Como evolui a adoção de controle biológico para manejo de pragas no Brasil

Tendência mundial, o controle biológico tem crescido ao longo dos anos no Brasil, especialmente como parte do manejo integrado de pragas

11.09.2020 | 20:59 (UTC -3)
José Roberto Postali Parra, Alexandre José Ferreira Diniz e Aloísio Coelho Júnior, USP/Esalq

Quando se fala em controle de pragas no Brasil, o agricultor, de um modo geral, pensa em agroquímicos. É uma “cultura” arraigada no brasileiro que sempre foi difícil de mudar. É um tipo de controle que vem sendo utilizado desde 1939, após a descoberta das propriedades inseticidas do DDT por Paul Müller, pesquisa que lhe rendeu um prêmio Nobel. A partir daí, criou-se uma “cultura familiar” de que todos os problemas agrícolas seriam resolvidos com o uso de agroquímicos. Por mais que se fale em alternativas de controle, o agricultor brasileiro gosta de aplicar um produto químico e ver a praga morta no solo. A Entomologia Econômica brasileira nasceu e cresceu com base em métodos químicos.

Entretanto, são claros os resultados negativos decorrentes de uma aplicação inadequada de produtos químicos. Devido à ocorrência crescente de problemas, começaram a surgir pesquisadores preocupados em resolvê-los; entre eles, destacou-se a bióloga Rachel Carson, que em 1962 publicou o livro Primavera Silenciosa (Silent Spring) que chamava, de forma contundente, a atenção para as consequências da utilização incorreta dos produtos químicos. Seguiram-se outros trabalhos e no final da década de 1960 surgiram pesquisas com a filosofia de Manejo Integrado de Pragas (MIP), que previa a utilização de um conjunto de medidas para manter a população das pragas abaixo do nível de dano econômico, levando-se em conta critérios econômicos, ecológicos e sociais.

Assim como as plantas, todo animal possui seu agente de controle biológico
Assim como as plantas, todo animal possui seu agente de controle biológico

Alguns pesquisadores americanos se destacaram, dentre eles Marcos Kogan, brasileiro radicado na Universidade de Illinois, EUA, que transferiu a tecnologia para a soja, que estava em plena expansão no Brasil, o que fez com que esta cultura fosse uma das primeiras a utilizar o MIP no País.

Como parte do conjunto de medidas que compõe o MIP, o Controle Biológico, ocupa, ao lado de feromônios, métodos culturais, plantas transgênicas etc., lugar de destaque, sendo que os químicos, desde que adequadamente utilizados, podem ser incluídos, como produtos seletivos que matam as pragas, mas não os inimigos naturais.

O Controle Biológico como técnica aplicada teve seu início com a introdução da joaninha australiana (Rodolia cardinalis) para controlar o “pulgão branco” do citros em pomares na Califórnia. Os estudos que culminaram com essa introdução foram desenvolvidos na universidade daquele estado americano, considerado o berço do Controle Biológico moderno. Esta mesma universidade realizou em 1989, em Riverside, um simpósio para comemoração do centenário da primeira introdução bem-sucedida de um inimigo natural para controle de uma praga.

No entanto, a ação de inimigos naturais para controle de pragas já é conhecida desde a antiguidade, pois antes de Cristo, os chineses transportavam colônias de formigas predadoras para controle de lagartas em citros. Controle Biológico (CB) pode ser tecnicamente definido como “fenômeno natural que consiste na regulação de plantas e animais por organismos vivos, chamados agentes de mortalidade biótica”. Toda planta e todo animal possuem seu agente de Controle Biológico.

Inimigos naturais têm papel importante no manejo de pragas
Inimigos naturais têm papel importante no manejo de pragas

Mas o homem, nos primórdios das humanidade, desequilibrou o sistema, que estava todo em harmonia, para obtenção de alimentos em larga escala, fazendo com que, atualmente, por exemplo, grandes áreas contínuas de soja, arroz, feijão etc. fossem plantadas. Ao lado disso começaram as aplicações indiscriminadas de produtos químicos, intensificando o desequilíbrio.

O que preconiza atualmente é utilizar o CB, não necessariamente isolado, mas em muitas culturas, como parte do MIP, para reequilibrar o sistema.

