A transgenia e os avanços na aceitação

Transgenia é uma das ferramentas biotecnológicas que permite introduzir genes de diferentes organismos em genótipos de interesse. Conheça mais detalhes sobre o assunto.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

O uso da transgenia tem gerado opiniões controversas desde que foi desenvolvida. Existem diversas manifestações favoráveis, as quais consideram importante absorver a modernidade, utilizar as vantagens de novas tecnologias, sem associar a problemas morais, éticos ou religiosos.

Manifestações em contrário baseiam-se na dependência de empresas multinacionais, defesa da agricultura orgânica, geração de organismos quiméricos (ex. milho com casca de banana), desbalanço ecológico, etc. Existem exageros em ambas as partes, pois a transgenia não é tão perfeita a ponto de resolver os problemas do mundo nem tão pavorosa a ponto de destruir a biodiversidade ou criar monstros vegetais.

Afinal, o que é a transgenia? É uma das ferramentas biotecnológicas que permite introduzir genes de diferentes organismos em genótipos de interesse. No caso de plantas, a transferência é feita por meio de duas técnicas principais: utilizando uma bactéria que possui a capacidade natural de transferir genes para plantas ou por meio de um equipamento que bombardeia moléculas de DNA no interior das células vegetais. Após inserir o fragmento de DNA no genoma de uma célula, esta é regenerada em uma planta inteira contendo o gene de interesse pelas técnicas de cultura de tecidos. Esses genes podem originar-se de diferentes espécies, tais como de bactérias, de plantas (igual ou diferente espécie do receptor), de outros organismos e também podem ser genes modificados artificialmente. Um gene normalmente é composto por uma sequência de DNA, que é o molde para sintetizar um mRNA, o qual é utilizado como código para produzir uma proteína. No caso dos genes utilizados para transgenia atualmente, a proteína produzida pode exercer funções como a resistência a doenças, tolerância a seca, maior qualidade nutricional, tolerância a herbicidas e/ou antibióticos, assim como podem produzir proteínas utilizadas na indústria farmacêutica, alimentícia ou na indústria de higiene. Uma grande dificuldade ainda é identificar os genes que poderiam fornecer a característica desejada sem causar efeitos não desejáveis. A transgenia possibilita ainda o estudo dos novos genes que vem sendo descobertos a cada dia, permitindo ampliar o pool de genes disponíveis.

Muita controvérsia foi e ainda é gerada pelas culturas transgênacas, mas a aceitação vem aumentando ano a ano, como pode ser verificado pelo aumento significativo da área cultivada. O primeiro produto transgênico liberado comercialmente foi o tomate longa vida, em 1994 nos EUA, mas permaneceu no mercado durante poucos anos. Já em 1996, foram liberados para cultivo comercial a soja transgênica resistente ao herbicida glifosato e o algodão resistente a insetos. Desde então até 2008, a área cultivada com plantas transgênicas, em nível mundial, variou de menos de 5 para cerca de 125 milhões de hectares, sendo as culturas com maior área cultivada a soja, o milho, o algodão e a canola. Embora na União Européia a aceitação seja mais restrita, atualmente há quase 25 linhagens de plantas transgênicas (soja, trigo, canola, algodão e beterraba) autorizadas ou em processo de renovação da autorização para serem usadas na alimentação humana ou animal. Existe uma tendência de maior aceitação, principalmente se o produto apresentar menor quantidade de resíduos de agroquímicos. Isso indica que o mercado está em franco crescimento, mesmo nas regiões mais conservadoras.

Entre os 25 países que possuem culturas transgênicas comerciais, as maiores áreas estão nos Estados Unidos, Argentina e Brasil. No Brasil, a primeira a ser liberada para cultivo comercial foi a soja tolerante a herbicida, em 1998. A partir de 2005, mais onze diferentes linhagens de milho e seis de algodão transgênicos foram liberadas para uso comercial. Todos os requerentes são empresas multinacionais, ou seja, o Brasil possui a terceira maior área com culturas transgênicas e nenhum desses materiais genéticos foi gerado pela tecnologia nacional, mostrando que a colocação, em área cultivada, não reflete no quesito avanço tecnológico, como relatado por Walter Colli, presidente da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), em entrevista à Economia Interativa. Caso o país não domine a tecnologia e persistir o ataque aos transgênicos, há riscos do país passar de fornecedor a importador, no caso específico do álcool derivado de cana-de-açúcar, diz ainda Colli.

Para a cultura do trigo, apenas a linhagem transgênica resistente a glifosato foi autorizada para comercialização nos EUA, mas não chegou ao mercado por razões econômicas e políticas. No momento, existem mais de 400 solicitações para teste em campo em vários países do mundo, sendo as características inseridas a tolerância a herbicida, conteúdo de amido modificado e resistência a fungos. Acredita-se que o trigo transgênico chegue ao mercado no médio prazo. Em vista disto, a triticultura nacional não pode ficar na dependência da tecnologia gerada em outros países, como tem ocorrido em outras culturas. No Brasil é relatada, somente em nível de pesquisa, a obtenção de plantas transgênicas de trigo contendo um gene que pode conferir tolerância ao déficit hídrico.

Considerando esta urgente necessidade e a consciência da importância do domínio da técnica para a triticultura nacional, a Embrapa Trigo vem realizando esforços no sentido de implementar a técnica de transformação de trigo há vários anos. Estas ações se constituem no treinamento de empregados em centros de pesquisa conceituados, como o CYMMIT, no México, e o SCIRO, na Austrália, além da compra de equipamentos e estruturação de laboratórios para tal atividade, e da recente contratação de empregados para atuarem especificamente no tema. Em um primeiro momento, a característica candidata a ser inserida é a tolerância ao déficit hídrico, visto que é uma característica agronômica difícil de ser melhorada pelo uso de técnicas de melhoramento convencional e possui grande importância tanto na viabilização da triticultura tropical (especialmente na situação de sequeiro) quanto buscando adaptação de material genético frente às mudanças climáticas.

Após tantas controvérsias sobre o assunto, é necessário buscar soluções para a agricultura aproveitando-se das possibilidades oferecidas pelas novas e promissoras tecnologias, tendo consciência de suas limitações e vantagens, objetivando sempre aumentar a competitividade e sustentabilidade do setor tritícola brasileiro.

Elene Yamazaki Lau

Pesquisadora da Embrapa Trigo

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