Proteção da propriedade

Produtor rural possui diversos instrumentos legais para se proteger das invasões de terras, como ações preventivas, e a atuação em conjunto de diversos pecuaristas pressionará por soluções mais r&aac

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

Por motivos econômicos, algumas vezes políticos, ou, em outras poucas vezes, sociais, vêm se tornando cada vez mais freqüentes as ameaças de invasão de terras, sejam elas improdutivas ou produtivas. Ao proprietário rural, na realidade, pouco importa o motivo ou o critério da escolha do imóvel a ser invadido; importa a agressão que sente e a necessidade de proteger sua propriedade.

A invasão (ou ocupação, como os agressores querem denominar, com o fim de descaracterizar a própria agressão), do ponto de vista jurídico, não passa de um esbulho que no conceito legal significa uma forma de aquisição da posse por meios violentos, clandestinos e precários. Tal agressão é, inclusive, passível de acarretar uma forma de defesa também violenta, que, no caso, não parece ser a medida mais adequada a ser tomada, vez que envolve meios caros, perigosos, nada confiáveis, inconvenientes politicamente e que, até, podem servir ao ¨jogo¨ de extremistas que utilizam movimentos sociais como massa de manobra para atingir fins ideológicos.

Como prevenir

O proprietário rural não pode esquecer que existem soluções preventivas, não violentas, legais, dentro do Estado Democrático de Direito, que a grande maioria da população deseja preservar. Uma destas soluções, como mecanismo jurídico/processual inicial à proteção da propriedade, é o Interdito Proibitório. Ele pode, e deve, ser utilizado no momento em que o proprietário tem informações de que o seu imóvel pode vir a ser invadido, ou, simplesmente tenha receio de que ela, a invasão, venha a ocorrer. A concessão liminar do mandado de Interdito depende das provas apresentadas, documentais e/ou testemunhais. Estas provas, apesar de geralmente os invasores serem bem organizados, são de fácil obtenção; ademais disso, o Judiciário já mostra uma postura de aceitação menos exigente em relação às provas a serem produzidas, conforme já fixado em jurisprudência: ¨Sendo fato público e notório a constante invasão de terras nos dias atuais, configura-se o justo receio de moléstia a posse¨ (RT 631/152). Assim, pode bastar um simples acampamento na região próxima à propriedade, que já estará configurado ¨justo receio¨, como condição suficiente para a obtenção de uma ordem judicial.

Muitos dirão que tais instrumentos legais são de pouca eficiência, pois, mesmo com a ordem judicial de proteção do imóvel, e, mesmo esta ordem impondo pena financeira ao Poder Público, no caso de ocorrência da invasão, ela acaba por acontecer. Dirão, também, que ocorrendo a invasão - caso em que, automaticamente, o Interdito converte-se em uma Reintegração de Posse - o Executivo Estadual nada faz, ou demora a fazer algo, para despejar os invasores. Tais afirmativas são verdadeiras; mas vai aqui uma sugestão: se no momento do estabelecimento de um acampamento, todos os proprietários rurais da região interpuserem, cada um, seu Interdito Proibitório, o próprio Judiciário Estadual, de forma indireta, mas legítima, deverá pressionar o Executivo Estadual, levando-o a tomar alguma providência em relação aos acampados da região.

Antes de passarmos a analisar as invasões ditas “justificadas” por improdutividade do imóvel rural, cabe fazermos parênteses para uma análise de natureza política:

Principais diretrizes

O ministro do Desenvolvimento Agrário, em recente visita a São Paulo, expôs as principais diretrizes que estão norteando as atividades administrativas de seu Ministério e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), autarquia operacional que lhe é vinculada: a geração de trabalho, emprego e renda na atividade de agricultura familiar, estimulando a qualidade de produção, a escolaridade e a saúde dos diretamente beneficiados pela reforma agrária. Afirmou que um dos instrumentos para se atingir tais objetivos é a desapropriação de terras com boa capacidade de produção e bem localizadas - em relação às infra-estruturas já existentes - para que os assentamentos sejam mais prósperos e menos custosos aos cofres públicos. Tudo, disse ele, dentro do Estado Democrático de Direito.

Justificou, ainda, sua visita, como uma oportunidade de esclarecer sobre o modelo de reforma agrária no qual está se inspirando e pela sua intenção de reafirmar “a confiança e a fidúcia que deve ser consolidada” – usando as palavras do ministro – entre seu Ministério e os proprietários rurais, eventuais futuros desapropriados para fins de reforma agrária. Ora, por mais nobres que possam parecer ser os objetivos sociais do Ministério, é bastante difícil falar-se em confiança e fidúcia aos proprietários rurais quando um proprietário rural que, há uma ou duas décadas atrás, dedicou-se a desbravar regiões totalmente desprovidas de infra-estrutura, enfrentando a falta de estradas, de luz e dos demais serviços públicos, e que, hoje, no momento em que está adequadamente servido em sua propriedade por estas facilidades – serviços públicos que, muito provavelmente, foram implantados na região do imóvel rural, muito em função da obra que o desbravador desenvolveu com muito custo, até de natureza pessoal - que vieram a lhe propiciar uma adequada produção, agora tenha de se resignar em aceitar a desapropriação de seu imóvel.

