A preocupante queda de produtividade na cana

Análise do setor da cana feito pelo especialista Marcos Fava Neves

02.08.2019 | 20:59 (UTC -3)

Vamos ao resumo dos fatos de julho. Em relação à cana, esta redução de ATR que vem sendo observada, se persistir é um fator preocupante para o final da safra. Já moemos nesta safra, até 15 de julho, 258,13 milhões de toneladas, 4% a menos que no mesmo período do ano anterior. Estamos com média de (CTC) 84,87 toneladas/ha, que é um pouco maior que os 82,11 toneladas/ha da safra passada. Porém a quantidade de açúcar na cana está 4% menor que na safra passada (ATR por tonelada está em 126,31 kg, e foi de 131,71 kg em 2018/2019). Não sabemos ainda o efeito da geada sobre o canavial, nas próximas análises da UNICA deve aparecer. Preocupante.

Para o setor vem em boa hora o pagamento da indenização com o tabelamento de preços do açúcar feito nos anos 80 pelo Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA). A Copersucar já recebeu e outras estão no mesmo caminho. Estes recebíveis também estão sendo usados para levantar recursos. Para um setor com elevado endividamento, entrada de caixa é sempre um alívio.

A grande novidade de junho em termos empresariais foi o anúncio da joint-venture entre BP e Bunge, criando a BP-Bunge Biocombustíveis, cada qual com 50%. O negócio de cana é pequeno para as duas empresas, menos de 2% de seus faturamentos. O acordo envolve um pagamento de US$ 75 milhões da BP à Bunge. São três usinas na BP (10 milhões de toneladas) e oito na Bunge. No total, agora a capacidade supera 30 milhões de toneladas se tornando o quarto maior grupo, pouco abaixo da Biosev (33 milhões), Atvos (37 milhões) e Raízen (73 milhões). Trata-se de uma iniciativa muito interessante para otimizar o uso dos ativos e reduzir overheads, se for bem feita será boa ao setor de cana, a despeito do volume de empregos que será perdido pela sobreposição de funções.

No açúcar, as Usinas do Centro Sul conseguiram com o mix derrubar em 11% a produção no comparativo com o ano anterior, que já havia caído muito. Até 15 de julho foram produzidos 10,86 milhões de toneladas, quase 1,4 milhão a menos que no mesmo período de 2018. Ou seja, o Brasil segue tirando açúcar do mercado. Podemos produzir apenas 25 milhões de toneladas. A Datagro já levou a projeção mundial para 2019/20 para um déficit de 6,42 milhões de toneladas. Mas estes sinais não refletem em preços devido aos elevados estoques e à Índia.

Mas, finalmente Brasil, Austrália e Guatemala pediram na OMC (Organização Mundial do Comércio) um painel contra os subsídios da Índia no caso do açúcar. Levantamento apresentado pelo Itamaraty para a safra 2018/19 que mostrou que a produção adicional da Índia deprimiu os preços em 25,5% e isto trouxe uma perda de US$ 1,3 bilhão nas exportações brasileiras. Estima-se que o preço mínimo pago à cana na Índia estipulado pelo governo tenha dobrado em sete anos, inundando o mercado mundial.

A Associação de Usinas de Açúcar da Índia (ISMA) pleiteia apoio para exportar mais de 7 milhões de toneladas na próxima safra, seu estrago no mercado mundial é impressionante, mesmo com esperada produção menor, devido à problemas climáticos. A ISMA espera produzir 28,2 milhões de toneladas e começar a safra com 14,7 milhões de toneladas de estoques. O consumo anual é de 26 milhões de toneladas. A Índia deveria fortalecer seu programa de etanol para manter a renda dos produtores e ajudar tirando açúcar do mercado mundial.

No mercado interno, segundo o CEPEA, os preços estão quase 20% maiores comparando a este período da safra com o do ano passado.

Em relação ao etanol, a boa noticia foi que neste último mês o petróleo voltou a subir cerca de 3%. Como o mix está em 62% em São Paulo, o consumo de hidratado vem batendo recordes e os preços estão se mantendo os mesmo com o pico da safra. Somente nos 15 dias iniciais de julho foram vendidos pelas usinas do Centro Sul 1,38 bilhão de litros, sendo 914 milhões de hidratado.

A EPA (Agência de Proteção Ambiental dos EUA) acredita que os EUA importará cerca de 60 milhões de galões de etanol vindo do Brasil em 2020, reduzindo sua projeção anterior que era de 100 milhões de galões. Também teremos algum espaço na cota de celulósicos, com o etanol feito à partir do bagaço da cana. Manteve em 15 bilhões de galões o espaço para o etanol de milho e outros considerados convencionais.

No final de agosto acaba a cota de 600 milhões de litros aberta pelo Brasil para importar etanol anidro dos EUA sem pagar a tarifa externa comum de 20% existente no Mercosul. É fato que o etanol americano entrou com força no mercado brasileiro. De janeiro a maio de 2019 já foram importados 800 milhões de litros. Vamos ver as reações do Governo e dos produtores americanos.

Uma análise de longo prazo feita pelo Professor Adriano Pires, mostrou que no ano passado, o Brasil consumiu praticamente 80 milhões de m³ de diesel e gasolina (sem contar biodiesel e etanol), com quase 20% importados. Com a retomada da economia (a relação entre o quanto aumenta o uso de combustíveis com a variação do PIB pode chegar a ser de 2 para 1) e a dificuldade de ampliação da oferta interna, maiores volumes de importações serão necessárias, portanto temos de investir já em capacidades industriais e de movimentação.

O valor médio recebido pelo etanol nesta safra chega a quase 10% acima da safra passada, somado a um volume de vendas mais de 20% superior, é o que vem ajudando neste momento da crise do açúcar.  No momento de fechamento desta análise, pela SCA, o etanol hidratado com impostos estava em R$ 2,12/l e o anidro em R$ 2,02/l e o açúcar negociado no contrato de outubro a 12,12 cents/libra peso. O etanol é o nosso lastro.

Qual seria a minha estratégia com base nos fatos? O que observar agora em agosto: mais uma vez, torcer pelos preços do petróleo permanecerem em patamar que viabilize a explosão de vendas de hidratado com margem para as usinas (neste mês caiu quase 5%). É o que nos resta neste momento para salvar o valor do ATR, lembrando que com o andar da carruagem e a qualidade da cana até o momento, podemos ter importante frustração nas produções esperadas de açúcar e etanol.


Marcos Fava Neves é Professor Titular (em tempo parcial) das Faculdades de Administração da USP em Ribeirão Preto e da FGV em São Paulo, especialista em planejamento estratégico do agronegócio.

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