Tecnologia de futuro

A seleção de bovinos resistentes à verminose poderá colaborar com a redução dos custos de controle antiparasitário e proporcionar maior retorno econômico da atividade pecuária.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

A crescente competitividade do processo de produção de carne no país vem tornando a eficiência econômica cada vez mais importante para os criadores. Todo e qualquer fator que interfira no processo produtivo, seja este oriundo do manejo, reprodução, nutrição ou genética, deve ser conhecido e explorado ou sanado. Assim, existe um grande interesse do mercado nas tecnologias que proporcionem melhorias no rendimento econômico de cada sistema de produção existente, seja este extensivo, intensivo ou semi-intensivo.

Um dos mais antigos problemas do rebanho nacional e que atinge qualquer sistema de produção é a verminose, responsável por grande parcela de prejuízo na atividade pecuária. Normalmente, as infecções causadas por vermes ocasionam desde a diminuição do consumo e da capacidade de digestão e absorção dos nutrientes, redução no ganho de peso e no escore corporal, anemia, diarréia, em que a intensidade do quadro é influenciada pelo grau da infecção, até mesmo a morte dos animais (valor este que pode chegar a 2%). Praticamente 100% dos animais criados a campo possuem uma ou mais espécies destes vermes, no entanto, a categoria de bovinos mais acometida é a dos animais com até dois anos de idade. As perdas causadas pela infecção por helmintos são difíceis de serem mensuradas, porém estima-se que animais que não recebem tratamento anti-helmíntico tem desempenho de 30 a 70 kg/ano inferior ao dos animais que receberam tratamento adequado nas condições de Brasil central (Pinheiro, 1985; Soutello, 2001). Desta forma, tem-se que a omissão a tratamentos pode causar perdas de aproximadamente US$ 68 milhões somente na região centro-oeste do Brasil.

O grau de importância de um determinado nematódeo depende do ambiente estudado, já que estes são dependentes de condições climáticas de cada região. O parasita mais importante para os bovinos em ambiente tropical é o

presente no abomaso, que ocasiona grandes perdas de sangue. No entanto, também se encontram no rebanho nacional infecções por

, etc.

Atualmente, a questão da verminose é muito discutida porque há inúmeros fatores que podem afetar seu controle. Sabe-se que o estado nutricional do hospedeiro pode influenciar os efeitos adversos do parasitismo, pois animais bem nutridos resistem melhor aos efeitos dos parasitas (Soutello, 2001). Possíveis mudanças no metabolismo de proteínas e dor abdominal em animais com alta carga de helmintos podem ser as prováveis causas da diminuição do consumo voluntário dos animais. Desta forma, estudos indicam que animais a pasto recebendo suplementação protéica geralmente apresentam não só maior resistência, mas também suportam melhor a verminose que animais não suplementados (Soutello, 2001). A nutrição tem grande importância na produção de Imunoglobulina A (IgA), essencial para a resistência aos helmintos.

Considerando que a grande gama de produtos comerciais de tratamentos químicos, com diferentes princípios ativos, para controle da verminose foi utilizada indiscriminadamente ao longo de anos, trabalhos recentes demonstram graves sinais de resistência dos vermes à ação anti-helmíntica dos produtos (Soutello, 2003). Esta constatação é de extrema importância para os produtores de bovinos, que por muitas vezes, por estarem utilizando um produto comercial ao qual seu rebanho já apresenta resistência, perdem dinheiro com o custo da dose do vermífugo utilizado, aumentam os gastos com manejo dos animais e contribuem para a persistência da sintomatologia das infecções parasitárias e suas perdas. Estudos avaliando a eficiência de cada produto em rebanhos específicos, com particular histórico e comportamento, precisam ser mais difundidos para que o manejo sanitário aplicado tenha boa eficácia no controle da verminose.

