Realidade e perspectivas do Brasil na produção de alimentos e agroenergia, com ênfase na soja

Pesquisadores destacam a soja no contexto mundial e perspectivas para a cultura no Brasil

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

Chegou a vez do Brasil despertar o gigante adormecido que vive dentro dele e que permaneceu "deitado em berço esplêndido" durante quase cinco séculos. Pode parecer provocação, mas a atual alta no preço dos produtos agrícolas foi uma bênção para o Brasil. Nunca, como agora (2007/08), o cenário nacional e mundial esteve tão favorável para o Brasil crescer, principalmente via produção de alimentos e de bioenergia. Tudo conspira a favor do nosso desenvolvimento econômico. Temos o que o mundo moderno mais precisa: minérios, alimentos e energia – tanto a fóssil (petróleo), quanto a renovável (etanol e biodiesel, principalmente). O "país do futuro" tem, finalmente, um encontro com a oportunidade, que o tornará um país do presente.

Já somos o primeiro produtor mundial de café, açúcar, feijão e suco de laranja; o segundo de soja, de carne bovina, de tabaco e de álcool; o terceiro de milho, de frutas e de carne de frango e o quarto de carne suína. Em contrapartida, com exceção do milho, o Brasil é fraco na produção de cereais (trigo, arroz, sorgo, cevada e centeio), principalmente de trigo, onde figura como o maior importador global do grão, apesar de uma colheita de 5,16 milhões de toneladas, prevista para 2008.

Sendo primeiro produtor de apenas quatro produtos agrícolas, o Brasil, no entanto, lidera na exportação de oito: soja, café, açúcar, carne bovina, carne de frango, suco de laranja, tabaco e etanol, e sinaliza com potencial para ir muito além, dadas as condições favoráveis de terra, clima, tecnologia tropical e empreendedorismo dos seus

produtores.

O setor agroindustrial brasileiro cresce significativamente há décadas, resultado da expansão da área de produção e, principalmente, do aumento da produtividade. Hoje, o setor responde por cerca de 24% do Produto Interno Bruto, pela geração de 37% dos empregos e por 36% das exportações totais, que, em 2000, somaram US$ 20,6 bilhões, evoluíram para US$ 58,4 bilhões, em 2007 e prometem superar os US$ 70 bilhões, em 2008, contribuindo com a totalidade (1994 a 2004 e em 2007) ou a maior parcela (85% em 2005 e 90% em 2006) do superávit da balança comercial brasileira das últimas décadas. O superávit do setor, em 2007, foi de US$ 42 bilhões e sinaliza para um montante ainda maior em 2008, quando, se estima, o complexo soja e as carnes, responderão por 80% do saldo.

Desde a década de 1970 até 2007, o complexo soja liderou absoluto as exportações do agronegócio brasileiro, enquanto o complexo agroindustrial de carnes figurava como um player secundário no mercado global. A partir de 2008, no entanto, a exportação de carnes superou em valor, as exportações de soja, resultado do impressionante crescimento da produção e da qualidade das carnes produzidas no país durante as últimas décadas.

De exportador marginal, em menos de 30 anos o Brasil converteu-se em líder mundial do mercado, com mais de 150 países compradores. No período 1994/2008, a carne bovina, suína e de frango cresceu, respectivamente, 100% (5,2 para 10,4 milhões de toneladas), 138% (1,3 para 3,1 milhões de toneladas e 226% (3,4 para 11.1 milhões de toneladas). Atualmente, o Brasil abate 450 milhões de frangos/mês.

O que mais diferencia o Brasil dos demais países grandes produtores de alimentos e de bioenergia, é nossa capacidade para produzir mais, muito mais. Dominamos a tecnologia que nos permite produzir em regiões tropicais, onde há muita luz e calor, o que favorece a produção de dois ou até três cultivos na mesma terra e no mesmo ano.

Temos muita terra, água e o clima é favorável.

