Rastreabilidade para toda cadeia

Qualidade e segurança dos alimentos estão se tornando preocupação de toda a cadeia produtiva da carne bovina, de olho na satisfação do cliente e no atendimento de exigências do mercado internacional.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

O interesse crescente dos consumidores pelos perigos relacionados aos alimentos e os riscos associados ao consumo destes na saúde humana receberam atenção crescente durante a última década. Por isso, a importância em se garantir a qualidade e a segurança do alimento aos consumidores surgiu como questão estratégica para a indústria, varejo e órgãos públicos.

Utilizada em vários países do mundo, a rastreabilidade vem possibilitando o controle de todas as etapas da cadeia de suprimentos, fornecendo subsídios para análise e gestão de riscos. Controlando melhor os riscos, a empresa pode maximizar os seus resultados, além de oferecer mais segurança e confiabilidade ao consumidor. Por esse motivo, em alguns países, a rastreabilidade já é adotada como prática obrigatória para a reconstituição da origem, embalagem, transporte e armazenagem de alguns produtos.

A implantação do Sisbov em 2002 foi tumultuada, com divergências sobre quem deveria arcar com os custos do processo e se a adesão deveria ser obrigatória ou facultativa, questões que perduram até os dias atuais. Desde então, o MAPA alterou diversas vezes a legislação, principalmente com relação à fixação de prazos para credenciamento dos animais no programa antes do abate, em busca de um sistema mais adequado à realidade brasileira. Essas dificuldades, somadas à baixa adesão dos produtores rurais ao programa e à falta de animais rastreados em determinadas épocas, descrevem a atual desorganização da cadeia da carne bovina.

Identificação rural

A questão da qualidade sanitária da carne é fundamental para que o produtor brasileiro possa participar do mercado internacional. Por este motivo, a identificação segura dos animais e a obtenção das informações geradas na produção, além de facilitarem a gestão do empreendimento rural, permitem diferenciar o produto. A identificação animal é uma maneira eficiente de proporcionar o monitoramento do histórico de ocorrências e o desempenho dos animais, registrando dados individualmente.

A importância de um sistema de identificação e registro funcional está relacionada aos aspectos econômicos da automação e ao bem-estar animal. As técnicas de identificação animal mais utilizadas na bovinocultura são: brincos de plástico, brincos com código de barras, tatuagens no pavilhão auditivo, marcação a ferro quente no couro e transponders (brinco e bolus). Apesar de variarem com o nível ou potencial tecnológico da propriedade, é importante que a forma de identificação permita a coleta e consulta rápida e confiável das informações. Dessa forma, a aplicação da rastreabilidade numa propriedade rural depende dos recursos disponíveis.

Existem dois aspectos importantes que devem ser considerados na avaliação da rastreabilidade na produção rural. O primeiro refere-se às dificuldades para a adoção da rastreabilidade, causada pela pressão da mudança para um sistema ainda desconhecido para muitos, incluindo-se os eventuais custos. O segundo aspecto diz respeito às mudanças no sistema de gestão da propriedade, decorrentes da implantação da rastreabilidade.

Na primeira situação, a falta de informação do processo constitui-se no principal problema. Grande parte dos produtores desconhece o processo e como conseqüência tendem a criticá-lo, afirmando que a rastreabilidade da forma como foi concebida é inviável, pelo fato de os custos aumentarem significativamente e não haver a contrapartida na comercialização da carne. Na segunda, a rastreabilidade pode aproximar o produtor do processo de comercialização, ao entender como esse processo é trabalhado em todos os segmentos da cadeia, tanto do ponto de vista operacional, como no que se refere à formação do preço do seu produto.

Uma outra questão, relacionada aos itens discutidos, e que ainda não encontrou consenso, diz respeito ao processo de rastreabilidade ser individual ou por lote de animais. Apesar disso, essas divergências são próprias de um sistema recente e que ainda se encontra em fase de implantação. A falta de informação ainda é muito grande, mas a tendência, de acordo com os produtores, é que as dificuldades gradativamente sejam superadas.

Identificação na indústria

O segmento da indústria frigorífica possui tanta importância, para a efetivação adequada da rastreabilidade, quanto o da produção rural. Por esse motivo, ambos precisam focar o mesmo objetivo, integrando tecnologias e processos de comercialização, adequando-se às mudanças na cadeia produtiva, ou seja, foco estratégico, mercado consumidor e cooperação entre as empresas.

O setor de abate e processamento de carnes no Brasil apresenta uma situação bastante diversificada em relação à porte das empresas, localização geográfica e nível tecnológico. Além da desconfiança e rusgas tradicionais entre os pecuaristas e os frigoríficos, o setor enfrenta o efeito da excessiva influência e capacidade de pressão das grandes redes varejistas, que vêm aumentando sua participação no mercado de carnes.

