, estas estão relacionadas com: a) Fatores ambientais, como os abióticos (temperatura, umidade, precipitação, radiação solar, tipo de solo, pH do substrato, substâncias antimicrobianas etc.), e os bióticos (população do hospedeiro, planta atacada pelo inseto alvo, predadores e parasitóides, pássaros, outros microrganismos etc.). Os primeiros afetam, principalmente, a suscetibilidade do hospedeiro, persistência do vírus, transmissão, disseminação e produção de propágulos e, os segundos, afetam o ciclo, disseminação, transmissão e persistência do patógeno.

Esses fatores podem ser manipulados para favorecer uma maior eficiência do patógeno ou para aumentá-lo no meio ambiente (ex. protetores em formulações contra a desativação por raios UV, aplicação ao entardecer, uso de substâncias que potencializam a atividade viral etc.); b) Disponilidade de níveis de ação para a praga visada na cultura hospedeira. Os níveis de ação (com base em níveis populacionais e de dano do inseto, em relação à redução potencial da produtividade da planta hospedeira) para a aplicação de inseticidas não se aplicam, geralmente, para patógenos de ação relativamente lenta, como é o caso dos baculovírus, utilizados como inseticidas microbianos. Um exemplo é o programa de uso do VPN da lagarta da soja no Brasil, que recomenda um nível de ação para sua aplicação diferente daquele utilizado para o uso de inseticidas químicos, para o controle desse inseto (Moscardi 1999); c) Complexos de pragas e inimigos naturais. Como já discutido, embora a alta especificidade de baculovírus seja um fator importante em programas de MIP, essa característica se torna desfavorável em uma cultura onde haja um complexo de pragas importantes ocorrendo simultaneamente.

Nesse caso, deve-se procurar utilizar a estratégia de introdução e colonização, para que o vírus introduzido possa contribuir com mortalidade adicional àquela já proporcionada por outros inimigos naturais no sistema; d) Tipos de ecossistemas. Em florestas e pastagens, consideradas mais estáveis, as estratégias de introdução, colonização e a de aumento inoculativo são consideradas as mais adequadas, sendo que, em alguns casos, as de aumento inundativo (inseticida microbiano) e de manipulação ambiental podem também ser utilizadas nesses sistemas. Já em sistemas instáveis, como é o caso de culturas anuais, geralmente apenas os vírus de ação mais rápida, como alguns baculovírus utilizados como inseticidas microbianos, podem competir com os inseticidas químicos.

Em função do que foi exposto acima sobre os atributos desejáveis de vírus de insetos, considerando as características do inseto hospedeiro e do ecossistema em questão, é importante mencionar a conjunção favorável desses fatores para que o uso do VPN de Anticarsia gemmatalis (VPNAg) da lagarta-da-soja no Brasil se constitua, há vários anos, no maior programa mundial de uso de um vírus de inseto e também de uso de um entomopatógeno para o controle de uma espécie de praga em uma única cultura (Moscardi 1999):

1. O VPNAg é altamente virulento a larvas de

;

2. Esse vírus apresenta boa transmissão horizontal na população do hospedeiro por fatores abióticos (ex. precipitação) e bióticos (parasitóides e predadores);

3. Sua persistência no solo de uma safra para outra é muito boa, principalmente em sistemas de plantio direto de soja;

4. A lagarta-da-soja, como desfolhador, é exposta continuamente após a aplicação do VPNAg, ingerindo rapidamente uma dose letal do patógeno, contrariamente a insetos de hábitos cripticos (minadores, brocas, etc.) mais difíceis de controlar por produtos virais, os quais devem ser ingeridos para provocar mortalidade;

5. A lagarta-da-soja, na maioria das regiões de cultivo de soja no Brasil, é o principal inseto desfolhador de soja, não havendo outras pragas de ocorrência simultânea que demandem controle. Neste caso, um produto tão específico como o VPNAg pode ser empregado durante a sua ocorrência na cultura, pois, na maioria das regiões, é a praga que demanda medidas de controle;

6. A soja tolera altos níveis de lagartas e de desfolha (30 a 40%) alto nível de ação, sem perda de rendimento de grãos (kg/ha), o que favorece o uso de um produto biológico como o VPNAg. O mesmo não ocorre quando uma baixa população de insetos em uma determinada cultura causa dano econômico (baixo nível de ação), desfavorecendo o uso de inseticidas virais como inseticidas microbianos;

7. Outros fatores relativos ao sucesso do uso do VPNAg no Brasil, não inerentes às características do vírus, do hospedeiro e do agroecossistema, são discutidos por Moscardi (1999).

Embrapa Soja

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