Existem diferentes agentes de Controle Biológico, que podem ser divididos em macro e micro-organismos. Didaticamente pode-se dizer que o primeiro grupo corresponde àqueles que podem ser vistos a olho nu, como insetos e ácaros. Já os micro são aqueles visíveis apenas em microscópios e são compostos por fungos, vírus, bactérias, nematoides etc.

Todos, sejam macro ou micro-organismos, demandam tecnologia para sua produção com qualidade e em larga escala. No caso dos macros, o maior gargalo é a automação de produção do agente de controle biológico, pois, atualmente, de 70% a 80% do custo de produção destes agentes de controle se deve à mão de obra. Já no caso dos micros, o fator de maior importância é a formulação.

Na prática, o agricultor dá preferência aos micro-organismos, pois são mais semelhantes, na aplicação, aos químicos, tendo ainda um “tempo de prateleira” (shelf-life), ou seja, você pode comprar uma caixa de um produto contendo um fungo e utilizá-lo dentro de alguns meses. Isto não ocorre para macro-organismos, pois devem ser produzidos e liberados, caso contrário, os agentes biológicos morrem em pouco tempo.

O Brasil é um produtor de “commodities” e, portanto, um grande exportador. Para continuidade deste “status” é fundamental a adoção de práticas como o Controle Biológico, pois os mercados internacionais vêm exigindo, cada vez mais, produtos sem resíduos. Sustentabilidade é a palavra “mágica” hoje em dia. E restrições, inclusive políticas, tendem a aumentar cada vez mais para atender a essa sustentabilidade.

O Brasil tem um tipo de agricultura que não é fácil para se fazer Controle Biológico, pois são grandes áreas e com plantios sucessivos de diferentes culturas. As pragas se sucedem e aumentam sua população local sem precisar migrar para outras culturas.

Então, assim como o País é líder em Agricultura Tropical, pode se tornar líder em Controle Biológico para regiões tropicais. Este é o grande desafio: desenvolver um modelo de CB adequado às condições tropicais, pois grande parte das estratégias de CB foi desenvolvida para cultivos protegidos, como na Europa.

Portanto, não dá para, simplesmente, copiar modelos de outros países. É preciso desenvolver um programa próprio para a agricultura brasileira em campos abertos (open fields), em que um único agricultor planta milhares de hectares de uma única cultura (milho, soja etc.).

É preciso para aumentar a utilização do CB, mudar a “cultura do agricultor”. E para isto, é necessário divulgar o que realmente é o Controle Biológico. Existem ainda muitos mitos (Parra, 2019). O principal deles é que essa “cultura” do agricultor não pode ser mudada; outro é de que o CB é “coisa fácil”; que o custo deve ser mais barato que o controle químico (sem considerar as vantagens ecológicas e sociais); que é um método a longo prazo (baseando-se no início do CB, onde não existiam técnicas de criações massais de insetos e que, portanto, os insetos tinham de se multiplicar na cultura, pois eram liberados em pequenas quantidades e desse modo só serviriam para culturas perenes ou semiperenes) e que o CB seria a solução única e não parte de um programa de MIP, atualmente preconizado.

A facilidade mencionada como mito pode levar a fracassos, principalmente para micro-organismos, cuja produção, se não realizada de forma criteriosa, tende a levar a problemas de contaminação do produto e a uma baixa eficiência.

A “cultura” felizmente está mudando, pois no ano passado o CB movimentou cerca de R$ 500 milhões no mercado brasileiro, valor ainda pequeno se comparado aos químicos. Mas o aumento desta movimentação virá com a mudança da “cultura”. E há um marco para esta grande mudança. Em 2013, foi encontrada, pela primeira vez no Brasil, Helicoverpa armigera, praga com mais de 200 hospedeiros que ataca algodoeiro, soja, citros, milho etc. À época não existia nenhum produto químico registrado para a praga. E o agricultor teve que usar um vírus já comercializado em outros países e o Trichogramma pretiosum como parasitoide de ovos. Ambos funcionaram muito bem! Pena que a oferta destes insumos não atendeu a todos os interessados na época. Essa mudança vem acompanhada do surgimento de pequenas empresas de CB, como (startups) (Bug Agentes Biológicos e Promip, ambas saídas da USP/Esalq, por exemplo) e de grandes, como a Koppert, maior empresa de CB do mundo que entrou no País em 2010. Atualmente, quase todas as empresas de químicos têm um produto biológico no seu portfólio.