The Financial Times, o mais importante jornal econômico europeu, realizou extensa análise sobre o Brasil agrícola, em duas reportagens. Na primeira (23/6/2005) escreveu: "além de seus atuais 62 milhões de hectares de lavouras, o Brasil possui cerca de 170 milhões de hectares de terras virgens, aptas e disponíveis para a produção agrícola, o que corresponde a, aproximadamente, toda a atual área cultivada dos Estados Unidos (EUA). O Brasil está para a agricultura, assim como a China está para os manufaturados; é uma potência agrícola a cujo tamanho e eficiência poucos competidores são capazes de igualar". Em uma segunda reportagem (8/7/2008) - apesar de alertar que a infra-estrutura do Brasil é caótica - ele acrescentou: "não seria exagero dizer que o Brasil está à beira do status de superpotência, pois além de ser um dos maiores produtores agrícolas do mundo, está entre os líderes da indústria automobilística e em breve deverá se tornar, também, um importante exportador de petróleo".

Esses comentários foram reforçados pelo The New York Times (2/10/2007), o mais prestigiado jornal dos EUA: "o Brasil é uma superpotência agrícola, destinado a ultrapassar os EUA como líder mundial na exportação de alimentos". Este jornal, fazendo um paralelo entre o Brasil e os EUA, informa que o Brasil tem 394 milhões de hectares agricultáveis, dos quais apenas utiliza 16%, enquanto que os EUA possuem área muito menor (269 milhões ha), da qual utilizam um percentual muito maior (70%).

A polêmica sobre segurança alimentar intensificou-se com o crescimento do interesse global pela produção e consumo de biocombustíveis, logo após a divulgação do relatório do IPCC (sigla em inglês para Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), em fevereiro de 2006, quando o mundo tomou conhecimento sobre as reais ameaças do aquecimento global causado pelos gases de efeito estufa, particularmente o CO originado da queima dos 2 combustíveis fósseis. Os biocombustíveis representam, no curto prazo, a fonte de energia renovável e limpa mais viável. O Brasil foi posto no olho desse furacão porque é o país que tem o maior potencial para produzir bioenergia, sem comprometer a produção de alimentos. Segundo a FAO (organização da ONU que cuida dos alimentos), somente o Brasil poderia dispor de até 549 milhões de hectares para atividades agrícolas, de cujo total, apenas 65 milhões estão sendo cultivados.

Do total da área agricultável do Brasil, 220 milhões de hectares estão cobertos com pastagens, dentre os quais se destacam 80 milhões de hectares em estado de degradação. Apenas recuperando essas pastagens degradadas, a produção de carne se manteria inalterada e liberaria 40 milhões de hectares para a produção de alimentos e bioenergia. Nossa atual produção de álcool, cuja contribuição na matriz energética brasileira já supera a que provém das hidroelétricas, ocupa tão somente 6,5 milhões de hectares. Portanto, o potencial do Brasil como produtor de alimentos e de bioenergia não tem paralelo neste planeta.

No entanto, assim que empresários vinculados à agroindústria da bioenergia atenderam à demanda por fontes renováveis e limpas de energia e investiram na produção e processamento de culturas energéticas, surgiram manifestações indicando preocupação com os efeitos sobre a segurança alimentar; algumas justas e racionais, outras de cunho ideológico e totalmente desprovidas de argumentos minimamente aceitáveis.

Uma das críticas equivocadas foi atribuir aos biocombustíveis a atual alta do preço dos alimentos. O Brasil e a alta no preço dos alimentos. São globais as reclamações contra a alta no preço dos alimentos. No Brasil, por sermos grandes produtores de grãos e carnes, o impacto está sendo menor do que na maioria dos demais países. Mesmo assim, também o consumidor brasileiro está percebendo a diferença entre os preços vigentes em 2005/06, comparados aos de 2007/08. E para piorar, análises prospectivas realizadas por organismos nacionais e internacionais indicam que os preços permanecerão altos por muitos anos ainda. Pior, eles jamais recuarão aos valores anteriores, pela simples razão de que os custos para produzí-los cresceram na mesma velocidade dos preços de comercialização no mercado.