O maior problema da verminose é que um número pequeno de indivíduos altamente infectados (animais susceptíveis) são os grandes responsáveis pela contaminação de todo o rebanho. A maneira mais tradicional de se avaliar o grau da verminose e estabelecer o manejo sanitário adequado para determinado rebanho é através da técnica da contagem de ovos de helmintos por grama de fezes (OPG). Desta forma, os bovinos podem ser divididos em três classes (Gasbarre et al., 2001):

1) Animais que nunca apresentam alto OPG (normalmente compreendem 25% da população – Resistentes)

2) Animais que demonstram OPG, mas com produtividade aquém do potencial (50% da população – Resilientes)

3) Animais que sempre mantêm o OPG em valores muito altos e produção seriamente comprometida (25% da população - Sensíveis)

Resistência a verminoses é definida como a habilidade de suprimir o estabelecimento e/ou subseqüente desenvolvimento da infecção causada pelos vermes, e resistência, quando o animal suporta a verminose, porém com comprometimentos na produtividade. Sabe-se que a habilidade do animal em adquirir imunidade e expressar resistência varia muito entre e dentre espécies, demonstrando ser um controle genético, comprovado em muitos estudos que utilizam OPG como parâmetro. A prova deste controle genético são trabalhos demonstrando que os valores de herdabilidade para resistência parasitária (o quanto desta característica é herdável e passada para a progênie) variam de 0,11 a 0,48 para os ovinos (Gauly et al., 2001), e é estimado em 0,30 para os bovinos (Gasbarre et al., 2001).

Desta maneira, a seleção para resistência dos bovinos aos vermes aparece como a melhor alternativa para aumentar a habilidade do animal em limitar o grau de infecção parasitária. Apesar de ser grande a quantidade de helmintos existentes, sabe-se que a resistência é similar entre todos os tipos, pois indivíduos resistentes apresentam resistência a qualquer verme. Em estudo de seleção de animais resistentes a verminoses na raça Wye Angus, foi verificado que quando se utiliza touros com número alto de OPG em uma população, há produção de bezerros com 20 vezes mais susceptibilidade a parasitas do que quando se utiliza touros que já apresentam resistência, ou seja, baixo OPG (Gasbarre et al., 2001).

Considerando que as técnicas clássicas podem apresentar alguns comprometimentos na detecção de animais resistentes e sensíveis, a procura dos genes responsáveis pela resistência genética dos bovinos aos vermes, através do mapeamento genético e dos estudos do genoma dos bovinos, surge como forte tendência. A maior parte das características economicamente importantes em produção animal são influenciadas por um número não definido de genes ou QTLs tão bem como fatores do ambiente. A resistência de bovinos a parasitas não é exceção.

Estudos da Nova Zelândia e de Coltman et al. (2001), mostram que os genes responsáveis pela resistência a parasitas estão no cromossomo 3 dos ovinos. Sabendo-se que o genoma dos bovinos tem 99% de homologia com o genoma dos ovinos, a manipulação do DNA parece ser uma das principais maneiras de alterar o comportamento de infecção por helmintos na população. Assim, a identificação individual, pelo uso das técnicas de biologia molecular, dos animais dentro de uma população que possuem potencial para resistência a vermes, apresenta vantagens que compreendem desde a redução de custos com a utilização dos anti-helmínticos, evitando principalmente o uso indiscriminado e o impacto ambiental causado por estas drogas, melhora da baixa condição imunológica dos animais susceptíveis através da utilização de vacinas, eliminação dos animais sensíveis do rebanho, até a redução das perdas produtivas causadas pelos helmintos. No entanto, é válido ressaltar que a combinação da seleção para resistência a parasitas e tratamentos químicos deve acontecer de maneira equilibrada, pois se os vermes foram quase que totalmente eliminados do rebanho pode ocorrer o fenômeno da “hipersensibilidade”, onde qualquer contato dos animais, que não foram expostos anteriormente, com os helmintos pode acarretar severas perdas.

Contudo, tem-se que a seleção de animais mais resistentes a parasitas torna-se uma importante ferramenta no combate à verminose dos bovinos. Desta forma, conhecendo-se a resistência genética individual, seja esta aferida pelas técnicas clássicas ou pelo uso da biologia molecular, pode-se selecionar e utilizar reprodutores com resistência genética ao parasitismo na população, possibilitando o aumento do número de animais com resistência na progênie. Esta estratégia de manejo será de extrema importância aos produtores de bovinos, pois colabora com a redução dos custos relacionados aos diversos tipos de controle antiparasitário, diminui o comprometimento dos índices zootécnicos, e invariavelmente incide em maior retorno econômico da atividade pecuária.

Liliane Suguisawa e Ricardo Velludo Gomes de Soutello

UNESP/Botucatu

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