​Tombo alto

Doenças na produção de mudas são responsáveis por perdas graves na cultura do tomateiro, é o caso do tombamento

08.09.2016 | 20:59 (UTC -3)

O tomateiro (Solanum lycopersicum) é uma das hortaliças mais importantes do mundo. Trata-se de uma cultura com ciclo relativamente curto e de altos rendimentos. No Brasil, é considerada uma das principais hortaliças com produção de 3,6 milhões de toneladas com destaque para os estados de Goiás, São Paulo e Minas Gerais.

A produção de mudas constitui-se em uma das etapas-chave na cultura do tomate, pois dela depende o desempenho das plantas nas áreas de produção. Dentre os fatores importantes para a obtenção de mudas de boa qualidade está a seleção do substrato. A qualidade de um substrato depende da sua estrutura física e composição química, pois além da função de suporte, fornece nutrientes e armazena água para as plantas. Além disso, as populações microbianas nativas presentes no solo desempenham várias funções, tais como decomposição dos resíduos orgânicos com liberação de nutrientes e CO2, produção e liberação de substâncias estimuladoras do crescimento vegetal, estabelecimento de simbiose mutualista com plantas ou controle biológico de pragas e doenças que afetam as plantas. Existe uma relação positiva entre a supressão de doenças de plantas e a diversidade ou abundância da comunidade microbiana no solo.

Na cultura do tomateiro, são relatadas mais de 200 doenças que resultam em reduções significativas da produtividade. Embora raramente mais de cinco incidam simultaneamente, a ocorrência de algumas delas pode resultar em elevados danos e prejuízos. A falta de medidas eficazes para o controle dessas doenças ou o elevado custo de produção devido à intensiva aplicação de agroquímicos limita a produção de tomate a determinadas épocas e regiões de cultivo onde a incidência de doenças na cultura é menor. O tombamento de mudas é umas das doenças mais comuns na produção de mudas do tomateiro, sendo causada principalmente por oomicetos pertencentes ao gênero Pythium e ao fungo Rhizoctonia solani.

Pythium sp. sobrevive saprofiticamente como habitante do solo, sendo disseminado pela água. Os sintomas em plântulas são afinamento do caule, necrose na região do colo, murcha, tombamento e consequente morte. O tombamento de mudas ocorre em pré ou pós-emergência. O primeiro caso é caracterizado quando o ataque do patógeno resulta na morte da semente ou da semente em germinação, ainda em pré-emergência, muitas vezes confundido com a baixa capacidade de germinação. Já o tombamento em pós-emergência se caracteriza pelo tombamento da planta sobre o substrato. O tombamento pré-emergência ocorre frequentemente em solos com alta densidade de inóculo. Em condições de campo, em épocas chuvosas, pode atacar plantas com mais de 10cm de altura, formando lesões com aspecto aquoso e escuro que podem estender-se até 4cm acima do colo da planta. A incidência da doença é favorecida em áreas com plantio sucessivo da cultura. A doença pode ocorrer na forma de reboleiras nos canteiros.

O fungo R. solani pode causar tombamento de plântulas em pré e pós-emergência. Trata-se de um fungo que ataca grande número de plantas hospedeiras e pode permanecer no solo sobrevivendo como saprófita em restos culturais por longos períodos. Sua ocorrência geralmente está associada a chuvas ou irrigações excessivas e a plantas com excesso de vigor vegetativo como consequência da alta umidade no substrato. Adensamento de plantas e irrigação excessiva no viveiro podem favorecer a disseminação e a multiplicação do patógeno. Partes da planta contendo micélio e escleródios (estruturas de sobrevivência) do patógeno são fontes de inóculo para outras plantas no viveiro ou na lavoura.

Além das medidas de manejo já citadas (evitar adensamento de plântulas e irrigações excessivas), outras ações importantes são: evitar áreas sujeitas a inundações, utilizar sementes de alto vigor e o plantio a profundidades adequadas, além do uso correto do nitrogênio. O excesso desse nutriente faz com que os tecidos fiquem muito suculentos, tornando a planta suscetível por um período maior de tempo. Por um lado, o intuito é promover o rápido desenvolvimento da plântula, possibilitando a maturação dos tecidos que passam a ser mais resistentes e, por outro, evitar a ocorrência de condições do ambiente que favoreçam os patógenos. O uso de sementes sadias, o tratamento químico, biológico ou térmico de sementes, o tratamento de solo e/ou substrato e a rotação de culturas são medidas que objetivam a redução do inóculo do patógeno.