Com a atual melhoria na perspectiva de renda, o produtor rural deverá reagir e produzir mais alimento, embora não possa fazê-lo de imediato - principalmente na produção de carne bovina - já que no período de preços baixos o produtor, para sobreviver, foi obrigado a sacrificar as vacas que produzem os bezerros. Sem as vacas não há bezerros e sem os bezerros não haverá novilhos gordos para o abate. Simples assim.

Hipocritamente, muitas organizações e indivíduos, mundo afora, se levantaram contra a produção de biocombustíveis, culpando-os pelo aumento no custo dos alimentos, o que é uma falácia. Se bem que os biocombustíveis têm lá sua cota de responsabilidade na alta do preço da comida, principalmente o etanol feito de milho e de trigo, sua culpa é marginal. O Brasil é uma prova inconteste de que a produção de bioenergia não interferiu na produção de alimentos, pois cresceu a produção de ambos: no período de 2000 a 2007, a produção de etanol cresceu de 10 para 22 bilhões de litros e a de biodiesel passou de alguns milhares de litros para cerca de 1,2 bilhões de litros. No mesmo período, a produção brasileira de grãos cresceu 148%, passando de 58 para cerca de 143 milhões de toneladas.

Até o mais humilde cidadão sabe que a causa principal do movimento altista dos alimentos está no desequilíbrio entre a oferta e a demanda e que parte desse desequilíbrio poderia ser creditada ao desestímulo à produção, por causa do baixo preço dos produtos agrícolas dos últimos anos. É importante salientar aos consumidores urbanos que reclamam da alta dos alimentos, que seu preço ainda está baixo. Estudo da LMC International indica que de 1974 até 2001, o preço de alguns produtos estudados (milho, trigo, açúcar e óleos vegetais) caiu, em média, 2% ao ano: 54% no período Se o estudo continuasse, indicaria que os preços continuaram caindo até 2006.

A bem da verdade, se não ocorresse a atual recomposição de preços, provavelmente haveria falta de alimentos porque não haveria quem se interessasse por produzí-los. Portanto, é melhor ter comida mais cara, do que não ter comida alguma. Durante muitos anos o cidadão urbano comeu barato, enquanto o produtor rural se descapitalizou e empobreceu. Trabalhou para colher prejuízos. Muitos, além de sacrificar as vacas que geram os bezerros, também venderam as suas terras e migraram para a periferia das cidades, onde constituem mão de obra desqualificada, resultando em desemprego ou sub-empregos.

As causas do desequilíbrio entre a oferta e a demanda de alimentos são muitas, mas a principal delas é o crescimento econômico dos países em desenvolvimento, particularmente do bloco conhecido por BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), o qual responde por quase 50% da população mundial, 20% da área do Planeta e 15% do PIB global. Crescimento da economia significa aumento da renda/cápita, que promove o aumento da demanda, inclusive de alimentos. Estudos indicam que a renda/cápita dos países em desenvolvimento cresceu 7,1% na última década, contra apenas 2,2% dos países desenvolvidos. Outro dado mostra que em 1990, 32% da população global não ingeria a quantidade de calorias diárias necessárias.

Hoje, essa parcela é de apenas 15%. Nesse período, somente a China incorporou 400 milhões de cidadãos ao mercado de consumo. Esses novos consumidores, somados aos seis milhões que nascem todo o mês, pressionam a demanda e a lei é clara: se a demanda é maior do que a oferta, o preço sobe. Cabe salientar, ainda, que não apenas aumentou o consumo de alimentos, como mudou o perfil do alimento consumido: diminuíram o consumo de grãos para aumentar o consumo de proteínas animais. No Brasil, por exemplo, tradicional consumidor de arroz e feijão, teve o consumo desses grãos reduzido em 6,1% e 10,2%, respectivamente, na última década. O mesmo ocorreu no resto do mundo, que, no período de 1976/2000, teve um aumento de apenas 2% no consumo de grãos (191 para 195 kg/pessoa/ano), contra um crescimento de 65% (48 para 79 kg/pessoa/ano) no consumo de carne bovina, que para produzir 1,0 kg são necessários 7,0 kg de grãos.

