O desafio do combate dos percevejos

Percevejos são responsáveis por diversos danos à cultura da soja com ataque a ramos, hastes, vagens e prejuízos aos grãos e é preciso critério e racionalidade para vencer a guerra

21.08.2017 | 20:59 (UTC -3)

O aumento de percevejos fitófagos no sistema de produção, que envolve a soja como a principal cultura na região do Cerrado, tem levado os técnicos a analisar melhor todos os aspectos de manejo desta importante praga, que gera grandes prejuízos e tem aumentado os custos de produção.

Na cultura da soja, dentre as espécies, o percevejo-marrom, Euschistus heros (Heteroptera: Pentatomidae), apresenta ampla distribuição nas lavouras da região do Cerrado. Outras espécies de percevejos estão associadas ao agroecossistema como o percevejo barriga-verde (Dichelops spp.), o percevejo edessa (Edessa meditabunda) e o percevejo verde-pequeno (Piezodorus guildinii), apresentando altas infestações em alguns casos. Já algumas espécies têm perdido importância nos últimos anos, como, por exemplo, o percevejo-verde (Nezara viridula).

A soja é a principal cultura, por apresentar a maior área, mas seu papel fundamental na incidência de algumas espécies se explica por ser a primeira cultura no campo e consequentemente a que dá início à colonização de uma nova geração de indivíduos. Os diferentes hospedeiros, como plantas daninhas tigueras da cultura anterior e plantas cultivadas que fazem parte no sistema de rotação/sucessão de culturas na região do Cerrado, têm papel importante no manejo desta praga.

Biologia

Dentre os percevejos, o marrom, E.heros, é uma espécie nativa da Região Neotropical (América Tropical), adaptado ao clima quente, consequentemente mais abundante na região do Cerrado, que apresenta inverno ameno.

O adulto apresenta coloração marrom-escura, com dois prolongamentos laterais do pronoto, em forma de espinhos. A longevidade média dos adultos pode ser de 116 dias. Os ovos são depositados em pequenas massas de cor amarela, normalmente, com cinco a oito ovos por massa, apresentando mancha rósea, próximo à eclosão das ninfas. Os ovos são colocados, principalmente, nas folhas ou vagens da soja. As ninfas recém-eclodidas apresentam a coloração marrom ou cinza, passando à coloração amarelada, com o desenvolvimento, com bordos serreados. As ninfas recém-eclodidas medem 1mm, passando para os próximos instares quando atingem 5mm a 10mm.

E. heros durante a safra da soja apresenta normalmente três gerações, podendo se alimentar de outras culturas (coberturas como nabo-forrageiro, pastagens, crotalária, girassol, entre outras) e também de espécies de plantas daninhas como amendoim-bravo, nabiça, entre outros. Após a colheita da soja, alimentando-se destas plantas hospedeiras, os percevejos podem completar a quarta geração e entrar em dormência (diapausa) na palhada da cultura anterior, onde se protegem da ação dos parasitoides e predadores. Nesse período, que dura aproximadamente sete meses, não se alimenta, mas consegue sobreviver das reservas de lipídeos que foram armazenadas antes da diapausa.

A infestação se inicia normalmente com pontos de maior concentração nos talhões, podendo levar a erros no levantamento (Figura 1). Algumas áreas com refúgios próximos podem levar entrada (migração) nos talhões e consequentemente o início da infestação.

Figura 1 – Dispersão de percevejos em talhão de soja. Pontos vermelhos: índices de percevejos maiores que dois indivíduos por metro, pontos verdes-escuros: 0 indivíduo. Fundação Chapadão 2012

Os percevejos de modo geral apresentam preferência pelas vagens na cultura da soja. Em outras culturas como o algodoeiro, preferem as maçãs em início de formação ou mesmo já formadas. Em milho, os pontos de crescimento das plantas (Dichelops sp.) e outras culturas, na sua maioria os grãos em formação, são o alvo destas pragas.

Na cultura da soja, do início da formação das vagens os percevejos se concentram nestas partes, tanto como ninfas e adultos. Nas folhas das plantas pode, em alguns casos, ser encontrado somente 10% da população total presente na planta.

Outro ponto a ser analisado na biologia desta praga é que os percevejos podem, em certos momentos do dia, dependendo do clima da região, se apresentar mais expostos, como na região dos Chapadões, em períodos das 9h às 11h da manhã. No entanto, alguns trabalhos de outras regiões, e outras espécies de percevejos, não apresentaram o mesmo comportamento.

O percevejo Edessa meditabunda é chamado comumente de percevejo asa-preta. Trata-se de um percevejo que, adulto, parte de sua asa é de coloração escura e as ninfas apresentam cor amarelada a verde com poucas pontuações vermelhas no dorso. Esta espécie tem sido observada também em outros países vizinhos, como Paraguai, Bolívia e Argentina.