O controle biológico vem sendo utilizado como medida alternativa para reduzir os danos causados pelo tombamento em mudas. Caracteriza-se pela introdução de microrganismos não patogênicos de modo que o hospedeiro, quando na presença do patógeno, não sofra danos significativos. A utilização desse método de controle natural de doenças pode substituir ou complementar a utilização de produtos químicos.

O fungo Trichoderma sp. é um dos agentes de controle biológico mais utilizados na produção agrícola. Destaca-se por apresentar eficiência no controle de fitopatógenos que apresentam estruturas consideradas difíceis de serem atacadas por outros microrganismos, como esporos, escleródios, clamidósporos e microescleródios. Recentemente no Brasil, diferentes formulações à base de Trichoderma sp. vêm sendo comercializadas para aplicação em substratos destinados à produção de mudas, especialmente de hortaliças e ornamentais, onde têm sido observadas reduções significativas dos danos causados por Pythium sp. e R. solani.

No Departamento de Agronomia da Universidade Estadual de Londrina foram realizados experimentos em casa de vegetação para avaliar a eficiência do fungo Trichoderma sp. no controle do tombamento causado por R. solani e Pythium sp. na produção de mudas de tomateiro. Testaram-se sete isolados selvagens de Trichoderma sp. coletados de campos de cultivo de tomate, milho, couve e repolho, e quatro produtos comerciais à base de Trichoderma sp. Foram realizados dois experimentos diferentes, um para testar o controle do tombamento causado por Pythium e outro para o causado por R. solani. Para isso, os fungos fitopatógenos e Trichoderma foram inoculados no substrato onde foi realizada a semeadura do tomate.

De forma geral, Pythium sp. foi responsável pelo tombamento pré-emergente e R. solani do pós-emergente. No primeiro caso, o controle exercido por Trichoderma foi pouco eficiente, variando de 0% a 12%. No caso do tombamento causado por R. solani, o controle variou de 25,6% a 58,9% (Figura 1). Apesar de existirem muitos relatos sobre a eficiência do Trichoderma sp. em controlar ou reduzir os danos causados por Pythium, no presente trabalho não observou-se controle deste patógeno pela maioria dos isolados. Somente o Trichoderma isolado de campo de cultivo de tomateiro (TH tomate), controlou em 12% o tombamento causado por esse patógeno. A maior dificuldade no controle do tombamento causado por Pythium é que os propágulos desse patógeno respondem aos exsudados da semente em germinação colonizando rapidamente o tecido do hospedeiro. Dessa forma, a colonização de Pythium ocorre antes do fungo Trichoderma se estabelecer efetivamente ao redor da semente, resultando em alta incidência de tombamento pré-emergente. No caso de R. solani, o processo de infecção seria mais lento, facilitando o estabelecimento de Trichoderma. Em geral, a utilização dos isolados selvagens e dos produtos comerciais apresentou eficiência similar na redução do tombamento causado por R. solani, com exceção do Trichoderma isolado de campo de cultivo de milho (TH milho2), que apresentou controle do tombamento de quase 60%, diferenciando-se significativamente de todos os outros isolados.

Nos últimos anos, muitos trabalhos foram desenvolvidos relatando o sucesso do controle biológico de doenças de plantas, especificamente com a utilização de Trichoderma sp. no processo de produção de mudas. No entanto, ainda existem muitas dificuldades em relação à padronização das formulações utilizadas, processo que vai desde as etapas de seleção do isolado, a formulação dos produtos comerciais, até o estabelecimento do fungo Trichoderma sp. nas condições de campo. Selecionar os microrganismos biocontroladores na mesma região onde serão utilizados posteriormente poderia facilitar seu estabelecimento na lavoura. Além disso, a utilização de novas tecnologias no desenvolvimento das formulações à base de Trichoderma, como o encapsulamento de esporos para manutenção da viabilidade, contribuiria também para melhorar o estabelecimento em condições de campo. Dessa forma, a utilização do controle biológico se tornaria uma tática de controle mais eficaz, principalmente quando realizada em associação às outras medidas de manejo recomendadas.

Legenda:

Figura 1 - Porcentagem de controle do tombamento (pré-emergente e pós-emergente) causado por Pythium sp. e por Rhizoctonia solani utilizando isolados selvagens e formulações comerciais de Trichoderma. Abreviações: TH milho: Trichoderma isolado de solo com cultivo de milho, TH couve: isolado de couve, TH repolho: isolado de repolho, TH tomate: isolado de tomate, TH Comercial 1 a 4: produtos comerciais à base de Trichoderma harzianum.

Clique aqui para ler o artigo na exemplar 80 da Revista Cultivar Hortaliças e Frutas.

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