O inimigo vem por baixo

Prevenção, com rotação de culturas, é uma das melhores alternativas contra o nematóide de cisto, praga que já atinge a soja em sete Estados.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

O nematóide de cisto da soja (NCS),

, é uma das principais pragas dessa cultura, pelos prejuízos que pode causar, pela facilidade de disseminação e capacidade de sobrevivência no solo. É um verme muito pequeno que penetra e danifica as raízes da soja dificultando a absorção de água e nutrientes pela planta. As lavouras infestadas apresentam reboleiras com plantas amareladas, mais baixas e com menos vagens, que não produzem satisfatoriamente, e, em alguns casos, chegam a morrer. O sistema radicular tem seu desenvolvimento reduzido e, através de cuidadosa observação, pode-se visualizar as minúsculas fêmeas do nematóide alojadas nas raízes. Estas fêmeas possuem um formato de limão ligeiramente alongado, inicialmente apresentam coloração branca e, posteriormente, adquirem coloração amarela. Cada fêmea pode produzir até 600 ovos, armazenando a maior parte deles em seu corpo. Quando morre, o corpo da fêmea se transforma em uma estrutura dura, de coloração marrom escuro, cheia de ovos, altamente resistente. Esta estrutura, muito leve, denominada cisto, se desprende da raiz e vai para o solo. Alguns ovos podem sobreviver no cisto, na ausência de planta hospedeira, por mais de oito anos. Assim, a sua eliminação de uma área infestada, requer um longo período sem cultivo de plantas que o multipliquem.

Detectado pela primeira vez no Brasil em 1992, o NCS já se encontra presente em 72 municípios, em sete estados brasileiros, infestando uma área estimada em 1.700.000 a 2.000.000 hectares. Assim que foi detectado, intensa campanha de divulgação dos meios de controle conhecidos foi desencadeada. Como as principais espécies produtoras de grãos cultivadas no país são consideradas não hospedeiras desse nematóide (não o multiplicam) e cultivares de soja resistentes não estavam disponíveis, enfatizou-se a rotação de culturas como principal meio de controle. O resultado foi positivo, com drástica redução da população do parasita no solo e recuperação da produtividade da soja nas áreas infestadas. A maioria das espécies anuais cultivadas no Brasil não multiplica esse nematóide e o mesmo ocorre com todas as espécies de gramíneas. Entre essas espécies, as de ciclo anual, de interesse econômico direto, são as mais indicadas para rotação com soja, não se descartando as perenes ou semiperenes, quando convierem economicamente. As principais espécies de primavera-verão indicadas são o milho, o arroz, o algodão, o sorgo, o girassol e a mamona. As três primeiras são, até agora, as mais utilizadas no Brasil, para rotação com soja em áreas infestadas, especialmente nos estados da Região Centro-Oeste. O amendoim e a mandioca, também não hospedeiras, não são indicadas para rotação com soja em áreas infestadas com o NCS, pois carregam grande volume de terra ao serem transportadas para fora das áreas de produção, favorecendo a disseminação do nematóide. As gramínias perenes ou semiperenes, como a cana-de-açúcar e as pastagens são alternativas interessantes, pois contribuem para reduzir drásticamente a população do NCS no solo, na proporção direta da duração do seu cultivo.

Alguns estudos de campo conduzidos por pesquisadores da Embrapa Soja, em áreas naturalmente infestadas, nos estados de São Paulo, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Goiás, assim como observações em campos de produtores, nessas regiões, têm permitido afirmar que, na maioria dos casos, um ano de cultivo de primavera-verão com uma espécie não hospedeira, tal como o milho, o arroz, o algodão, a mamona, o girassol, entre outras, é suficiente para garantir alta produtividade da soja no verão seguinte. Em experimento de campo repetido em duas regiões, Chapadão do Céu-GO e Tarumã-SP, onde foi avaliado o efeito de um, dois e três anos consecutivos de milho, e de um ano de mucuna preta, foi observado decréscimo significativo no número de cistos no solo e aumento no rendimento da soja cultivada após um ano de milho ou de mucuna. Nessas condições, um ano de soja na sequência foi suficiente para elevar novamente a população de cistos ao nível anterior ao cultivo da espécie não hospedeira, ou acima, indicando a necessidade de continuar a alternância de cultivo da soja com o de uma espécie não hospedeira. Com dois ou três anos consecutivos de milho (no verão), antecedendo a soja, houve maior redução da população do nematóide e tendência de maior rendimento da soja, embora houve tendência de redução na produtividade do milho no segundo ano. As populações de cistos encontradas ao final do ciclo da soja, quando cultivada após dois ou três anos de milho, foram muito inferiores às encontradas no monocultivo de soja e próximas ou abaixo dos níveis populacionais de dano (1 a 5 cistos/100 ml de solo). Nessas condições, foi possível até dois cultivos consecutivos de soja suscetível, na seqüência com altas produtividades.

Em áreas infestadas por H. glycines, mesmo no inverno devem ser cultivadas apenas espécies não hospedeiras, pois, também nesse período, as espécies hospedeiras podem multiplicar o nematóide, como tem sido observado em plantas de “soja tiguera”. Na ausência de plantas hospedeiras, a população do NCS diminui, também, no inverno, podendo atingir até 50 % de redução, em invernos com temperaturas e umidade do solo de amenas a altas. Esse fato é de grande importância para garantir baixa população no solo por ocasião da semeadura da soja seguinte. As principais espécies hospedeiras utilizadas no Brasil são cultivadas no inverno: ervilha, tremôço e feijão. Entre as espécies não hospedeiras de inverno incluem-se todas as gramíneas cultivadas nessa estação, tais como trigo, milho, sorgo granífero, milheto, aveia preta, além do girassol, canola, nabo forrageiro e alguns outros adubos verdes. Embora essas espécies não multipliquem o NCS, o cultivo das mesmas, no inverno, sucedendo a soja, não garante a redução da população do nematóide. Estudo conduzido pela Embrapa Soja, em Tarumã-SP, por quatro anos, onde foi comparado o efeito do cultivo de inverno com as espécies milho, milheto, trigo, aveia preta, girassol, nabo forrageiro e mucuna preta, mostrou não haver diferença na redução da população do NCS, entre essas espécies e a ausência de cultivo (pousio). Um efeito favorável do cultivo de inverno é a concorrência com as plantas de “soja tiguera”, reduzindo a possibilidade de aumento ou manutenção da população do NCS, e a redução na disseminação do NCS pelas núvens de poeiras, comuns nos meses mais secos, principalmente em áreas de cultivo convencional, no cerrado.

A rotação com espécies não hospedeiras é indicada mesmo se forem utilizadas cultivares de soja resistentes a esse nematóide. Existem diversas raças do NCS já detectadas no Brasil e uma cultivar resistente proporcionará decréscimo apenas da população das raças para as quais é resistente, mas poderá multiplicar as demais raças presentes para as quais não tenha resistência, podendo haver uma mudança na raça predominante na área. O indicado é a prática da rotação de culturas em alternância com cultivares resistentes e suscetíveis.

Antonio Garcia, Waldir P. Dias e João Flávio Silva

Embrapa Soja

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