Na região do Cerrado este percevejo tem a cultura do algodoeiro como boa hospedeira, levando ao aumento da sua população, ano a ano. Em algodoeiro, quando da formação das maçãs, o seu controle torna-se imprescindível a fim de evitar a queda de maçãs e a sua má formação.

O percevejo-pequeno Piezodorus guildinii apresenta ampla ocorrência na região central do Brasil. O adulto é um percevejo de aproximadamente 10mm, de coloração verde-clara. Apresenta listra transversal na metade posterior do pronoto, uma mancha escura que pode apresentar fundo avermelhado. Os ovos são de coloração preta, colocados em fileiras duplas. As ninfas apresentam o abdome volumoso, com a metade anterior do corpo pardo-escura ou negra e o abdome amarelo-avermelhado, com várias manchas negras. Estudos desenvolvidos pela Embrapa demonstram que o percevejo-pequeno prejudica mais a qualidade das sementes e causa maior retenção foliar à soja que os demais percevejos.

Os percevejos do gênero Dichelops (Dichelops melacanthus e D.furcatus) são espécies que têm aumentado nas últimas safras, em virtude do aumento de plantas tigueras de milho nas lavouras de soja, e consequentemente maior adaptação ao meio. Os adultos apresentam espinhos laterais e possuem o corpo na coloração marrom uniforme e a região ventral de coloração verde. Apresentam tamanho em torno de 9mm de comprimento. Os ovos, de coloração verde, são colocados em placas. Esta espécie é uma das mais importantes pragas na cultura do milho e o seu manejo passa primeiramente pela cultura antecessora, no caso a soja, principalmente no cultivo do milho 2ª safra (safrinha).

Outras espécies de percevejos da família Pentatomidae são encontradas atacando as culturas, entretanto, em menor abundância. São o percevejo-verde (Nezara viridula), que tem diminuído sua importância por apresentar menor ocorrência; Thyanta perditor e Acrosternum sp., este último muito confundido com o percevejo-verde, porém, com diferenças no abdome e nas antenas com relação a outras espécies. Estes percevejos isoladamente podem não causar perdas na produtividade e qualidade dos grãos, mas é preciso somar os danos destes aos das espécies principais.

Danos

Na cultura da soja estes percevejos succionam a seiva nos ramos, hastes e vagens. Ao sugarem ramos ou hastes, os percevejos podem injetar toxinas que provocam a “retenção foliar", ou seja, as folhas não caem normalmente e dificultam a colheita mecânica.

Desse modo, são responsáveis por redução no rendimento e qualidade da semente, em consequência das picadas. Os grãos atacados ficam menores, enrugados, chochos e tornam-se mais escuros.

Entre os percevejos, a espécie Piezodorus guildinii apresenta os maiores danos à cultura, quando comparada a indivíduos de outras espécies. No entanto, E.heros constitui maior risco à cultura, principalmente na fase reprodutiva, por se apresentar na maioria das vezes em maior abundância, causando danos irreversíveis à soja, por alimentar-se diretamente dos grãos, desde o início da formação das vagens. As perdas pela sucção de vagens e grãos podem ser superiores a 30%, com poder também para provocar manchas nos grãos já formados. A ocorrência de altas populações pode ainda levar à queda de vagens em alguns casos.

Manejo

O Manejo Integrado de Pragas (MIP) envolve várias práticas, sendo a amostragem um dos alicerces do programa. No levantamento o técnico deve identificar corretamente as espécies e anotar também o número de ninfas, que a partir do 2º instar já podem, em alguns, casos causar prejuízos. Nesta situação somente com o emprego de pano de batida o técnico/produtor conseguirá realizar a correta identificação e o “real" nível de infestação. Esta prática, apesar de antiga, é a de maior assertividade do manejo, sendo recomendado se realizar o máximo possível, porém, com praticabilidade em virtude de tamanho de áreas etc. O treinamento da equipe de amostradores deve ser uma prática adotada ano a ano para o aperfeiçoamento e a reciclagem do conhecimento.

Após esta fase, sabendo do índice, o técnico poderá adotar uma medida. Neste ponto, em trabalhos desenvolvidos na Fundação Chapadão, com auxílio do conselho técnico científico, tem se observado que com um percevejo por metro o produtor/técnico tem conseguido manejar a praga, sem levar a prejuízos significativos à produção de grãos. Vale ainda destacar que o controle em lavouras de produção de sementes tem de levar em conta o aspecto qualitativo. Muitas vezes o sementeiro tenta garantir ao máximo este aspecto. Os testes de tetrazolio têm ajudado no reconhecimento de lotes atacados.

