​Manejo efetivo do bicudo-do-algodoeiro

O bicudo-do-algodoeiro é praga agressiva, responsável por perdas drásticas, capazes de levar até mesmo à inviabilização do cultivo em situação de ataque severo

04.10.2016 | 20:59 (UTC -3)

O bicudo-do-algodoeiro, Anthonomus grandis Boheman (Coleoptera: Curculionidae), constitui-se em uma das pragas-chave do algodoeiro, responsável por perdas capazes de inviabilizar ou alterar significativamente a forma como o cultivo é realizado.O adulto desse inseto é um besouro de coloração variável entre o marrom-avermelhado e o cinza-escuro, podendo alcançar de 3,2mm a 8mm de comprimento (Figura 1). Enquanto o tamanho pode variar consideravelmente em função da condição nutricional do hospedeiro (botões ou maçãs), a cor do tegumento se altera com a idade do inseto, com predomínio da coloração acinzentada em insetos com idade avançada.

O nome "bicudo" remete ao fato dos adultos do inseto possuírem a cabeça prolongada, formando um rostro ou "bico" característico (Figura 1), comum em muitos membros de Curculionidae. O aparelho bucal do inseto, usado para danificar as estruturas reprodutivas, se localiza na extremidade desse "bico" ou rostro.

Os adultos do bicudo-do-algodoeiro, geralmente, podem ser diferenciados de outras espécies de "bicudo" devido à presença de duas projeções em forma de espinhos localizadas no fêmur do par de pernas anterior, sendo o espinho mais interno maior que o espinho mais externo.

Os estágios imaturos (ovos, larvas e pupas) localizam-se no interior das estruturas atacadas que incluem botões e maçãs. Os ovos, ligeiramente elípticos e opacos, são de difícil visualização, uma vez que possuem cerca de 1mm de comprimento e são depositados no interior das estruturas atacadas. As larvas são brancas, ápodas e possuem cápsula cefálica bem diferenciada e de coloração marrom, alcançando cerca de 1cm no final do seu desenvolvimento larval (Figura 2). As pupas são de coloração branca a creme e formato bastante similar ao do adulto, sendo possível a visualização do rostro, das pernas e das asas já nessa fase (Figura 3).

Sob as condições brasileiras de temperatura, o inseto leva de 14 a 22 dias para completar seu ciclo de desenvolvimento. Esse dado proporciona uma ideia do número de gerações que a praga pode completar durante apenas um ciclo de desenvolvimento do algodoeiro: em média, 3-4 gerações, desconsiderando-se a sobreposição de gerações que pode ocorrer devido à imigração proveniente de áreas adjacentes e nascimentos contínuos de bicudos dentro da lavoura. Junte-se a isso o fato de que, cada fêmea do bicudo-do-algodoeiro leva de 4-5 dias para começar a oviposição, depositando cerca de 100-300 ovos durante sua vida e se terá um panorama do potencial causador de danos desse inseto.

No Brasil, essa situação é ainda mais crítica ou agravada em função dos insetos encontrarem condições ambientais favoráveis ao seu desenvolvimento e hospedeiro adequado durante grande parte do ano, uma vez que os cultivos "safra" são sucedidos por cultivos "safrinha" (ou sobrepostos) em muitas regiões. Adicionalmente, a própria fisiologia da planta de algodão não favorece o manejo da praga, dado que o hábito de crescimento indeterminado propicia a emissão contínua de estruturas reprodutivas. Desta forma, não é incomum encontrar em uma mesma planta botões florais, flores, maçãs e capulhos abertos, algo que não contribui para quebra da oferta de alimento e sítio de reprodução da praga. Logo, o vazio sanitário, uma das medidas de controle cultural mais empregadas no manejo de pragas em geral, que consiste na indisponibilização espacial ou temporal de alimento de forma a propiciar a interrupção do ciclo de vida da praga, requer especial atenção para implementação. Essa medida de manejo tem desdobramentos sobre o calendário de plantio e colheita das lavouras, sendo variável entre regiões.

Do ponto de vista histórico, a relevância desse inseto como praga do algodoeiro é tamanha, que justificou os esforços realizados para sua erradicação nas áreas de produção de algodão mais relevantes dos Estados Unidos. No Brasil, após a sua entrada, na década de 80, aventou-se a hipótese de erradicação, a exemplo da iniciativa americana. Todavia, essa abordagem foi desconsiderada após algum tempo por questões de ordem operacional, principalmente, em virtude da amplitude do calendário de plantio entre as diferentes regiões produtoras do Brasil e devido às condições climáticas favoráveis à praga, dentre outros motivos. Entretanto, a entrada da praga foi imperativa nas mudanças que se sucederam em relação às variedades cultivadas e à alteração da geografia de produção. Essas mudanças resultaram na substituição das variedades semiperenes por outras de ciclo anual e no cultivo em larga escala em áreas do cerrado, em detrimento das áreas em que a cultura vinha sendo cultivada até então.