A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) tem um programa de incentivo às pequenas empresas (Pipe). Um grande número de startups de CB (cerca de 15) começou a aparecer. O aumento da oferta dos insumos biológicos permitirá o incentivo da utilização desta técnica de controle.

São ainda poucos os produtos registrados no Brasil em relação aos 440 existentes no mundo. É interessante lembrar que já existiam empresas de CB no Brasil desde a década de 1980 em Alagoas (Biotech), posteriormente a Biocontrol (Sertãozinho-SP), entre outras, ao lado de laboratórios de usinas de cana-de-açúcar e laboratórios independentes produzindo parasitoides para o controle da broca da cana (Diatraea saccharalis).

O que se faz em CB com macro-organismos é a liberação de uma grande quantidade de insetos ou ácaros para controle da praga. Portanto, há necessidade de domínio de técnicas de criação de dois insetos: a praga e o inimigo natural, às vezes com dietas artificiais que substituem o alimento natural para a praga. Este é o Controle Biológico Aumentativo (também chamado de Aplicado), que tem um efeito rápido sobre a praga, como os inseticidas, e é mais aceito pelo agricultor. Como são grandes áreas, há necessidade de se produzir grandes quantidades de insetos, que, muitas vezes, demandam sistemas automatizados. Existem outros tipos de CB para áreas menores, como o método de CB Clássico, que usa um inimigo natural exótico, liberando-se pequenas quantidades, e o resultado vem a longo prazo, porém é duradouro, servindo para culturas perenes e semiperenes. E o CB Conservativo, que é mais para pequenas áreas e tem por objetivo manter e, se possível, aumentar os inimigos naturais que já existem na área (aliado a outras técnicas como uso de produtos seletivos e manejo da resistência).

E mais recentemente foi referido um novo procedimento em CB. O Manejo Externo (Diniz et al., 2019), em que o inimigo natural é liberado fora do local de cultivo (onde se deseja a redução da praga), e é utilizado para pragas transmissoras de doenças como o psilídeo dos citros (Diaphorina citri), que é vetor das bactérias causadoras do Huanglongbing (HLB) ou Greening. Neste caso, o inimigo natural, o parasitoide (Tamarixia radiata) é liberado fora dos pomares comercias em locais onde há o foco da doença (nos quais os insetos contaminados se reproduzem), como pomares abandonados, orgânicos, áreas com murta (hospedeiro do psilídeo), fundos de quintal ou ainda áreas sem aplicação de inseticidas.

O Brasil tem uma grande diversidade que pode ser explorada, tanto de macro quanto de micro-organismos. Estes micro-organismos já vêm sendo bastante utilizados, milhões de hectares são atualmente tratados com Trichoderma harzianum (fungo para controle de doença, mas também como nutriente para plantas), Metarhizium anisopliae, Beauveria bassiana, Bacillus thuringiensis, B. subtilis, Cordyceps fumosoroseus etc. para controle de cigarrinhas da cana, das pastagens, broca do café, mosca-branca, lagartas de modo geral e psilídeo dos citros, entre outros. Os vírus específicos são comercializados para diversos lepidópteros, e os ácaros para olerícolas e flores.

Dentre os macro-organismos, a cana-de-açúcar é a cultura onde se aplicam mais medidas de CB: para o controle da broca é utilizado o parasitoide larval Cotesia flavipes em mais de três milhões de hectares e o parasitoide de ovos Trichogramma galloi em mais de dois milhões de hectares.

A espécie Trichogramma pretiosum vem sendo utilizada em algodoeiro e soja para lepidópteros, em abacateiro para Stenoma catenifer, em tomateiro para Tuta absoluta, em tabaco para Phthorimaea operculella.

