No lugar certo

A deriva é um dos principais problemas a controlar na pulverização de defensivos. Minimizá-la e colocar o produto fitossanitário corretamente aumenta a rentabilidade da lavoura.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

A deriva é um dos principais problemas a controlar na pulverização de agrotóxicos, pois está diretamente relacionado à contaminação do aplicador, ambiental e de culturas vizinhas. Além disso, constitui fonte de prejuízos ao agricultor, visto que boa parte do produto aplicado pode não estar atingindo ao alvo desejado, reduzindo assim a eficiência da aplicação, onerando o custo de produção. Neste artigo, procurar-se-á discutir sobre o que é a deriva, quais os fatores que a influenciam e as possíveis formas de controlá-la.

Quando da aplicação de um produto químico em área total de uma cultura (visando a sua parte foliar), muitas gotas podem passar pela folhagem e atingir o solo, principalmente nas entrelinhas. Outras gotas que atingem as folhas podem se coalescer de tal maneira que não são mais retidas e escorrem para o solo. Essas perdas internas, isto é, dentro da área cultivada, são denominadas de “endoderiva” e estão muito ligadas às aplicações de altos volumes e com gotas grandes que geralmente ultrapassam a capacidade máxima de retenção de líquidos pelas superfícies foliares. Esse fato pode ocasionar danos ao solo, principalmente no uso de produtos de ação residual prolongada e não seletivos para algumas culturas (no caso de herbicidas), e também a insetos benéficos e outras formas de vida (no caso de inseticidas e fungicidas).

O deslocamento de gotas para fora da área da cultura, causado pela ação do vento e da evaporação da água usada na preparação da calda, principalmente nas gotas de tamanhos menores, é denominado de “exoderiva”. Esse tipo de perda externa, é um dos principais responsáveis pelos prejuízos causados a outras culturas sensíveis e pela contaminação ambiental. Quando apenas o termo deriva é utilizado, normalmente refere-se à exoderiva.

CAUSAS DA DERIVA

Como a grande maioria dos pulverizadores em utilização no Brasil são equipados com bicos hidráulicos, ou seja, utilizam a pressão para formação das gotas, estes serão priorizados nas discussões a seguir. Entretanto, algumas das considerações são aplicáveis a qualquer tipo de pulverizador.

Tamanho da gota

Em um bico hidráulico, a pressão força o líquido através do orifício do bico formando uma cortina, a qual posteriormente interage com o ar ao seu redor, quebrando-se em gotas. A forma aleatória como esta cortina se rompe faz com que gotas de diferentes tamanhos sejam produzidas. Portanto, um bico não produz um único tamanho de gotas, mas sim uma faixa de tamanho denominada “espectro de gotas”. Uma medida freqüentemente utilizada para representar o espectro de gotas é o Diâmetro Mediano Volumétrico (DMV), expresso em micrômetro - µm (1/1000 mm), que é o diâmetro da gota que divide o volume pulverizado em 2 partes iguais, ou seja, 50 % do volume total do líquido pulverizado é constituído de gotas de tamanhos maiores que esse valor e 50 % do volume em gotas de tamanhos menores que esse valor. Em catálogos e publicações, quando se especificar o tamanho da gota produzida por um bico, este corresponde ao DMV e não à totalidade das gotas produzidas.

O tamanho de gotas produzido por um bico de pulverização depende dos seguintes fatores:

• Tipo de bico: De maneira geral, os bicos de jato cônico cheio produzem as maiores gotas, seguido pelos bicos de jato plano (defletor e leque) e pelos de jato cônico vazio. Entretanto, mesmo dentro de uma mesma forma de jato, como por exemplo os de jato plano, diferentes tipos de bico podem produzir pulverizações com diferentes tamanhos de gota.

• Vazão: A vazão do bico tem uma relação direta com o tamanho de gota. Bicos que apresentam vazões maiores, na mesma pressão de trabalho, produzem gotas maiores. Por exemplo, os bicos de jato plano 11004, na pressão de 2 bar, com vazão de 1,29 l/min, produzem gotas maiores que os bicos 11002, na mesma pressão, porém com vazão de 0,65 l/min.

