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Especialista analisa as reações do consumidor diante das diferentes bitolas da variedade de abacaxi “Pérola”

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

Na fruticultura mundial tem-se observado, em relação a várias espécies, uma nítida preferência por frutos pequenos. Assim tem sido em relação ao mamão, com variedades do grupo Solo; também em relação ao abacate, com as variedades produzidas em Israel, e por aí vai.

Tal preferência tem sido altamente influenciada pelo fato de que os frutos menores são geralmente consumidos de uma só vez, sem as sobras que tanto entulham as geladeiras, onde permanecem absorvendo toda sorte de sabores e odores. Sem dúvidas, a lógica de evitar desperdícios e de ocupar mais racionalmente os espaços está presente na opção pelos frutos de tamanho menor, para o consumo in natura.

De forma estranha a essa tendência, tem-se verificado em relação ao nosso abacaxi ‘Pérola’, mais nitidamente a partir da década de noventa, uma demanda que tem trilhado um caminho inverso, ou seja: a “preferência” por frutos maiores pela maioria dos consumidores domésticos, notadamente nos mercados mais exigentes.

O Regulamento Técnico de Identidade e de Qualidade para a Classificação do Abacaxi, constante da Instrução Normativa/SARC N° 001, de 01/02/2002, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, estabelece para frutos de abacaxi de polpa branca, onde se insere a variedade Pérola, a seguinte classificação em relação ao peso:

Informações colhidas junto a produtores dão conta de que, nos mercados mais exigentes, cerca de 70% da preferência recai em frutos da classe 3 (>1,5 kg e até 1,8 kg) e apenas os 30% restantes pode ser atendida por frutos da classe 2 (>1,2 kg e até 1,5 kg). Não é difícil compreender a opção por frutos maiores quando se pensa no consumo em hotéis, restaurantes, serviços de bufês, hospitais etc. Pensando-se, no entanto, no consumo doméstico, uma questão surge com muita freqüência:

É nítida a carência de trabalhos de pesquisa, desenvolvidos formalmente junto ao público consumidor, com o objetivo de responder esta questão. Aferir sistematicamente tal “preferência”, assim como as razões que a tem determinado, pode resultar em valiosos subsídios para os produtores, tendo em vista o aperfeiçoamento dos seus sistemas produtivos de abacaxi.

As impropriedades em relação à “preferência” por frutos grandes não se restringem apenas ao desperdício da parte não consumida, nem à ocupação desnecessária de espaços nas geladeiras. Trazem em si outras implicações, que justificam uma apreciação mais ampla e específica do assunto.

Considerando as características da variedade Pérola, a produção de um percentual maior daqueles frutos grandes implica necessariamente na utilização de baixas densidades de plantio, com a conseqüente diminuição no número de frutos colhidos e na produtividade (t/ha) da cultura. Paralelamente, exige a utilização de adubações mais pesadas, o que concorre para o aumento dos custos de produção. Assim, em nome de uma mal esclarecida “preferência” dos consumidores, comprometem-se quesitos importantes do sistema de produção do abacaxi ‘Pérola’, com as conseqüentes reduções na sua eficiência e na lucratividade dos produtores, sem falar que o excessivo consumo de adubos coloca-se na contramão dos apelos de preservação ambiental, tão presentes nos sistemas de produção integrados e/ou orgânicos, cada vez mais exigidos no mercado externo e no mercado interno mais sofisticado.

Não obstante a carência de dados conclusivos sobre a questão, pode-se inferir que, dentre outras causas, o processo de comercialização dos frutos historicamente praticado no Brasil, considerando a unidade, e não o peso, tenha contribuído significativamente para as crescentes exigências quanto ao maior tamanho. Adquirindo-os por unidades, na etapa inicial do processo de comercialização, os intermediários passaram, progressivamente, a exigir dos produtores frutos sempre grandes, com o intuito de competir melhor nos segmentos subseqüentes do mercado. Como conseqüência, passou-se a rejeitar, ainda no campo, os frutos menores. Absurdamente, em algumas regiões produtoras tal rejeição chegou a alcançar frutos perfeitos com pesos variando entre 1,0 e 1,4 kg!

Seguindo a mesma lógica, os atores da etapa intermediária da comercialização, onde se incluem os centros de distribuição, cadeias de lojas varejistas e, mais recentemente, os supermercados, mantinham a exigência dos frutos grandes, para bem impressionar os clientes na etapa final do processo. Estes, ao adquirirem os frutos também por unidades, optavam naturalmente por escolher os frutos maiores, expostos em feiras livres, em mercearias, casas de vendas de frutos e nas gôndolas dos supermercados.

É importante ressaltar que ao longo do tempo, em nenhuma dessas etapas da comercialização, construiu-se uma tradição de significativos diferenciais de preços em razão da oferta de frutos maiores. Ao contrário, situações com pequenas variações, e até sem variação alguma no preço dos frutos, em função do tamanho maior, foram sempre muito freqüentes, constituindo-se em forte estimulo à busca dos frutos grandes, que passou a permear todas as etapas do processo.

Seguramente, a oferta de frutos de diferentes tamanhos, associada à comercialização por peso, que tem crescido no mercado brasileiro, principalmente nas redes de supermercados, deverá concorrer para uma reavaliação da “preferência” pelos frutos grandes, quando a destinação for o consumo familiar doméstico. Também a oferta do produto minimamente processado, embalado em fatias, poderá dar uma contribuição positiva à aceitação/comercialização de frutos de tamanhos médios. E aí, quem sabe, poder-se-á intensificar a produção de frutos com pesos variando entre 1,0 kg e 1,3 kg, aumentando-se as densidades de plantio e/ou reduzindo-se o emprego de fertilizantes, com as conseqüentes reduções nos custos de produção, ampliação na margem de lucro dos produtores e oferta do produto final a preços mais acessíveis.

Ao menos, as donas de casa deverão se sentir recompensadas ao ver o fruto servido à mesa ser totalmente consumido, sem o risco de sobras para entulhar a sua geladeira ou para “engordar” o lixo da casa.

Um outro transtorno decorrente do tipo de comercialização até então predominante na abacaxicultura brasileira está relacionado às estatísticas de quantificação da produção. Enquanto no Brasil tal quantificação, realizada pelo IBGE, é feita por unidades de fruto, as estatísticas internacionais, feitas pela FAO, considera o peso. Tal situação exige constantes conversões de unidades, para compatibilização de estatísticas, provocando seguidos desencontros e confusões. Mas isso é assunto para ser discutido em outro artigo.

Embrapa Mandioca e Fruticultura

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