A indústria frigorífica ficou mais atenta às novas oportunidades de diferenciação do produto, por meio de informações sobre a origem e o processamento do produto, além das legislações referentes à segurança do alimento. A rastreabilidade nesse segmento tem sido implantada em função da estratégia de diferenciação do produto e de estar em conformidade com as legislações vigentes.

As informações rastreadas pela indústria são disponibilizadas para todo fornecedor, prevalecendo as informações de caráter mais técnico do que mercadológico. O produtor sai do frigorífico com a classificação, peso da carcaça, índice de cobertura de gordura, idade e sexo dos animais. Essas informações são reaproveitadas para comparação com os objetivos estabelecidos pelo produtor.

A implantação da rastreabilidade na indústria provocou mudanças em relação ao treinamento de pessoal e adoção de novas tecnologias. As principais etapas desse processo são: aquisição dos animais, quando ficam definidos quais animais serão recebidos e em quais currais; saída da carcaça do abate, identificada com etiqueta eletrônica; entrada da carcaça na desossa, quando é feita a leitura da etiqueta com equipamentos de leitura ótica; e geração da caixa com os cortes, constando a data de produção. Com esses procedimentos, a informação sempre acompanha cada etapa.

Identificação no varejo

A distribuição da carne é composta por hipermercados, supermercados, as casas de carne, boutiques e açougues. Esses canais apresentam diferentes níveis tecnológicos e de profissionalização, realizando as funções tradicionais da distribuição: levar os produtos, os serviços agregados e as comunicações (propagandas e promoções) ao consumidor final, além de retornar aos frigoríficos as informações do mercado.

Existe uma tendência de fortalecimento dos hiper e supermercados na comercialização de carne para o consumidor final. No entanto, os atacadistas ainda têm uma função importante no abastecimento dos supermercados, casas de carne e açougues.

Grandes transformações no uso de embalagens e marcas têm ocorrido na distribuição, levando à adoção de estratégias adequadas, incluindo o ajuste de sistemas de rastreabilidade, o desenvolvimento de marcas, a elaboração de etiquetas/rotulagem e a comunicação integrada de marketing. Essas medidas vêm requerendo uma coordenação maior entre os agentes da cadeia, compartilhando esforços por todos os integrantes da cadeia da carne.

As informações conhecidas pelo varejo devem ser em breve, repassadas para o consumidor, pois algumas empresas já estão se programando para esse tipo de comunicação. Essa situação vem acarretando algumas mudanças em relação ao treinamento de pessoal e adoção de tecnologias. Na distribuição da carne bovina, a utilização da Tecnologia de Informação resume-se ao uso ainda parcial do código de barras, normalmente a partir do próprio varejo, sem contar muitas vezes com as informações específicas do frigorífico e da produção no campo.

A necessidade de investimentos no processo de rastreabilidade, por parte do varejo, vai depender do amadurecimento do sistema. Apesar de todo esse empenho em oferecer produtos que sejam adequados às necessidades dos consumidores, o papel do varejo em um primeiro momento, segundo definição própria, não é o de coordenação da cadeia, e sim, o de oferecer um maior valor agregado ao cliente.

Considerações finais

Existem vários pontos conflitantes no processo de rastreabilidade. Essa situação foi percebida durante o transcorrer da pesquisa, evidenciando que a falta de informações foi um dos principais motivos dos desencontros de opiniões acerca da implantação do processo de rastreabilidade. A falta de informações está sendo gradativamente resolvida, devido ao amadurecimento natural do processo de rastreabilidade, aliado ao trabalho de técnicos ligados ao setor.

Um procedimento importante a ser adotado pelas indústrias consiste no repasse, aos produtores, das informações mercadológicas recebidas do varejo, para que estes possam adotar práticas adequadas às demandas dos consumidores. No segmento varejista, foi possível observar um grande interesse pela implantação do processo de rastreabilidade. O principal motivo para isso está relacionado ao crescente interesse das grandes redes na diferenciação dos produtos, principalmente aqueles que geram aumento do fluxo de clientes nas lojas, como os perecíveis, por exemplo.

A atividade pecuária necessita de um novo posicionamento em todos os segmentos da cadeia, visando adequar-se às novas demandas do mercado consumidor, cada vez mais exigente e segmentado. A rastreabilidade representa um valioso recurso, pelo qual os segmentos da cadeia produtiva podem estabelecer uma comunicação clara com o mercado, já que a transmissão das informações do setor produtivo representa a segurança dos consumidores na outra ponta da cadeia.

* Artigo originado de pesquisa conduzida pelo Grupo de Estudos e Pesquisas Agroindustriais – GEPAI - DEP/UFSCar, financiado pela FINEP (Projeto Recope) em 2003.

João Guilherme de C. F. Machado

Doutorando UFSCar

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