Quando a planta daninha “engana” o herbicida I

A sensibilidade natural de espécies de plantas a um herbicida é variável e por isso existem herbicidas seletivos para determinadas culturas, mais efetivos para a eliminação de certas espécies de ervas daninhas. Co

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

Todos os seres vivos transmitem, ao se reproduzirem, características básicas aos seus descendentes. Na reprodução sexuada nunca essas características são todas exatamente iguais às de um dos ascendentes, podendo, entretanto, manter características derivadas de genes dominantes, formando-se uma cadeia de biótipos com certos aspectos comuns.

Entre as características de uma linha de descendência podem estar a adaptabilidade a condições ambientais, e a resistência ou suscetibilidade a condições desfavoráveis. No caso de plantas, por exemplo, a resistência ou suscetibilidade podem ser a doenças, pragas ou a produtos químicos, como os herbicidas.

A ocorrência de um evento desfavorável pode eliminar todos os indivíduos mais sensíveis e permitir a sobrevivência dos mais resistentes. Charles Darwin formulou a teoria da seleção dos indivíduos mais aptos, levando à evolução das espécies. A biodiversidade é um fator que a natureza criou para permitir a perpetuação das espécies. A resistência de determinados biótipos de uma planta a um herbicida precisa ser considerada dentro desse contexto.

O fenômeno da resistência de biótipos de organismos a produtos fitossanitários é conhecido há cerca de 50 anos. Na década de 40 foi constatada a resistência da mosca doméstica ao DDT; hoje mais de 500 espécies de pragas apresentam biótipos resistentes a um praguicida. Na década de 50 foram constatadas as primeiras resistências de fungos causadores de doenças de plantas a um fungicida; hoje mais de 1500 espécies de fungos resistem a algum produto

Em relação às plantas daninhas, as primeiras observações ocorreram, no fim da década de 50 com uma forma selvagem de cenoura (

) não sendo mais controlada pelo 2,4-D. Em 1964, observou-se que plantas de Senecio vulgaris, Chenopodium album e Amaranthus retroflexus não estavam mais sendo controladas por triazinas, mesmo usando-se doses elevadas, após sete ou oito anos de boa eficiência, nas mesmas áreas. O fato alertou especialistas, sendo estabelecido o conceito de resistência, fenômeno que também passou a ser observado em outras plantas, com diferentes tipos de produtos.

Seletividade natural

A sensibilidade natural de espécies de plantas a um herbicida é variável e por isso existem herbicidas seletivos para determinadas culturas, mais efetivos para a eliminação de certas espécies de ervas daninhas. Convencionou-se designar esses aspectos como tolerância e sucesctibilidade, reservando-se o termo resistência para biótipos resistentes dentro de uma população de biótipos suscetíveis, da mesma espécie.

No passado, apenas pesquisadores isolados efetuaram estudos. Com o aumento de casos, a indústria de herbicidas formou um grupo, que se subdivide em três, respectivamente para estudar triazinas, inibidores de ALS e inibidores de ACCase. Instituições de pesquisa e universidades também passaram a se dedicar ao assunto. No Brasil a Sociedade Brasileira da Ciência das Plantas Daninhas constituiu, em 96, um grupo formal de estudos e trabalhos, que se denomina Comitê Brasileiro de Resistência de Plantas aos Herbicidas (CBRPH).

A lista de plantas com biótipos resistentes a herbicidas apresentada na Internet indicava, em 04 de outubro passado, 219 biótipos, em 147 espécies. A listagem é constantemente atualizada. No Brasil a CRBPH tinha registradas, em 01.10.99, as seguintes espécies com biótipos resistentes:

sp. (resistente a triazinas),

(resistente a inibidores de ALS),

(resistente a inibidores de ALS),

(resistente a inibidores de ACCase), e

(resistente a inibidores de ALS).

Mecanismos de resistência

Considera-se que a resistência pode ser devida a quatro tipos de mecanismos:

•Alteração do sítio de ação – A constituição de um elemento sobre o qual o herbicida atua pode sofrer pequena alteração no ponto exato onde se dá essa ação. Por exemplo, no sistema enzimático existem isoenzimas capazes de executar as funções biológicas necessárias, mas diferindo na receptividade de um herbicida. Podem haver plantas com maior ou menor proporção de isoenzimas A,B,C,...

•Diferenças na capacidade metabólica – Alguns herbicidas são metabolizados nas plantas, com destruição do composto ativo. A capacidade de metabolização é variável de espécie a espécie, bem como numa espécie podem haver biótipos mais ou menos eficientes nesses processos.

•Compartimentação – É a retenção de um ingrediente ativo num local interno da planta, de forma que não consiga chegar ao local onde deve atuar. Por exemplo, numa célula o herbicida é confinado num vacúolo.

•Sequestração- Dentro da planta um herbicida é conjugado com compostos, como açúcares, glicosídios, etc, tendo sua atividade prejudicada.

Numa população de plantas pode haver poucos indivíduos capazes de resistir a um herbicida, por um dos fatores mencionados. Por seleção, pode-se chegar a uma expressiva quantidade de indivíduos resistentes.