Além do crescimento econômico, que promoveu o aumento da renda/cápita, que promoveu o aumento do consumo, não podemos deixar de acrescentar outros fatores como responsáveis pela escalada dos preços dos alimentos, dentre os quais se destaca o aumento do custo de produção: o petróleo, que fornece o diesel usado no trator que cultiva a terra, no caminhão que traz os insumos e leva a produção e na colhedora que recolhe os grãos do campo, cresceu 350% - apenas nos últimos cinco anos. O minério de ferro, que fornece o aço usado na fabricação das máquinas e dos implementos agrícolas, cresceu 330% no mesmo período. Como produzir sem repassar esses custos ao produto final? Ademais das causas anteriormente citadas, podemos enumerar outras, não menos importantes, nessa guerra de preços:

· Subsídios à produção agrícola dos países ricos, o que desestimula a produção nos países mais pobres,

· Redução da área agrícola, em função do crescimento das áreas urbanas, das áreas de preservação ambiental, das áreas de parques e de rodovias,

· Estoques mundiais de alimentos em queda (nunca estiveram tão baixos),

· Desvalorização do dólar frente a outras moedas (inclusive ao Real),

· Especulação financeira dos fundos de investimento com commodities agrícolas (a produção mundial de trigo, milho e soja de 2007 foi vendida, respectivamente, 4.5, 9.4 e 19.6 vezes na Bolsa de Cereais de Chicago), e

· Mudanças climáticas provocando estiagens (Austrália e Ucrânia em 2007) e inundações (EUA em 2008).

A soja hoje cultivada mundo afora é muito diferente dos ancestrais que lhe deram origem. Nos seus primórdios, a soja era uma planta rasteira e habitava a costa leste da Ásia, principalmente a região norte da China. Sua evolução ocorreu de plantas oriundas de cruzamentos naturais entre duas espécies de soja selvagem, que foram domesticadas e melhoradas por cientistas da antiga China.

Apesar de conhecida como um grão sagrado e explorada intensamente na dieta alimentar do Oriente há mais de cinco mil anos, o Ocidente ignorou o seu cultivo até a segunda década do século vinte, quando os EUA iniciaram sua exploração comercial - primeiro como forrageira e, posteriormente, como grão. Em 1940, no auge do seu cultivo como forrageira foram cultivados, naquele país, cerca de dois milhões de hectares com tal propósito. A partir de 1941, a área cultivada para grãos superou a cultivada para forragem, cujo cultivo declinou rapidamente até desaparecer em meados dos anos 60, enquanto a área cultivada para a produção de grãos crescia de forma exponencial, não apenas nos EUA, como também no Brasil e na Argentina, principalmente.

Os três países são responsáveis por mais de 80% da produção mundial.(Fig 2).

No contexto das grandes culturas produtoras de grãos, a soja foi a que mais cresceu em termos percentuais nos últimos 37 anos, tanto no Brasil quanto em nível mundial. De 1970 a 2007, o crescimento da produção global foi da ordem de 500% (de 44 para 220 milhões de toneladas), enquanto as produções de culturas como trigo, arroz, milho, feijão, cevada e girassol cresceram, no máximo, uma terceira parte desse montante (Fig 3).

A soja, apesar do seu baixo teor de óleo (18/20%), é a segunda oleaginosa mais importante do planeta, depois do dendê. Atualmente responde por 30% do óleo vegetal produzido no mundo, contra 34% do dendê (óleo da polpa e da amêndoa). Estas duas oleaginosas, mais colza e girassol, respondem por quase 90% do óleo vegetal produzido em nível global (Fig 4).

