O tamanduá que não come formigas

O “tamanduá-da-soja”, “bicudo-da-soja” ou “cascudo-da-soja” começou a ser observado em lavouras de soja, a partir de 1973, e o aumento das populações tem preocupado os agricultores de RS, SC

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

O potencial de danos é grande, porque, tanto o adulto quanto a larva danifica a planta, principalmente quando a população é alta e ocorre na fase inicial da cultura. Nessa situação, pode haver perda total da lavoura.

Conhecendo a praga

Os adultos são gorgulhos de aproximadamente 8 mm de comprimento, coloração preta e listras amarelas no pronoto (parte dorsal do tórax, próxima da cabeça) e nos élitros (asas duras), formadas por pequenas escamas. Para realizar a postura, a fêmea faz um anelamento na haste principal, cortando toda a epiderme (casca).

Eventualmente, são encontrados ovos nos ramos laterais e até nos pecíolos. Os ovos têm coloração amarela e são postos em orifícios protegidos pela fibras do tecido cortado por ocasião do anelamento. Aproximadamente três dias após a postura, ocorre a eclosão das larvas, com corpo cilíndrico, levemente curvado (curculioniformes), desprovido de patas e com coloração branco-amarelada; a cabeça tem cor castanho-escura.

Na fase ativa, isto é, enquanto estão se alimentando, as larvas ficam no interior da haste principal, na região do anelamento realizado pela fêmea para a postura. À medida que crescem, ocorre um engrossamento do caule, formando uma galha, estrutura constituída por tecidos ressecados.

Durante a fase larval, o inseto passa por cinco ínstares. No quinto ínstar, o inseto vai ao solo, onde entra em hibernação em câmaras, localizadas a profundidades variáveis, mais comumente entre 5 e 10 cm, podendo, porém, serem encontradas em até 20 cm. Nessa fase, as larvas não se alimentam e permanecem na câmara até o início da próxima safra, quando, então, se transformam em pupas e, em seguida, nos adultos. A pupa é branco-amarelada do tipo livre e, quando vista dorsalmente, mostra os primórdios das asas.

Danos preocupam

Para se alimentar, o adulto raspa o caule e desfia os tecidos. Quando atinge a gema apical, no início do crescimento da planta, o dano é irreversível, diminuindo a população de soja da área. As larvas alimentam-se da medula da haste principal e provocam o surgimento da galha, a qual dificulta a circulação da seiva, fazendo com que a planta se torne frágil, podendo quebrar sob a ação do vento e da chuva.

Ciclo biológico

O inseto é univoltino, isto é, apresenta uma geração por ano, que se inicia em outubro, quando os primeiros adultos surgem no campo. Esses atingem o pico populacional no final do mês de dezembro, podendo ser observados, esporadicamente, até a maturação da soja.

Os primeiros ovos são encontrados em novembro ou dezembro (dependendo da época de semeadura) e, alguns dias após, já se observam as larvas, que ocorrem durante todo o ciclo da soja, em idades variáveis. Em Mauá da Serra (PR) as larvas começam a hibernar no solo, a partir de fevereiro, mas no RS podem iniciar a hibernação ainda em janeiro, permanecendo nesta condição até o final de novembro; as primeiras pupas são encontradas a partir de outubro.

Manejo integrado

O controle do tamanduá-da-soja é difícil porque o inseto possui características que lhe permite escapar, mesmo após a aplicação de produtos químicos, e sobreviver. As larvas em desenvolvimento ficam protegidas dentro do caule. Os adultos, durante o dia, ficam escondidos nas partes baixas das plantas de soja, entre as folhas ou a palhada da cultura anterior; as larvas ‘maduras’ hibernam no solo, onde também se localizam as pupas.

Além disso, o prolongado período de emergência e a migração dos adultos de áreas vizinhas, diminuem a eficácia do controle químico. A rotação de cultura é a técnica mais eficiente para o manejo adequado do tamanduá-da-soja, mas sempre associada a outras estratégias, como as plantas-iscas e o controle químico em bordadura de lavoura.