Várias estratégias de controle devem ser analisadas e uma delas é manter a população baixa nos refúgios, imprescindível, a fim de evitar grandes prejuízos às culturas subsequentes. Faz-se necessário entender o sistema de produção, quando da semeadura de culturas que, porventura, possam ser atacadas, como algodão, milho, girassol, feijão entre outras. Somente com o manejo nestas culturas pode-se diminuir a quantidade inicial para a próxima safra.

Estas estratégias, quando necessárias, podem ser químicas, com inseticida registrado ou mesmo a adoção de um programa de controle biológico.

É preciso lembrar que com o advento da utilização de plantas geneticamente modificadas resistentes a glifosato é comum encontrar plantas de milho tigueras no interior da soja. Espigas que normalmente caem na colheita, geram mais de um fluxo, necessitando duas aplicações de graminicidas. Estas tigueras também têm levado ao aumento dos problemas com o percevejo-barriga-verde.

É válido recordar que muitos dos indivíduos que sobram para a próxima safra são parasitados naturalmente. Alguns parasitoides, como Hexacladia smitt, podem levar até 40 dias para a morte de alguns indivíduos. Outros, como Trichopoda nitens, também até o desenvolvimento em algumas espécies podem levar 30 dias para provocar a morte de percevejos, no caso de N. viridula. Desta forma é interessante o técnico analisar a fenologia da cultura. Por exemplo, uma soja que esteja em estádio vegetativo, dependendo deste parasitismo, não irá requerer qualquer intervenção química. Ainda a destacar neste ponto que faltam mais estudos sobre seletividade a Tachinideos, importantes no manejo dos percevejos e também de outras pragas.

Em levantamentos de parasitismo de Euschistus heros na região dos Chapadões observou-se nas safras 2012/2013 e 2013/2014 que os percevejos presentes na cultura da soja nos meses de outubro chegaram a apresentar 70% de parasitismo, não colocando ovos viáveis, sem completar um novo ciclo. No entanto, a partir do mês de dezembro estes percevejos na sua grande maioria apresentam-se viáveis, gerando novos indivíduos.

Vários são os inimigos naturais dos percevejos, no caso de E. meditabunda, que também tem apresentado parasitismo dos ovos por Ooencyrtus sp. comprometendo em determinado momento a sua população. Em alguns casos pode chegar a inviabilizar 50% da população desta praga.

Uma questão necessária na análise das infestações com percevejos em semeaduras de setembro e outubro é que se houver baixo parasitismo a mesma pode comprometer as semeaduras subsequentes, gerando indivíduos para talhões próximos e consequentemente descontrole.

Outro ponto a se relatar são as baixas eficiências de controle, que estão associados a fatores como tecnologia de aplicação, falhas no monitoramento, com índices altos. Os horários para o monitoramento e aplicações devem ocorrer no começo ou término do dia, horários estes com maior frequência de percevejos na cultura.

Os índices determinados pela pesquisa são válidos. Mas o técnico deve entender que o índice também leva em consideração que a alternativa a ser utilizada apresenta 100% de controle e, no entanto, a pesquisa tem mostrado que o controle, quando bom, chega a 80%. Desta forma, se o levantamento indicar cinco percevejos por metro, após a aplicação de um inseticida com 80% de controle, sobrará um percevejo, que é ainda um índice de controle, necessitando intervalo menor entre aplicação. Na Figura 2 observa-se, em trabalho realizado com intuito de verificar os intervalos de aplicação, em infestações de quatro percevejos por metro, que após a segunda aplicação foram atingidos índices satisfatórios de controle. As aplicações muitas vezes chamadas de “caronas" podem não levar a bons resultados. Outra questão é que o índice leva em conta o custo do controle (se for menor o custo do controle e maior o preço do produto final, este índice pode diminuir).

Figura 2 – Efeito de alguns inseticidas em E. heros na cultura da soja. Porcentagem de controle por Betacyflutrina + Imidacloprido e Lambdacyhalotrina aos sete dias após a primeira aplicação e aos dois dias após a segunda aplicação, intervalo de sete dias entre aplicações. Fundação Chapadão. Chapadão do Sul/MS Safra 2008/2009



Analisando este aspecto deve o produtor e o técnico entender que mesmo após a aplicação é necessário continuar monitorando a população, a fim de observar sua eficiência, além de uma possível ressurgência e consequentemente necessidade de nova aplicação.