O elevado teor em proteínas (40%) faz do farelo de soja a principal matéria prima na fabricação de rações para alimentação de animais. Quase 70% do farelo protéico das rações que alimentam os animais domésticos vêm da soja (Fig 5).

As elevadas taxas de aumento da produção de soja em nível mundial (superior a cinco milhões de toneladas/ano, no período 1970-2007), deverão manter-se, segundo estimativas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD) e Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), não apenas pela expectativa de crescimento vegetativo da população (70 milhões/ano), mas, principalmente, pelo atual ritmo de crescimento econômico mundial, que demanda volumes crescentes de soja para suprir as necessidades de farelos protéicos utilizados na ração de animais produtores de carne - produto cada vez mais consumido, como resultado do crescimento da renda/cápita dessas populações.

A demanda por óleos vegetais, também, deverá crescer, principalmente pelo aumento do consumo/cápita dos países emergentes, considerando que o consumo médio anual de óleo comestível de um cidadão de país desenvolvido é de cerca de 50 litros, enquanto que a média mundial está próxima dos 20 litros/pessoa/ano (Fig 6). A demanda por óleos vegetais será, igualmente, pressionada pela sua utilização como biocombustível (biodiesel e H-Bio), a nova alavanca de consumo do óleo vegetal brasileiro, onde a soja responde por quase 90% da produção nacional.

Dentre os grandes produtores mundiais de soja (EUA, Brasil e Argentina), o Brasil figura com o maior potencial de expansão da área cultivada, podendo multiplicar a atual produção e suprir a esperada demanda adicional pelo produto das próximas décadas. Para 2020, a produção projetada para o Brasil é de 105 milhões de toneladas, quando será destacadamente o maior produtor e exportador do produto (Fig 7).

O desenvolvimento da soja no Brasil iniciou-se quando os primeiros materiais genéticos foram introduzidos no país e testados no Estado da Bahia (BA), em 1882. O germoplasma fora trazido dos EUA, não era adaptado para as condições de baixa latitude daquele estado (12ºS) e não teve êxito na região. Uma década mais tarde (1891), novos materiais foram testados para as condições do Estado de São Paulo (SP - latitude de 23ºS) onde teve relativo êxito na produção de feno e grãos. Em 1900, a soja foi testada no Rio Grande do Sul (RS), o mais setentrional dos estados brasileiros (latitudes 28ºS a 34ºS), onde as condições climáticas são similares àquelas prevalentes na região de origem dos materiais avaliados (sul dos EUA).

Assim como ocorreu nos EUA durante as décadas de 1920 a 1940, as primeiras cultivares de soja introduzidas no Brasil foram estudadas, mais com o propósito de avaliar seu desempenho como forrageiras, do que como plantas produtoras de grãos para a indústria de farelos e óleos.

Em 2007, o Brasil comemora os 125 anos de introdução da soja em seu território, onde ela permaneceu quase esquecida por cerca de 70 anos (1882/1950). Até os anos 50, a pequena produção da oleaginosa era consumida como forragem para bovinos ou como grão para o engorde de suínos nas pequenas unidades produtoras do interior gaúcho. Sua trajetória de crescimento, sem paralelo na história do país, começou na década de 1960 e, em menos de vinte anos, converteu-se na cultura líder do agronegócio brasileiro (Fig 8 e Fig 12).

A primeira referência de produção comercial de soja no Brasil data de 1941 (área cultivada de 640 ha, produção de 450 toneladas e rendimento de 700 kg/ha) e, o primeiro registro internacional do Brasil como produtor de soja data de 1949, com uma produção de 25 mil toneladas. Alcançou as 100 mil toneladas em meados dos anos 50 e na década de 1960, a soja se estabeleceu definitivamente como cultura economicamente importante para o Brasil, passando de 206 mil toneladas (1960) para 1,06 milhão de toneladas (1969). Cerca de 98% desse volume era produzido nos três estados da região sul, em áreas onde prevalecia a combinação: trigo no inverno e soja no verão.