Outros parasitoides vêm sendo utilizados para controle do percevejo-marrom da soja (Euschistus heros), no caso, Telenomus podisi; T. remus e/ou Trichogramma pretiosum para controle de Spodoptera frugiperda com muitos outros agentes potenciais e em estudos em diferentes culturas. Em todos, dependendo, ainda, de uma maior produção e oferta dos parasitoides e de predadores ao agricultor.

Uma lista de inimigos naturais utilizados no Brasil é apresentada na Tabela 1.

Os avanços do CB são evidentes no Brasil com o aumento de massa crítica de interessados em estudar o tema, formados nos últimos anos em cursos de pós-graduação. Esta é atualmente uma tendência mundial, pois há um anseio por uma agricultura sustentável em curto espaço de tempo.Portanto, há necessidade de investimentos, formação de recursos humanos e organização em torno do CB.

Existiu até 2019 a Associação Brasileira de Controle Biológico (ABCBio), que concentrava as empresas que definiam as diretrizes sobre o assunto no Brasil. Recentemente esta associação foi incorporada pela CropLife que, de modo geral, é relacionada à proteção de cultivos.

Investimentos começam a surgir. As grandes empresas de agroquímicos concentram esforços para terem produtos biológicos no seu portfólio. O governo começa a investir, havendo um grande programa de biocontroladores desenvolvido na Esalq, e apoiado pela Embrapii, ligado ao INCTI e ao pesquisador Ítalo Delalibera.

Em fevereiro foi lançado o SPARCBio, Centro de Excelência de CB, no qual há uma parceria entre a Universidade de São Paulo (USP), a Fapesp e a empresa Koppert Biological Systems.

O SPARCBio tem sede no Departamento de Entomologia e Acarologia da Esalq/USP e desenvolverá trabalhos desde a prospecção de novos agentes até a incorporação do CB em programas de MIP (Figura 1).

Figura 1 - Principais linhas de pesquisa do SPARCBio
Figura 1 - Principais linhas de pesquisa do SPARCBio

Além da importância da pesquisa, este Centro, que possui coordenação do professor José Roberto Postali Parra, procurará difundir o CB em diferentes níveis, desde o pré-universitário, o universitário, a pós-graduação e obviamente até o agricultor.

É óbvio que ainda há desafios, citados por Parra (2014), incluindo além da mudança da cultura do agricultor, problemas com a transferência de tecnologia ao campo; monitoramento de pragas, oferta dos insumos biológicos (necessidade de surgimento de mais empresas na área); qualidade do material biológico disponível, logística de armazenamento e transporte (considerando-se a extensão territorial do país); legislação própria e mais adequada; tecnologia de liberação, entre outros. Uma vez que a nova agricultura é muito dinâmica e envolve extensas áreas com transgênicos, estas deverão conviver, da melhor forma, com produtos biológicos.

Estes obstáculos começam a ser transpostos em alguns itens como a liberação de macro-organismos e monitoramento de pragas e o agricultor está se adaptando à Agricultura 4.0. Assim, em cana-de-açúcar, das áreas tratadas com T. galloi (> 2 milhões de hectares) 91% das liberações do parasitoide são feitas com uso de drones. Paralelamente, estudos com equipamentos adaptados aos drones permitirão a amostragem de pragas, para liberação de agentes de controle, com uso de sensoriamento remoto.

O Brasil avança, entretanto, para que a sociedade não seja desapontada, os estudos de CB envolvem diferentes etapas e para tal desenvolvimento. Às vezes são necessários alguns anos, como o caso de Trichogramma, que exigiu 15 anos com pesquisas inter e multidisciplinares envolvendo desde a prospecção do agente de controle biológico, sua taxonomia, até avaliação do custo- benefício para sua oferta ao agricultor (Figura 2).

Figura 2 - Etapas para desenvolvimento de um programa de Controle Biológico completo
Figura 2 - Etapas para desenvolvimento de um programa de Controle Biológico completo

Há estudos sendo iniciados em muitas áreas, e os desafios para regiões tropicais em “campos abertos” são diferentes de tudo o que já foi feito no mundo. Portanto, o grande desafio é desenvolver um modelo de CB para regiões tropicais feito com muito critério e ciência.

José Roberto Postali Parra, Alexandre José Ferreira Diniz e Aloísio Coelho Júnior, USP/Esalq

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