Por todo o exposto, pode-se ter uma ideia de o porquê, mesmo em áreas de produção do algodoeiro onde o bicudo é considerado erradicado ou em baixa prevalência, o inseto ainda é considerado como uma praga de grande relevância econômica. Em muitas ocasiões, plantas com crescimento vegetativo vigoroso apresentam produções marginais. Essa situação é decorrente do fato da praga concentrar seu ataque nas estruturas reprodutivas da planta (botões e maçãs) (Figura 4), contribuindo para redução significativa da produção devido às perdas quantitativas (de peso) e qualitativas (alteração da qualidade da fibra). Nas avaliações a campo, é possível fazer a distinção entre as estruturas apresentando apenas sinais de alimentação e aquelas mostrando sinais de oviposição. As puncturas de oviposição normalmente apresentam-se elevadas e contêm o sinal claro do "selamento" do orifício de oviposição feito pela fêmea (Figura 4). Já a injúria decorrente da alimentação não apresenta selamento e mostra aberturas visíveis que contêm, muitas vezes, resíduos de pólen retirados do interior do botão floral (Figura 1).

As lavouras infestadas com o bicudo apresentam quantidade considerável de botões caídos ao solo, além da abscisão natural, uma vez que após atacados é comum ocorrer a senescência dessa estrutura em uma semana. O reconhecimento do sinal de ataque da praga é muito importante, dado que os índices empregados para tomada de decisão de controle curativo (controle químico) são baseados na porcentagem de estruturas reprodutivas atacadas, apesar desta decisão também poder ser baseada no monitoramento de adultos coletados em armadilhas do tipo Accountrap (Figura 5) contendo o feromônio sintético do inseto. Vale destacar que apesar de várias moléculas de amplo espectro estarem registradas para o controle do bicudo-do-algodoeiro, a peculiaridade do ataque torna as diferentes fases de desenvolvimento da praga pouco expostas à ação dos diferentes métodos de controle biótico ou abiótico, tornando-os pouco efetivos. Desta forma, a singularidade dessa praga e do seu ataque justifica, ainda mais, o emprego de medidas de manejo de forma integrada e, sempre que possível, compatíveis e capazes de atuar em diferentes fases do ciclo de desenvolvimento do inseto.

Estudos recentes, desenvolvidos na Universidade de Brasília (UnB) com algodão de fibra colorida cultivado sem uso de agroquímicos e fertilizantes sintéticos, permitiram constatar a importância da premissa da "integração" no manejo do bicudo. Nesses estudos foram empregados, de maneira integrada, os princípios da resistência genética do hospedeiro, do controle comportamental e do controle químico. Resultados preliminares permitiram constatar que a cultivar BRS Aroeira, de fibra branca, foi menos atacada pelo bicudo do que as cultivares coloridas. Esses resultados foram usados no planejamento dos ensaios subsequentes em que se testou o emprego dessa variedade como bordadura das variedades coloridas (Figura 6), com o objetivo de atrasar a infestação dessas últimas, em função da colonização das lavouras pelo bicudo normalmente se iniciar pela bordadura. Além disso, foi empregada a coleta massal por meio de armadilhas contendo feromônio do bicudo em comparação ao controle com formulação à base de óleo de nim, em concentrações variáveis de 0,5% a 2%. As Figuras 7 e 8 apresentam a densidade média e a porcentagem de plantas da variedade BRS Topázio atacadas pelo bicudo-do-algodoeiro em situações em que o manejo da praga foi feito:

1) através da coleta massal com armadilhas contendo feromônio;

2) através da associação entre as armadilhas e as bordaduras cultivadas com BRS Aroeira, respectivamente.

Os asteriscos indicam o momento em que a praga atingiu o nível de controle, tendo por base a recomendação de intervenção, quando 10% das plantas estiverem infestadas (apresentarem sinais de ataque). Pela análise das figuras percebe-se que a porcentagem de infestação nas parcelas, cujo manejo da praga se deu exclusivamente através da coleta massal, foi da ordem de 70%, nas parcelas em que se empregou o uso integrado de armadilhas com a variedade branca na bordadura, o nível máximo de infestação foi de 40%. Algo semelhante ocorreu nas parcelas cujo manejo foi realizado com concentrações crescentes (0,5%, 1% e 2%) de formulação à base de óleo de nim em contraposição àquelas cujo manejo com a formulação foi integrado ao cultivo da variedade branca nas bordaduras (Figuras 9 e 10). Desta forma, o nível de infestação das áreas com manejo exclusivo com nim foi muito maior (em torno de 50%) em comparação àquelas áreas que foram conduzidas empregando o controle integrado (em torno de 25%) de nim com bordadura de Aroeira. As setas nos gráficos indicam os dias e as concentrações empregadas nas pulverizações.