Apesar do expressivo crescimento da produção ao longo dos anos 60, foi na década seguinte que a produção da soja mais cresceu e se consolidou como a principal cultura do agronegócio nacional, passando de 1,5 milhão de toneladas, em 1970, para mais de 15 milhões de toneladas, em 1979. Esse crescimento se deveu, não apenas ao aumento da área cultivada (1,3 milhões de hectares para 8,8 milhões de hectares), mas, também, ao expressivo incremento da produtividade (1.140 kg/ha, para 1.730 kg/ha).

No final dos anos 70, mais de 80% da produção brasileira de soja ainda se concentrava nos três estados da região sul, embora o Cerrado, na região central do país, sinalizasse que participaria como importante ator no processo produtivo da oleaginosa, o que efetivamente ocorreu a partir da década de 1980. Em 1970, menos de 2% da produção nacional foi colhida nessa região e estava concentrada no Estado de Mato Grosso do Sul (MS). Em 1980, essa porcentagem passou para 20%, em 1990 já era superior a 40% e, em 2007 contribuiu com 58,5%, com tendências a ocupar maior espaço a cada nova safra.

A indica o crescimento da produção de soja nos últimos 38 anos na região sul, comparado ao da região central do país. Considerando-se a produção média dos anos 70, com a produção de 2007, observa-se que a produção da região sul cresceu apenas 3 vezes (7,3 milhões de toneladas para 22,1 milhões de toneladas), enquanto que o da região central do Brasil cresceu 75 vezes (500 toneladas para 37,8 milhões de toneladas). Essa transformação promoveu e consolidou o Estado de Mato Grosso (MT) como o líder nacional da produção de soja

Muitos fatores contribuíram para que a soja se estabelecesse como uma importante cultura, primeiro no sul do Brasil (anos 60 e 70) e, a partir dos anos 80, na região central do país. Entre as causas que contribuíram para o rápido estabelecimento na região sul, pode-se destacar:

1. Semelhança do ecossistema do sul do Brasil com aquele predominante no sul dos EUA, favorecendo o sucesso na transferência e adoção de cultivares e outras tecnologias de produção.

2. Estabelecimento da "Operação Tatu" (calagem e fertilização dos solos ácidos e inférteis) no estado do RS, em meados dos anos 60, onde se concentrava a quase totalidade da produção brasileira de soja.

3. Incentivos fiscais aos produtores de trigo durante os anos 50, 60 e 70, beneficiando igualmente o cultivo da soja, que utilizava, no verão, as mesmas áreas, mão de obra e maquinaria do trigo.

4. Mercado internacional em alta, principalmente na primeira metade dos anos 70, como conseqüência da frustração da colheita de grãos na ex-União Soviética e China, assim como da pesca de anchova no Peru, cujo farelo era amplamente utilizado como componente protéico na fabricação de rações para animais domésticos, forçando os fabricantes de rações, a utilizar o farelo de soja a partir de então.

5. Substituição das gorduras animais (banha e manteiga) por óleos vegetais e margarinas, mais saudáveis ao consumo humano.

6. Estabelecimento de um importante parque industrial de processamento de soja, de desenvolvimento e produção de máquinas e implementos, assim como, de produção de insumos agrícolas (anos 70/80).

7. Facilidades de mecanização total da cultura.

8. Estabelecimento de um sistema cooperativista dinâmico e eficiente, que apoiou fortemente a produção, o processamento e a comercialização das colheitas.

