Tecnologia em ação

Técnicas avançadas estão sendo utilizadas para aprimorar e acelerar o melhoramento genético do rebanho bovino.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

A procura por animais geneticamente superiores é um objetivo constante da produção animal, acarretando em grande interesse pelos produtores na comercialização de biotecnologia animal. Dentre as principais biotécnicas utilizadas para a promoção de aumento na produtividade dos rebanhos, destacam-se: inseminação artificial (IA), produção in vitro (PIV) e transferência de embriões (TE). As biotécnicas clonagem (TN) e transgênese possuem como propósitos o incremento na produtividade dos rebanhos e a produção de fármacos para fins biomédicos.

A inseminação artificial (IA) disseminou-se por rebanhos de todo o mundo, principalmente após o domínio da técnica de congelação de sêmen, que possibilitou o armazenamento e transporte do sêmen por tempo prolongado e por longas distâncias. Essa técnica é utilizada para a formação de rebanhos selecionados para características de interesse e promove melhora do manejo produtivo, permitindo a sincronização da estação de monta de acordo com a necessidade de cada propriedade.

Enquanto a IA permite a dispersão de material genético de machos superiores, a produção in vitro (PIV) e a transferência de embriões bovinos (TE), permitem que a fêmea, também, contribua para o progresso genético dos rebanhos. Assim como a congelação de sêmen foi indispensável para o sucesso da IA, a congelação de embriões, produzidos por TE e PIV, permite a comercialização do material genético de animais de elevada qualidade. Além disso, a congelação dos embriões previamente à transferência, faz-se necessária na maioria dos sistemas de TE e PIV, no Brasil, uma vez que nem sempre é possível a manutenção de grande número de receptoras.

A partir do domínio da técnica de PIV e da obtenção de gestações, tornou-se viável a manipulação genética dos embriões e do DNA. Em 1997, nasceu o primeiro clone produzido pela técnica de transferência nuclear (TN) a partir de uma célula de animal adulto: a ovelha Dolly. O propósito comercial da TN é a reprodução de animais transgênicos e de animais de alto valor genético, no entanto, essa técnica ainda apresenta eficiência muito baixa.

Atualmente, apesar de esbarrar em aspectos legais, uma biotecnologia bastante promissora é a transgênese, que consiste no controle da expressão de genes de interesse. Essa biotecnologia, utilizada para fins biomédicos e biofarmacêuticos, pode produzir animais resistentes a doenças ou com qualidades específicas, visando à melhora na qualidade da carne ou do leite.

Aplicações e Resultados

A TE (Transferência de Embriões) consiste na estimulação hormonal de uma doadora, inseminação, no momento do estro, e coleta dos embriões após 7 dias, por lavagem do útero. São recuperados, em média, 4 a 6 embriões viáveis por doadora. Dessa maneira, a TE possibilita o aumento, de 2 a 3 vezes, no número de descendentes produzidos por uma vaca durante sua vida reprodutiva. No entanto, um problema freqüente na TE é a variabilidade dos resultados obtidos: a maioria das doadoras não responde à superovulação ou responde com poucos embriões (1 a 3). Além disso, a utilização repetitiva do tratamento superovulatório pode provocar efeitos colaterais, como o desenvolvimento de cistos ovarianos e endometrites, afetando, assim, a fertilidade das fêmeas.

Já a PIV (Produção In Vitro) consiste na recuperação de gametas femininos (oócitos) a partir de fêmeas em idade e estado fisiológico variáveis e realização, no laboratório, de 3 etapas: maturação, fecundação e cultivo in vitro.

A obtenção massiva de oócitos para a PIV, a partir de animais vivos de alto valor genético, só se tornou comercialmente possível após o desenvolvimento da técnica de aspiração transvaginal guiada por ultra-som (OPU). A OPU pode ser aplicada em bezerras (acima de 6 meses de idade), novilhas, vacas gestantes (até 3 meses de gestação) ou não, inclusive em até 2-3 semanas após o parto, visto que a técnica não interfere no ciclo reprodutivo da doadora. A OPU pode ser realizada até 2 vezes por semana por várias semanas ou meses e permite a obtenção de 4 vezes mais embriões do que a TE em um mesmo intervalo de tempo. No entanto, tem sido consenso que aspirações com intervalos quinzenais ou mensais levam a menor desgaste dos animais. Os procedimentos para a OPU e PIV são mais caros que a TE e requerem laboratório especializado.

Das etapas realizadas no laboratório, a maturação in vitro (MIV) consiste na seleção e no cultivo dos oócitos graus I, II e III, em meio específico e condições de temperatura, atmosfera gasosa e umidade controladas, por período de 20-24 horas. A fecundação in vitro (FIV) baseia-se no cultivo simultâneo de oócitos e espermatozóides, por 6-18 horas. Assim, a FIV é influenciada tanto pela qualidade do oócito quanto do sêmen. O cultivo in vitro (CIV) consiste no desenvolvimento do embrião fecundado até o estádio de blastocisto, durante 7 dias, quando os embriões são selecionados para transferência ou congelados.