Também é muito difícil esperar, dos proprietários rurais, confiança e fidúcia, tendo em vista que eles são sabedores, por já terem sofrido, ou por terem acompanhado casos de outros colegas que sofreram, com atitudes nada confiáveis, praticadas pela administração pública federal, especialmente vistores e procuradores do Incra que, por exemplo, deixam de juntar documentos fornecidos pelo proprietário, aos autos do processo administrativo de vistoria; estabelecem inadequados cálculos de unidades animais; fazem inadequadas considerações em relação aos volumes da produção agrícola; determinam como ilegal a fixação das áreas de interesse ambiental estabelecidas pelo proprietário do imóvel, assim prejudicando os índices da área utilizável; enfim, cometem erros, omissões e ilegalidades que, apesar de combatidos pelo proprietário, via interposição de Impugnação Administrativa, esta acaba por ser desconsiderada, apesar das adequadas demonstrações e fundamentações inseridas.

Ação junto ao Judiciário

Neste momento, nada mais resta ao proprietário rural, a não ser se socorrer do Judiciário que, quando bem fundamentados os argumentos apresentados, não titubeia em determinar a concessão de liminar, impedindo o prosseguimento do processo administrativo viciado, ou trazendo, para si, a incumbência de julgar se o imóvel rural é, ou não é, passível de desapropriação com fins de reforma agrária. Entretanto, e aí a razão maior causadora de desconfiança, o Incra, muitas vezes, apesar da ordem judicial, dá prosseguimento ao processo administrativo, declarando o imóvel improdutivo, encaminhando-o à Presidência da República para decretação de interesse social na desapropriação.

Novamente o proprietário se vê obrigado a bater às portas do Judiciário, desta feita para buscar a declaração de nulidade do decreto presidencial, tudo sob alto desgaste financeiro e emocional. Assim, esperar que haja confiança recíproca, entre executores da reforma agrária e o proprietário rural, é esperar que os primeiros mudem suas atitudes, especialmente no que diz respeito à adequada interpretação e aplicação da Lei e ao respeito às ordens judiciais.

Retomando o tema, após esta análise política donde podemos depreender que o Incra tem intenções de desapropriar terras nobres e bem localizadas, devemos analisar a melhor proteção contra as invasões por improdutividade. Neste aspecto, muitas discussões e inseguranças ocorrem em relação aos índices mínimos de produção agropecuária, estabelecidos em Instruções Normativas nascidas no Incra. São, para o proprietário rural, verdadeiros tormentos, na maioria das vezes emocional e, em outras oportunidades, um tormento real, pois que se realiza nos Laudos de Vistoria e Avaliação de Imóvel Rural, para fins de desapropriação por interesse social, promovidos pelo Instituto. Entretanto, tais índices não têm sido estabelecidos de forma absolutamente legal, tendo em vista que estão sendo fixados sem a interferência, legalmente exigida, do Conselho Nacional de Política Agrícola (CNPA). Este foi instituído pela Lei de Política Agrícola, que estabelece quais as ações e os instrumentos públicos a serem aplicados na fiscalização e no controle das atividades agropecuárias, especialmente no que diz respeito ao cumprimento de sua função social e, fundamentalmente, dentre seus objetivos administrativos, compatibilizando as ações de política agrícola com as de reforma agrária. Tal Conselho, conforme estabelecido em Lei, deveria ser presidido pelos Ministros da Agricultura e da Reforma Agrária, hoje Desenvolvimento Agrário, e constituído por vários outros representantes da sociedade, principalmente ligados ao agronegócio.

Com certeza formar-se-ia um comitê bastante representativo de todos os setores sociais que, direta ou indiretamente, teriam algo a cooperar no sentido de se verem atingidas as metas estabelecidas na Lei de Política Agrícola (LPA). Dentre tais metas, destaca-se, no tema fundiário, o dever de se compatibilizar a produção rural com as metas de reforma agrária, tendo em vista que só a ocorrência de tal compatibilidade daria os devidos contornos legais à fixação de índices mínimos de produção rural; portanto, exige a Lei de Política Agrícola que a fixação de tais índices esteja condicionada à análise e mensuração do Conselho. Em função deste condicionante e sob o ponto de vista estritamente jurídico, só os índices mínimos nascidos do CNPA deveriam receber a tarja de “índices legais” para, conseqüentemente, passarem a ser exigidos do produtor rural, no exercício de sua atividade.

Inexistindo o CNPA, como de fato inexiste, toda e qualquer Instrução Normativa expedida pelo Incra isoladamente, que tenha o objetivo de fixar parâmetros mínimos de produtividade na atividade rural, carece de legalidade, pois está desprovida do aval do Conselho; e, como conseqüência jurídica ulterior, todo e qualquer processo administrativo de avaliação de imóvel rural com fins de reforma agrária, se sustentado em argumentos de não alcance de índices mínimos de produção, está fadado à nulidade, inviabilizando qualquer desapropriação de imóvel rural. Assim não há que se falar em improdutividade e, conseqüentemente, acaba por ser também injustificável a invasão nela sustentada.

Portanto, podemos concluir que o proprietário rural tem todos os instrumentos legais para se proteger das invasões, vez que ilegais e injustificáveis sob qualquer aspecto.

Luiz Augusto Germani

FGV

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