• Pressão: A pressão de pulverização tem um efeito inverso no tamanho de gota. Um aumento na pressão reduzirá o tamanho, enquanto que uma redução na pressão aumentará o tamanho de gota. Por exemplo, a ponta 11003, à pressão de 1,5 bar, produz gotas maiores que à pressão de 4 bar.

• Ângulo do jato: O ângulo do jato emitido pelo bico tem uma relação inversa no tamanho de gota. Bicos com a mesma vazão, na mesma pressão, porém com ângulos maiores, produzem gotas menores. Por exemplo, o bico 8003 à 2 bar, produz gotas maiores que o bico 11003, na mesma pressão, ambos com a mesma vazão.

• Propriedades do líquido: Líquidos com maior viscosidade e tensão superficial requerem maior quantidade de energia para pulverização. Portanto, líquidos que tenham essas propriedades com valores maiores produzirão também gotas maiores, mantidos iguais os demais fatores acima descritos.

Condições climáticas

Como nas caldas utilizadas na agricultura a proporção da formulação é geralmente baixa, o comportamento da pulverização dar-se-á em função do diluente utilizado. Uma vez que a água é o diluente mais comumente utilizado nas aplicações de agrotóxicos, serão aqui discutidos alguns aspectos do comportamento das gotas de água resultantes da pulverização em relação às condições do ambiente no qual elas são lançadas até atingirem o alvo proposto.

Algumas características da água devem ser observadas no manejo da deriva:

• Evaporação: A tensão de vapor da água é relativamente alta, de maneira que sua evaporação é rápida. Como em pulverizações as gotas são de pequeno tamanho, o processo de evaporação é significativo, uma vez que a relação superfície/volume aumenta com a redução do diâmetro das gotas. Assim, em função do tamanho das gotas e das condições ambientais (temperatura e umidade relativa), muitas gotas evaporam-se completamente no trajeto entre o bico e o alvo. O tempo de vida de uma gota de água está relacionado, portanto, ao seu diâmetro e às condições climáticas, conforme o exemplificado na Tabela 1 (

).

Com relação à evaporação, maiores atenções devem ser dispensadas também ao produto a ser aplicado e não apenas ao diluente. Como exemplo, pode-se citar os estudos do movimento de certos herbicidas, como o 2,4-D, que podem evaporar após a deposição sobre as plantas daninhas, e de como esta deriva pode afetar de maneira negativa outras culturas vizinhas bem como a vegetação natural em outros habitats. Assim, a aplicação de agrotóxicos cujo princípio ativo também está sujeito a evaporação deve ser realizada de maneira bastante criteriosa.

• Correntes de ar: Outro fator associado a seu tamanho (e a seu peso) é que as gotas podem sofrer influências das correntes de ar horizontal (vento) e vertical (convecção), sendo levadas para outros lugares que não o alvo pretendido. As gotas que ficam flutuando ou que se evaporam por completo deixam em suspensão no ar o ingrediente ativo do agrotóxico, que pode ser carregado a distâncias consideráveis, causando problemas de poluição, quando não danos a plantas naturais ou cultivadas sensíveis àquele produto químico. Para se ter idéia da amplitude de tal problema, o carregamento do agrotóxico por correntes de convecção e ventos pode explicar a ocorrência já comprovada de resíduos de produtos clorados em pingüins no Polo.

A interferência do vento, no entanto, nem sempre é negativa. A pulverização sob condições de “calmaria”, sem vento, é não raramente equivocada. Nesta situação, o potencial de deriva é aumentado, pois as gotas podem ir em qualquer direção, particularmente quando uma corrente ascendente de ar quente eleva as gotas menores ou os vapores do agrotóxico para fora da copa das plantas. O impacto das gotas dentro da área tratada, bem como a penetração da pulverização na copa da cultura, são aumentados com ventos de 1,0 a 2,5 m/s.

Os problemas da evaporação e das correntes de ar devem ser analisados em conjunto, uma vez que, na medida que perde peso por evaporação, a gota fica cada vez mais susceptível à deriva, desviando-se mais rapidamente do seu objetivo.

PREVISÃO DE DERIVA

A capacidade de previsão da deriva é função do conhecimento do comportamento das gotas pequenas que fazem parte do espectro da pulverização e das condições climáticas que poderão ocorrer durante o período da aplicação. Vários estudos estão sendo realizados visando estabelecer parâmetros cada vez mais exatos para a definição do “Potencial de Risco de Deriva” de pulverizações, realizadas por equipamentos em determinadas situações de regulagem. Um dos parâmetros utilizados leva em consideração o comportamento das gotas em relação ao arrasto pelo vento e a rapidez de evaporação, conforme foi visto anteriormente.