A PIV promove 30-50% de desenvolvimento embrionário e permite a produção de embriões para sexagem, bissecção, transferência, transgênese, clonagem e criopreservação. As taxas de gestação por PIV são muito variáveis e caem, ainda mais, quando são utilizados embriões congelados. Após a transferência de embriões PIV, pode ocorrer de 10-12% de perdas embrionárias, no primeiro trimestre da gestação, além de casos de mortalidade ao nascimento, decorrente de gestação prolongada, dificuldade de parto ou aumento do tamanho do bezerro.

A recuperação de oócitos por OPU associada à PIV permite a produção de uma gestação por doadora por semana. O propósito comercial da PIV é a obtenção de descendentes de fêmeas que não conseguem produzi-los por técnicas convencionais. Atualmente, a PIV é um complemento ao programa de TE e aplica-se a fêmeas que não respondem a tratamentos de superestimulação, que não produzem embriões transferíveis ou que possuem anormalidades adquiridas no trato reprodutivo, como adesões ovarianas ou obstruções tubáricas. Além disso, a PIV pode ser usada em animais em fases finais da vida (devido a idade, doença ou acidente). Em especial, a PIV maximiza a utilização do sêmen, que deve ser de alta qualidade, podendo ser, inclusive, sexado.

A seleção do sexo da cria de acordo com a demanda comercial da propriedade (reposição ou expansão do rebanho, venda de machos para corte etc.) sempre foi de grande interesse para o produtor rural. A sexagem pode ser realizada precocemente, no sêmen ou no embrião ou, mais tarde, no feto, por ultra-sonografia. No Brasil, a produção de sêmen sexado ainda está em fase de pesquisa e a sexagem de embriões requer biópsia e PCR (técnica de biologia molecular), sendo, portanto, necessários ambiente asséptico e equipamentos específicos. No Brasil, foram descritas taxas de gestação de 45,8% após transferência de embriões sexados (acurácia de 91%) e congelados.

Na tabela 1 (

), demonstramos os resultados obtidos de PIV de material coletado em matadouro no período de janeiro a agosto de 2003 do Laboratório de Fertilização in vitro do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva e Reprodução Animal – UNESP Jaboticabal. Com a intenção de melhorar a PIV e viabilizar a sua utilização comercial, foram utilizados dois meios de cultivo específico para MIV dos oócitos (1 e 2) e o meio controle do laboratório (Controle). Observamos que a MIV do oócito é uma etapa primordial para a obtenção de bons resultados na PIV. Além da MIV, outras etapas da PIV vêm sendo estudadas para favorecer a produção de embriões e tornar todo o processo laboratorial mais viável comercialmente.

Vários fatores interferem na eficiência dos programas de OPU-PIV. A superestimulação com hormônios (FSH) aumenta o número, a qualidade dos oócitos e o número de embriões transferíveis por sessão, e a raça dos animais e a habilidade do técnico que realiza a OPU influenciam os resultados obtidos. No Brasil, trabalhos demonstram a influência da habilidade da doadora em fornecer oócitos: variações de 14 a 54% na taxa de blastocisto em 20 doadoras avaliadas. Além desse fator, a idade do animal pode interferir na produção de oócitos e embriões. Um estudo com a raça Nelore obteve as seguintes taxas de produção de embriões: 32,4-41,3% em vacas, 23,8% em novilhas (9-14 meses) e 23,6% em bezerras (4-7 meses). Evidenciando, assim, menor eficiência da técnica em fêmeas impúberes e, também, em vacas senis. Outros fatores importantes (e pouco lembrados) para o sucesso da OPU-PIV são: touro, partida de sêmen e interação touro-vaca, que influenciam a qualidade dos embriões e as taxas de gestação.

Dessa maneira, apesar de resultados promissores, a PIV ainda apresenta limitações, tais como: baixo desenvolvimento até blastocisto, dificuldade de congelação dos embriões, menor viabilidade de oócitos de fêmeas pré-púberes, custo do embrião (superior à TE), dependência do estado da doadora. Conseqüentemente, vencidas as limitações, a PIV, por se tratar de uma ferramenta importante para o melhoramento genético dos rebanhos, aumentando a intensidade de seleção e diminuindo o intervalo entre gerações, será bastante utilizada visando ao aumento de produtividade animal e de lucratividade do produtor rural.

Joaquim Mansano Garcia, Simone Cristina Méo e Karina Beloti Avelino

FCAV – UNESP Jaboticabal

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