Como se desenvolve

Uma resistência se desenvolve por seleção natural de biótipos já existentes dentro de uma população de plantas, ou por seleção natural, que às vezes acontece. Não há evidência e é muito pouco provável que uma mutação possa ocorrer por ação de algum herbicida ou outro defensivo agrícola. Quando da avaliação de candidatos a produtos fitossanitários algum composto se mostra mutagênico, ele é eliminado imediatamente. Um produto capaz de provocar mutação genética não pode receber registro para uso agrícola.

A resistência, que é ligada a fatores genéticos, é hereditária. A transmissão dessa característica depende do tipo de genes pelos quais é codificada. Assim, um único gene dominante produz desenvolvimento rápido, contra o lento do único gene recessivo. Genes múltiplos causam desenvolvimento por recombinações. Se o gene está na parte feminina, a propagação se dá pelos óvulos. Se está na parte masculina, se propaga pelo pólen.

Quando se tem uma espécie suscetível a um herbicida, o número de biótipos resistentes, se existem, é muito pequeno. Por isso a evolução inicial tende a ser lenta. Até ocorrer uma evidência perceptível podem decorrer três, cinco ou até 20 anos de uso continuado de produtos com o mesmo mecanismo de ação. Com triazinas a evidência de biótipos resistentes tem se manifestado com mais ou menos sete anos de uso continuado e exclusivo. Com inibidores de sistemas enzimáticos a evidência pode surgir em período menor.

Níveis de resistência

Muitos autores consideram que ocorre resistência quando um biótipo resiste a duas vezes ou mais a dose que normalmente controla os suscetíveis. Biótipos podem apresentar níveis diversos de resistência. Em alguns casos ela é quebrada com aumento da dose, em outros não. Em casos extremos têm sido constatadas resistências a doses até 100 vezes maiores que a normalmente eficiente.

Os fatores que interagem na evolução de resistências são: a) frequência de alelos de resistência na população original, b) modo de transmissão dos alelos de resistência, c) características de fecundação da espécie (autógama ou alógama), d) vitalidade dos genótipos resistentes, e) intensidade de seleção. Considera-se que o último seja o mais importante.

É discutido se uma subdose ou superdose podem levar à resistência. Como ela está codificada no genoma dos biótipos e como os herbicidas não são mutagênicos, nenhuma dose pode criar resistência. O nível das doses vai influir na seleção, ou seja, na quantidade de plantas eliminadas. Quando se tem biótipos com baixa resistência, uma dose alta pode melhorar o controle.

Resíduos no solo

Um herbicida com ação residual no solo continua controlando biótipos suscetíveis de uma determinada espécie durante algum tempo, em diversos surtos germinativos, provocando uma redução das suas sementes no solo. Já o herbicida sem ação residual, como muitos produtos de pós-emergência, destrói os biótipos suscetíveis no momento da aplicação, mas não afeta as plantas que emergem depois. O banco de sementes do solo não é afetado. Assim, um herbicida residual permite maior proporção de plantas resistentes, por eliminar mais plantas suscetíveis.

Quando se constata

Uma forte evidência da ocorrência de biótipos resistentes a um herbicida, só se obtém após dois ou três anos de observação no campo, pois inúmeros fatores podem afetar a eficiência numa temporada. São elementos importantes de evidência:

• Plantas de uma espécie normalmente bem controladas passam a escapar ao controle, mas as de outras espécies continuam sendo controladas;

• As falhas de controle ocorrem em manchas irregulares;

• Herbicidas com mecanismos de ação semelhantes foram usados seguidamente na área;

• As condições dos tratamentos foram adequadas, descartadas as falhas.

A confirmação definitiva deve ser obtida sob condições controladas, em laboratório, comparando-se o efeito do herbicida contra plantas supostamente resistentes com o efeito sobre plantas da mesma espécie, suscetíveis. No caso de suspeita de resistência numa lavoura, deve-se deixar algumas plantas completarem o ciclo e produzirem sementes, colhendo-as bem maduras e evitando-se que caiam ao solo. Destruir todas as outras plantas supostamente resistentes antes que formem sementes. Colher também sementes de plantas suscetíveis. No laboratório devem ser semeadas as sementes dos dois tipos e, na época normal de aplicação do herbicida, efetuar o tratamento com a dose normal, o dobro e o triplo, avaliando-se o resultado.

No plantio convencional há destruição mecânica de muitas plantas daninhas, mas geralmente depois que já formaram sementes. Essas são enterradas, o que diminui a emergência imediata, mas prolonga a viabilidade no solo, o que mantém o problema por mais tempo. O sistema permite o uso de herbicidas com outros mecanismos de ação e com efeito residual, como dinitroanilinas e cloroacetamidas, por exemplo.

Já no plantio direto na palha a cobertura do solo diminui a emergência de invasoras em geral. Usa-se normalmente herbicidas em pré-plantio, com produtos não seletivos, o que ajuda a eliminar eventuais espécies resistentes, algumas antes de produzir sementes. Quando produzidas, as sementes ficam sobre o solo. Maior número terá condições de germinar em pouco tempo e menor será a viabilidade futura. Muitas sementes são destruídas por organismos predadores.

Kurt G. Kissmann

Consultor

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