Vários autores consideram que gotas de 100 µm ou menores são facilmente carregadas pelo vento e se evaporam muito rapidamente, sofrendo mais intensamente a ação dos fenômenos climáticos. Pesquisadores que trabalham com aplicações aéreas consideram um limite mais rígido de 150 µm, devido à maior distância existente entre a máquina e o alvo e a própria turbulência gerada pela aeronave em vôo. Entretanto, é importante reconhecer que a deriva não começa ou pára nesses limites de 100 µm ou 150 µm. O potencial de deriva aumenta gradativamente à medida que as gotas se tornam menores que esses diâmetros e, continuadamente, decresce à medida que elas se tornam maiores. Gotas menores que 50 µm permanecem suspensas no ar indefinidamente ou até a completa evaporação.

A consideração do tamanho da gota, no entanto, é bastante complicada para uso por agricultores e a sua determinação é praticamente impossível na propriedade agrícola. Mesmo em laboratório a evolução dos equipamentos de medição fez com que resultados bastante discrepantes no DMV passassem a ser obtidos em função da precisão do equipamento utilizado. Por isso em 1985 foi desenvolvido na Inglaterra um sistema de classificação da pulverização, baseado no espectro produzido por bicos de referência selecionados, que leva em consideração a propensão das mesmas em produzir deriva.

Segundo este sistema, ao invés de se caracterizar a pulverização pelo DMV em micrômetros, os termos Muito Fina (Alta Deriva); Fina (Média Deriva); Média (Baixa Deriva); Grossa (Muito Baixa Deriva) e Muito Grossa (Muito Muito Baixa Deriva) são utilizados para identificar a “Qualidade da Pulverização” produzida por um bico a uma dada pressão de trabalho. A terminologia utilizada foi deliberadamente prática para o fácil entendimento pelo usuário final e assim fica claro que uma pulverização “média” tem menor deriva que uma outra classificada como “fina”; porém, apresenta maior deriva que uma outra classificada como “grossa”. Como o espectro de gota dos bicos a serem analisados e os de referência são medidos com o mesmo equipamento, e nas mesmas condições, eliminou-se também assim a interferência dos equipamentos na classificação do espectro de gotas.

Nos catálogos de bicos mais modernos já é possível encontrar com freqüência a qualidade da pulverização produzida pelos bicos hidráulicos, nas diferentes pressões de trabalho recomendadas para os mesmos. Assim, dados para a avaliação do risco de deriva tornaram-se de mais fácil acesso ao produtor.

Vários grupos de técnicos europeus continuam a estudar o assunto para melhorar ainda mais esse sistema, inclusive para recomendar uma nova classificação na qual irá acrescentar à “qualidade da pulverização”, um novo conceito: “potencial de deriva” . Esse termo “potencial de deriva” estará relacionado com a porcentagem de redução na deriva para um bico de referência definido, obtido em túnel de vento. Esse novo sistema ainda não foi publicado, porém, muito em breve estará sendo aprovado pelo grupo de estudo.

CONTROLE DA DERIVA

Apesar de a deriva ser um fator inerente à pulverização, alguns fatores podem ser trabalhados de forma a minimizar seus efeitos.

Seleção do bico de pulverização: O mercado de bicos de pulverização evoluiu muito nos últimos anos, colocando à disposição do agricultor uma série de produtos novos que permitem aplicar o mesmo volume de calda com tamanho de gotas distintos. São exemplos destas tecnologias, para os bicos de jato plano (‘leque’), os bicos de leque duplo (direcionam a pulverização sob dois diferentes ângulos sobre a cultura), de pressão extendida (trabalham em uma faixa ampliada de pressão em relação ao padrão), os anti-deriva (possui um pré orifício cuja função é reduzir a proporção de gotas inferiores a 100 µm) e os com indução de ar (o fluxo interno da calda induz a entrada de ar no bico através de aberturas laterais, aumentando o tamanho das gotas). Tais tipos de bicos são comercializados por diferentes fabricantes, que lhes atribuem nomes comerciais distintos, sendo impossível citar aqui todas as marcas, modelos e principais utilizações de cada um. Para um melhor esclarecimento sobre o bico mais adequado a situações específicas, procure o seu fornecedor ou um profissional capacitado.