Nos locais em que, na safra anterior, foram observados ataques severos do inseto, antes de planejar o cultivo da safra de verão seguinte, o grau de infestação deve ser avaliado, preferencialmente na entressafra, entre maio e setembro. Para cada 10 ha, devem ser retiradas quatro amostras de solo, centradas nas antigas fileiras de soja, com 1 m de comprimento, com largura e profundidade de uma pá de corte. Após a observação cuidadosa da amostra, será realizada a contagem do número de larvas hibernantes.

Se, na média, forem encontrados de três a seis larvas hibernantes/m2 (4 amostragens), existe a possibilidade de, no mínimo, um ou dois indivíduos atingirem o estádio adulto, podendo causar uma quebra de 7 a 14 sacas de soja por hectare, na safra seguinte. Nesse local, a soja deve ser substituída por espécie não hospedeira (ver tabela), na qual o inseto não se alimente, ou por espécie hospedeira não preferencial, na qual o inseto se alimenta em menor intensidade. Em todas essas espécies, o inseto não se desenvolve e, conseqüentemente, interrompe o seu ciclo biológico.

Utilização de Plantas-iscas

Para aumentar a eficiência de controle, a espécie não hospedeira ou hospedeira não preferencial deve ser circundada por hospedeira preferencial (planta-isca). Desse modo, ao atrair e manter os insetos na bordadura da lavoura, o produtor pode pulverizar um inseticida químico apenas numa faixa (bordadura) de, aproximadamente, 25 m. Esse controle nas bordaduras deve ser feito nos meses de novembro e dezembro, quando a maior parte dos adultos sai do solo, e repetido sempre que o inseto atingir os níveis de dano econômico, conforme a fase da cultura.

O controle do inseto justifica-se quando no exame de plantas de soja com duas folhas trifolioladas, for encontrado um adulto por metro de fileiras de soja, incluindo a face inferior das folhas e o caule. Com cinco folhas trifolioladas (próximo à floração), a cultura tolera até dois adultos por metro linear. As pulverizações noturnas, entre às 22 e às 2 h, são mais eficientes, pois a maioria dos adultos, neste período, se encontra na parte superior das plantas, em acasalamento. A escolha dos inseticidas deve ser feita dentre os produtos recomendados para o controle do inseto e o mesmo ingrediente ativo não deve ser utilizado em duas aplicações sucessivas, para prevenir o surgimento de resistência do inseto àquele produto químico.

A utilização de planta-isca pode ser associada aos controles químico e mecânico. No caso do controle mecânico, elimina-se as larvas presentes nas plantas, com roçadeira, antes delas entrarem em hibernação no solo. Isso deve ser feito cerca de 45 dias após a observação dos primeiros ovos nas plantas. Na Região Norte do Paraná, não havendo atraso na semeadura, as plantas podem ser eliminadas até meados de janeiro.

O preparo do solo, isoladamente, como medida de controle, não é recomendado. Porém, quando essa técnica for utilizada para o controle de doenças, e altas populações de larvas hibernantes ou pupas tenham sido registradas em sua lavoura, o agricultor deve considerar que a maioria das larvas (90%) hibernam entre cinco e 15 cm de profundidade. Portanto, implementos que revolvem o solo superficialmente não serão úteis na redução de populações do tamanduá-da-soja.

Resultados recentes de pesquisas de manejo do tamanduá-da-soja, mostram que o percentual de plantas mortas e danificadas é significativamente menor, e a produtividade maior ao final do período de rotação soja-milho-soja, quando comparados ao monocultivo soja-soja-soja. Adicionalmente, existe a vantagem de reduzir, drasticamente, a população de larvas hibernantes nas áreas de milho. Portanto, essa técnica é altamente recomendada para sistemas equilibrados de produção e essencial em áreas com ataques freqüentes do tamanduá-da-soja.

Clara Hoffmann-Campo

Embrapa Soja

Mauro Braga da Silva

Fundacep

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