Logo, fica evidente que apesar das medidas de manejo empregadas não terem sido suficientes em reduzir a densidade da praga para abaixo do nível de controle, a integração resultou em diminuição considerável (em cerca de 50%) da infestação. Esses resultados comprovam a necessidade da adoção de múltiplas medidas de manejo para obtenção de controle mais efetivo de pragas tão danosas como o bicudo-do-algodoeiro. Vale lembrar que, sempre que possível, tais medidas devem ser direcionadas ao manejo das diferentes fases-praga da espécie ou explorar as múltiplas possibilidades de medidas de manejo disponíveis nas diferentes táticas que compõem o MIP como os controles cultural, químico, biológico, físico, comportamental e outros.

Essa abordagem é perfeitamente válida e aplicável a outras pragas emergentes e recém-introduzidas no país, principalmente quando se considera que, a exemplo do bicudo-do-algodoeiro, são mais difíceis de serem atingidas pelos métodos tradicionais de controle (controle químico), uma vez que também ficam protegidas no interior das estruturas reprodutivas. Nessa situação, a eficiência do controle químico é consideravelmente reduzida e a possibilidade da seleção de indivíduos resistentes aumentada, em função das aplicações mais frequentes ou do crescimento contínuo nas doses recomendadas para o controle. Nesse panorama, a mesma abordagem empregada por ocasião da constatação do insucesso de controle de pragas pouco tempo após a introdução dos inseticidas orgânicos torna-se contemporânea: a solução passa pela integração de medidas de controle e pelo controle integrado dos organismos-praga.


Figura 1 - Adulto do bicudo-do-algodoeiro Anthonomus grandis Boheman (Coleoptera: Curculionidae). Foto: Jorge Braz Torres


Figura 2 - Larva do bicudo-do-algodoeiro, Anthonomus grandis Boheman (Coleoptera: Curculionidae). Foto: Jorge Braz Torres


Figura 3 - Pupa do bicudo-do-algodoeiro, Anthonomus grandis Boheman (Coleoptera: Curculionidae). Foto: Jorge Braz Torres

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Figura 4 - Botão (A) e maçã (B) atacados pelo bicudo-do-algodoeiro. O botão (A) apresenta sintoma de oviposição marcado. Fotos: Jorge Braz Torres

Figura 5 - Armadilha Accountrap usada no monitoramento do adulto do bicudo-do-algodoeiro, Anthonomus grandis Boheman (Coleoptera: Curculionidae). Foto: Tamíris Alves de Araújo

Figura 6 - Representação esquemática das parcelas que foram cultivadas com a variedade de fibra branca (BRS Aroeira) circundando a variedade colorida (BRS Topázio)

Figura 7 - Variação da densidade do bicudo-do-algodoeiro, Anthonomus grandis Boheman (Coleoptera: Curculionidae), e da porcentagem de plantas da variedade BRS Topázio atacadas em áreas onde o inseto foi manejado através da coleta massal com armadilhas do tipo Accountrap contendo feromônio

Figura 8 - Variação da densidade do bicudo-do-algodoeiro, Anthonomus grandis Boheman (Coleoptera: Curculionidae), e da porcentagem de plantas da variedade BRS Topázio atacadas em áreas onde o inseto foi manejado através da coleta massal com armadilhas do tipo Accountrap contendo feromônio + bordadura com a variedade branca BRS Aroeira

Figura 9 - Variação da densidade do bicudo-do-algodoeiro, Anthonomus grandis Boheman (Coleoptera: Curculionidae), e da porcentagem de plantas da variedade BRS Topázio atacadas, em áreas onde o inseto foi manejado com formulação à base de óleo de nim

Figura 10 - Variação da densidade do bicudo-do-algodoeiro, Anthonomus grandis Boheman (Coleoptera: Curculionidae), e da porcentagem de plantas da variedade BRS Topázio atacadas, em áreas onde o inseto foi manejado com formulação à base de óleo de nim + bordadura com a variedade branca BRS Aroeira

Clique aqui para ler o artigo na Revista Cultivar Grandes Culturas, edição 177.

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