Quanto aos resultados de pesquisa vale destacar que nos trabalhos desenvolvidos na Fundação Chapadão, tem se observado que as misturas têm diminuído a eficiência em adultos, entretanto, ainda com boas eficiências sobre ninfas. Na época em as misturas de piretroides + neonicotinoides foram colocadas a campo, (betacyflutrina + imidacloprido) e (lambdacyhalotrina + tiametoxan), nas doses registradas, apresentavam controle superior a 80% (Figura 3), chegando a alguns casos a até 90% (Figura 4). A saída de metamidofós, que na safra 2004/2005 já apresentava um desgaste pelo uso contínuo e confirmados em algumas regiões os casos de resistência pela Embrapa Soja, deixou uma lacuna dentre as estratégias, sendo interessante salientar que somente o inseticida acefato ficou no mercado. Este inseticida no controle de adultos dos percevejos é uma das alternativas. Na safra 2012/2013 também ocorreu a comercialização do inseticida (bifentrina + imidacloprido). Outro inseticida lançado no mercado recentemente foi uma mistura de bifentrina + carbosulfan. Novas moléculas como dinotefuran e misturas estão em fase de registro.

Entre os inseticidas que podem contribuir em parte no manejo dos percevejos, os reguladores de crescimento, inibidores da síntese de quitina, utilizados no controle de lagartas como a falsa-medideira (Chrysodeixis includens), têm apresentado ação causando distúrbio fisiológico em adultos e mesmo em ninfas com alguma ação. No entanto, requerem muitas vezes aplicações constantes ou mesmo maior quantidade de inseticida quando comparado às lagartas. Na Figura 5 observa-se este fato que duas aplicações do inseticida lambadacyhalotrina + tiametoxan (piretroide + neonicotinoide), quando adicionado o lufenurom (regulador de crescimento), apresentaram maior eficiência de controle. No mesmo gráfico observa-se o tratamento na dose de 0,4L/ha (piretroide + ne + imidacloprido).

Nas misturas de piretroides + neonicotinoides deve o técnico lembrar que em certos momentos, condições e produtos, pode ocorrer o desequilíbrio de ácaros (em diversos trabalhos tem se observado isto). Somente o entendimento do sistema e o planejamento dos inseticidas poderão levar o técnico a adotar a melhor alternativa.

Com o advento das plantas geneticamente modificadas, o produtor não pode descuidar do monitoramento. Com a soja Bt Intacta RR Pró, algumas áreas podem precisar de alguma estratégia a mais no manejo dos percevejos-praga. Isto se dá em virtude da retirada de alguns inseticidas aplicados para lagartas que contribuíam em parte para o controle de percevejos. Desta forma, o manejo sem a equipe no campo pode derrubar um dos alicerces do MIP que é a amostragem (monitoramento).

Há, ainda, o problema de resistência, no caso do percevejo-marrom, observado com inseticidas organofosforados e recentemente com as misturas prontas (neonicotinoides + piretroides). Fato relacionado ao uso continuado do mesmo modo de ação pelos produtores, durante estes anos.

Assim, os produtores devem estar atentos à eficiência dos inseticidas utilizados e se não está ocorrendo resistência da praga aos defensivos em suas lavouras. Para isso, devem procurar informação junto a instituições de pesquisa, empresas fabricantes, assistência técnica e consultar um engenheiro agrônomo, para que faça a recomendação dos produtos, lançando mão da rotação de grupos químicos, evitando, assim, o desenvolvimento da resistência da praga aos defensivos.

Neste aspecto, o Irac-BR tem realizado estudos em parceria com algumas instituições a fim de manter os grupos químicos de inseticidas/acaricidas e plantas geneticamente modificadas como alternativas viáveis, e para Euschistus heros é um dos projetos, sendo analisadas moléculas como tiametoxan, imidacloprido, acefato, betacyflutrina e lambdacyhalotrina.

O Brasil é julgado por muitos como um grande utilizador de defensivos agrícolas. No entanto, pode se observar que com o aumento da produtividade das lavouras, crescimento da exploração da mesma área e utilização de tecnologias o país conseguiu aumentar ano a ano a quantidade produzida, mesmo com todos os obstáculos enfrentados pelo produtor. O controle químico como observado faz parte de um conjunto integrado de medidas que compõe o MIP, como o acompanhamento periódico das lavouras, o monitoramento dos níveis populacionais e, ainda, várias outras recomendações técnicas envolvidas.

Por hora o País está vencendo a batalha contra os percevejos, mas a guerra ainda não acabou.

Figura 3 – Efeito de alguns inseticidas em E. heros aos sete dias após a aplicação no controle de Euschistus heros na cultura da soja. Safra 2004/2005. Fundação Chapadão. Chap.Sul/MS

Figura 5 – Efeito de alguns inseticidas em P. guildinii aos sete dias após a aplicação na cultura da soja. Safra 2004/2005. Fundação Chapadão. Chap.Sul/MS

Figura 5 – Efeito de alguns inseticidas em E. heros na cultura da soja. Porcentagem de eficiência aos sete dias após a primeira aplicação e sete dias após a segunda aplicação. Fundação Chapadão. Chapadão do Sul/MS. Safra 2012/2013


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