9. Estabelecimento de uma bem articulada rede de pesquisa de soja, envolvendo os poderes públicos federal e estadual, apoiada financeiramente pela indústria privada e,

10. Melhorias nas estradas, nos portos e nas comunicações, facilitando e agilizando o transporte e as exportações.

Para a região central do Brasil, atualmente o principal centro produtor de soja do país, pode-se destacar as seguintes causas para explicar o espetacular crescimento de sua produção a partir dos anos 80:

1. Construção da nova Capital Federal (Brasília) na região, determinando uma série de melhorias na infra-estrutura regional, principalmente vias de acesso, comunicações e

urbanização.

2. Incentivos fiscais para a abertura de novas áreas de produção agrícola, para a aquisição de máquinas e para a construção de silos e armazéns.

3. Incentivos fiscais para o estabelecimento de agroindústrias produtoras e processadoras de grãos e de carnes.

4. Valor baixo das terras da região, comparado aos preços então praticados na região sul, durante as décadas de 1960, 1970 e 1980.

5. Desenvolvimento de um bem sucedido conjunto de tecnologias para a produção de soja em zonas tropicais, com destaque para as novas cultivares adaptadas a condições de baixas latitudes.

6. Topografia plana, altamente favorável à mecanização, favorecendo o uso de máquinas e equipamentos de grande porte, o que propicia economia de mão de obra pelo maior rendimento dessas máquinas nas operações de preparo do solo, tratos culturais e colheita.

7. Boas condições físicas dos solos da região, facilitando as operações do maquinário agrícola.

8. Melhorias no sistema de transporte regional, com o estabelecimento de corredores de exportação (ainda deficientes), utilizando articuladamente rodovias, ferrovias e hidrovias.

9. Bom nível econômico e tecnológico dos produtores de soja da região, oriundos, em sua maioria, da região sul, onde cultivavam soja com sucesso previamente à sua fixação na região tropical e,

10. Regime pluviométrico altamente favorável aos cultivos de verão, em contraste com os freqüentes veranicos ocorrentes na região sul, destacadamente no estado do RS.

Impactos positivos da soja para o Brasil A revolução socio-econômica e tecnológica protagonizada pela soja no Brasil Moderno pode ser comparada ao fenômeno ocorrido com o ciclo da cana-de-açúcar, da borracha e do café, que, em distintos

períodos dos séculos XVII a XX, comandaram o comércio exterior do país.

Avançando sobre novas fronteiras agrícolas na busca de terras abundantes e baratas, milhares de dinâmicos e arrojados produtores de soja da região sul do Brasil migraram para o despovoado e desvalorizado Cerrado brasileiro, levando desenvolvimento e promovendo a implantação de uma nova cultura na região central do país. Centenas de pequenos povoados nasceram no vazio do Cerrado, transformando-se, ao longo das quatro últimas décadas, em cidades de pequeno, médio e grande porte e valorizando

enormemente as terras da região, hoje tão valiosas quanto as da região sul.

A receita estimada proveniente das exportações do complexo soja de 2008 supera os 17 bilhões de dólares, representando mais de 10% do total exportado pelo País. Todavia, mais importante do que os benefícios diretos provenientes das exportações, são os benefícios indiretos derivados da sua extensa cadeia produtiva, que superam em mais de cinco vezes esse montante.

O espetacular crescimento da produção de soja no país, de cerca de 40 vezes ao longo dos últimos 48 anos: 1,5 (1970) para 60 (2008) milhões de toneladas, determinou uma cadeia de mudanças sem precedentes na história da agricultura brasileira. Foi a soja, inicialmente apoiada pelo trigo, a grande responsável pela implementação da agricultura comercial no Brasil.

Ela, também, apoiou ou foi a grande responsável por acelerar a mecanização das lavouras brasileiras, por modernizar o sistema de transportes, por expandir a fronteira agrícola, por profissionalizar e incrementar o comércio internacional, por modificar e enriquecer a dieta alimentar dos brasileiros, por acelerar a urbanização do país, por interiorizar a população brasileira (excessivamente concentrada no sul, sudeste e litoral do nordeste), por tecnificar outras culturas (destacadamente a do milho). A soja, também, impulsionou e descentralizou a agroindústria nacional, patrocinando a expansão da produção de suínos e aves.