Ao selecionar-se um bico, buscando reduzir a deriva, não se deve esquecer que tal atitude pode interferir na eficiência biológica do agrotóxico utilizado. A eficiência de um produto está diretamente relacionada com a cobertura do alvo pelas gotas de pulverização ou com a sua capacidade de redistribuição. Alguns agrotóxicos com capacidade de translocação pela planta podem ser eficazes quando aplicados com uma pulverização grossa ou fina. Entretanto, no caso da aplicação de agrotóxicos, principalmente fungicidas, que possuam uma baixa capacidade de redistribuição, a necessidade da utilização de uma pulverização fina ou média se dará em função da necessidade de maior cobertura do alvo. A Figura 1 mostra como a aplicação de 200 L/ha de calda pode ser realizada de maneiras diferentes, em função do tamanho das gotas e da cobertura do alvo produzida pelas mesmas.

Uma inovação recente no controle da deriva e da pulverização é o bico “bi-fluido” que utiliza água e ar sob pressão para a formação de gotas. Com a utilização deste tipo de bico é possível variar o espectro de gotas mantendo-se o volume de aplicação, ou então variar o volume mantendo-se o espectro de gotas, através da alteração na proporção entre os dois fluidos. A utilização deste tipo de bico permite ao operador um maior controle da qualidade da pulverização, sem a necessidade da troca dos bicos em função de alterações nas condições operacionais.

Altura da barra de pulverização: Na medida que se aumenta a distância entre o bico de pulverização e o alvo, maior será o tempo em que as gotas estarão sob influência do ambiente, aumentando a possibilidade de deriva. A altura de pulverização, portanto, deve estar sempre próxima à mínima recomendada pelo fabricante, para o bico que está sendo utilizado. Nas situações onde for possível, uma aproximação dos bicos na barra pode permitir que se trabalhe mais próximo do alvo. Entretanto, deve-se tomar cuidado para não trabalhar abaixo da altura mínima recomendada, para evitar uma distribuição desuniforme do produto na área tratada.

Utilização da assistência de ar: A utilização de uma corrente de ar induzida artificialmente, auxiliando no transporte das gotas até o alvo, tem se constituído em uma importante ferramenta na redução da deriva. A técnica chamada de “cortina de ar” é particularmente interessante para pulverizações finas (e portanto, para baixos volumes), sendo um redutor bastante significativo do potencial de deriva. O efeito de redução é menor para outras classes de pulverização, tendo pouca influência nas pulverizações média e grossa. Muito embora altas velocidades de ar sejam desejáveis para a máxima redução de deriva (para aumentar a velocidade de deslocamento das gotas finas), a combinação de diferentes tamanhos de gota e velocidades e volumes de ar podem ser de grande importância para a adequação do equipamento às distintas culturas e produtos químicos. Entretanto, esse tipo de pulverização com gotas de menor tamanho melhora a eficiência de deposição em relação aos bicos de pressão. A cortina de ar deve estar muito próxima do solo (< 50 cm) para ser efetiva na redução da deriva.

Utilização de barras protegidas: Uma das formas bastante prática e barata de se controlar a deriva é envolver as barras do pulverizador com uma proteção, de forma a criar um microclima na região da pulverização. Tal proteção terá a função de proteger as gotas de pulverização em seu trajeto até próximo ao alvo, evitando que as mesmas se exponham às condições climáticas adversas, reduzindo assim a deriva. O esquema de um pulverizador que utiliza o princípio de barras protegidas pode ser observado na Figura 2.

O controle da deriva é dever de todo agricultor visto que, além de representar uma fonte considerável de prejuízos, é a responsável pela contaminação do trabalhador e do ambiente. Para se fazer um controle efetivo, no entanto, é necessário, como vimos, conhecer pelo menos alguns dos princípios básicos da Tecnologia de Aplicação de Agrotóxicos. Vários são os fatores não controláveis nesse processo, entretanto, vários são também aqueles passíveis de serem adequados, para que as perdas se situem dentro de um mínimo aceitável, sem interferir na eficiência dos agrotóxicos utilizados.

Hamilton Humberto Ramos

IAC

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