É muito positivo para Brasil o cenário futuro da soja. A área e a produção deverão crescer substancialmente, como conseqüência do incremento da demanda por carnes e biodiesel e à disponibilidade, no Brasil, de mais de 100 milhões de hectares de terras aptas para a produção, apenas no ecossistema do Cerrado. A expectativa de crescimento da produção nacional e da demanda mundial pode ser creditada aos seguintes fatores:

1. Aumento da população humana ao ritmo de 70 milhões/ano.

2. Aumento da idade média da população, que se sobrepõe aos novos cidadãos.

3. Aumento da renda/capita da população, destacadamente no continente asiático, onde está o maior contingente de

potenciais consumidores da oleaginosa, principalmente via consumo de carnes, produzidas a partir dos farelos de soja e de milho.

4. Substituição do farelo de carne, elaborado a partir de restos de carcaças bovinas, pelos riscos que isto representa na transmissão do Mal-da-Vaca-Louca, mantendo aquecido o mercado do farelo de soja.

5. Potencial de utilização da soja como matéria prima para a indústria de biodiesel, tintas, lubrificantes, plásticos, entre outros.

6. Crescente aumento no consumo de farelo de soja para atender a crescente indústria de carnes em nível mundial e do Brasil, atualmente o maior exportador global.

7. Redução do protecionismo e dos subsídios à soja por parte dos países ricos, via pressão dos mercados e da Organização Mundial do Comércio, aumentando, conseqüentemente, os preços internacionais e estimulando a produção e as exportações brasileiras e,

8. Exoneração de parte dos pesados tributos incidentes sobre a cadeia produtiva da soja no Brasil, o que estimularia a produção e incrementaria sua competitividade

no mercado externo. Pode-se estimar, também, pelas tendências atuais do agronegócio brasileiro, que a produção de soja se concentrará cada vez mais nas grandes propriedades da região central do país. Os proprietários das pequenas e médias propriedades da região sul, por falta de competitividade na produção de grãos, tenderão a migrar para atividades agrícolas mais rentáveis (produção de leite, criação de suínos e aves, cultivo de frutas e de hortaliças, ecoturismo, entre outros), porque são atividades mais intensivas no uso de mão de obra, recurso geralmente abundante em pequenas propriedades familiares, onde o recurso escasso é a terra.

Feitas essas considerações, parece racional acreditar positivamente no futuro da produção brasileira de soja, já que os demais competidores do Brasil (EUA, China e Índia) estão com suas fronteiras agrícolas quase ou totalmente esgotadas.

Considerando a apresentada anteriormente, o Brasil é o país que mais crescerá na produção de soja, seguido pela Argentina. O Paraguai e a Bolívia, cuja expectativa de crescimento não aparece individualizada nesta figura, também deverão crescer significativamente, respondendo por parte do incremento indicado como "outros". A expectativa de incrementos na produção dos EUA é de 1% (mas poderá

decrescer por causa da necessidade de cultivar mais milho para atender as necessidades de etanol). Para crescer mais, os EUA terão que diminuir a área de outros cultivos, como já o fizeram em 2007, quando reduziram o plantio de soja em 4,8 milhões de hectares, para dar lugar a mais milho para a produção de etanol. China e Índia não têm condições de incrementar a área cultivada com soja, mas poderiam aumentar sua produção via incrementos na produtividade, a mais baixa entre os grandes produtores mundiais. Até 2020, o Brasil e a Argentina serão os grandes provedores ao incremento da demanda mundial de soja. Depois de 2020, o Brasil será a grande promessa de fornecimento à demanda

adicional, pela grande reserva de terras ainda disponíveis para esse cultivo.

Engº Agrônomo - Embrapa Soja

Cx. Postal 231 86001-970, Londrina, PR

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