Acidez, alcalinidade e efeitos da calagem no solo

Em sua rotina de trabalho, engenheiros agrônomos e técnicos agrícolas precisam sempre ter em mente alguns aspectos conceituais da formação de solos ácidos e alcalinos.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

Uma das características fisiológicas mais notáveis da solução do solo é a sua reação; isto é, se ácida, alcalina ou neutra. Como os microrganismos e os vegetais superiores são demasiadamente sensíveis a seus ambientes químicos, há muito tempo se concede grande realce à reação do solo e aos fatores a ela associados.

Em sua rotina de trabalho, engenheiros agrônomos e técnicos agrícolas precisam sempre ter em mente alguns aspectos conceituais da formação de solos ácidos e alcalinos. Alguns deles estão bem explicados no livro Natureza e Propriedade dos Solos de Nyle C. Brady da Universidade de Cornell, EUA. Baseado nele, relembramos aqui alguns conceitos essenciais, bem como os efeitos do manejo da acidez por calagem.

A acidez é comum em todas as regiões onde a precipitação é suficientemente elevada para lixiviar quantidades apreciáveis de bases permutáveis das camadas superficiais dos solos. Contudo, quando existe grau comparativamente elevado de saturação de base, a presença de sais, especialmente de carbonatos de cálcio, magnésio e sódio, estabelece a preponderância dos íons hidroxila sobre os íons hidrogênio na solução do solo. Neste caso, caracteriza-se o solo alcalino.

Dois cátions adsorvidos são principalmente responsáveis pela acidez do solo: hidrogênio e alumínio. Os dois tipos de cargas negativas, permanente e dependente de pH, exercem influência sobre a acidez do solo e sobre a associação do hidrogênio e do alumínio com os colóides do solo. As cargas permanentes resultam da substituição isomórfica (aquela em que um elemento químico é substituído por outro de tamanho semelhante) nas argilas silicatadas tipo 2:1, de cátions de maior valência por outros de menor valência; enquanto as cargas dependentes de pH se originam principalmente da dissociação dos íons H+ dos grupos OH- em algumas argilas tipo 1:1; de matéria orgânica; de hidróxidos de ferro e de alumínio; e de alguns materiais amorfos, como alofânio (Al2O3.2SiO2.H2O). As cargas permanentes oferecem locais de permuta ao longo de toda a faixa de pH. Em contraste, a magnitude da carga negativa e a permuta de cátions, nos locais de carga variável, dependem do pH do solo.

Em solos com elevada acidez, grande parte do alumínio se torna solúvel sob a forma de cátions alumínio ou hidróxido de alumínio, que são adsorvidos – mesmo com preferência sobre o hidrogênio – pelas cargas permanentes dos colóides do solo (partículas minúsculas de materiais minerais e orgânicos, constituindo-se da parte mais reativa do solo). Nessa condição, o alumínio acha-se em equilíbrio com os íons alumínios na solução do solo. Esses últimos contribuem para a acidez do solo, pela sua tendência hidrolisante, onde nesta reação entre o alumínio e a água, liberam o hidrogênio (H+). Os íons hidrogênio, assim liberados, possibilitam um valor de pH muito baixo na solução do solo e constituem a maior fonte de hidrogênio, na maioria dos solos ácidos.

O hidrogênio adsorvido é também fonte de íons hidrogênio em solos muito ácidos, porém secundária. Sob tais condições, grande parte do hidrogênio, juntamente com ferro e alumínio, é rigidamente retida por vínculos covalentes na matéria orgânica e nas arestas dos cristais e assim, pouco contribuem para a solução do solo. O hidrogênio é retido na forma permutável somente em grupos húmicos fortemente ácidos e em alguns locais de permuta de carga permanentes das argilas. Assim, a influência, quer do hidrogênio quer do alumínio adsorvido, consiste em aumentar a concentração de íons hidrogênio na solução do solo.

Em solos moderadamente ácidos, o alumínio estará na forma de hidróxidos e alguns deles são adsorvidos e agem como cátions permutáveis. Na solução do solo, os hidróxidos têm condições de produzir íons hidrogênio, mediante reações hidrolisantes. O hidrogênio adsorvido prontamente permutável, retido pelas cargas permanentes, contribui igualmente para o hidrogênio da solução do solo. Outrossim, com a elevação do pH, alguns íons hidrogênio – que se achavam rigidamente retidos pela matéria orgânica e pelas argilas, mediante vínculos covalentes –, ficam sujeitos à liberação.

Os solos que apresentam reação de neutra para alcalina não estão mais dominados pelos íons hidrogênio ou alumínio. Os locais permanentes de permuta de cargas encontram-se ocupados primordialmente por bases permutáveis, em que tanto os íons hidrogênio como os íons hidróxido de alumínio foram substituídos, na sua maioria. Os íons hidróxido de alumínio foram convertidos em gibsita (Al(OH)3). Nessa condição de solos neutros e alcalinos, maior fração das cargas dependentes do pH tornou-se disponível para permuta catiônica, e o consequente hidrogênio liberado se desloca para a solução do solo e reage com íons OH-, para formar água. Seu lugar no complexo permutável é ocupado por cálcio, magnésio e outras bases.

A acidez do solo e as condições fisiológicas que a acompanham resultam duma deficiência de cátions metálicos adsorvidos (especialmente cálcio, magnésio e potássio – denominados bases) em relação ao hidrogênio. Para diminuir a acidez, hidrogênio e alumínio deverão ser substituídos por cátions metálicos. Em geral, isso é conseguido mediante adição de óxidos, hidróxidos ou carbonatos de cálcio e de magnésio. Existem várias fontes de compostos de cálcio, das quais o calcário moído ou pulverizado é o mais comum. Os dois componentes importantes existentes no calcário são calcita, que são sobretudo um carbonato de cálcio (CaCO3) e dolomita, que é basicamente carbonato de cálcio e de magnésio [CaMg(CO3)2].

Em relação à calagem, é importante frisar que, além de corrigir a acidez, ela proporciona algumas outras vantagens. Seus efeitos mais conhecidos podem ser divididos em três tópicos: (a) físico; (b) químico; e (c) biológico. Em relação aos efeitos físicos, uma estrutura granular satisfatória poderá ser estimulada em solo ácido, por qualquer forma de calagem, embora sua influência seja principalmente indireta. Por exemplo, assumem importância significativa os efeitos da calagem sobre as forças biológicas, mormente aquelas que têm ligação com a decomposição da matéria orgânica do solo. Quanto aos efeitos químicos, podem-se citar: a diminuição da concentração de íons hidrogênio; o aumento da concentração de íons hidroxila; a diminuição da solubilidade do ferro, do alumínio e do manganês; o aumento da assimilação dos fosfatos e dos molibdatos; o aumento do cálcio e magnésio permutáveis; o aumento da porcentagem de saturação de base; o aumento ou diminuição da assimilação do potássio, na dependência das condições reinantes.

Em relação aos efeitos biológicos, a calagem estimula os organismos heterotróficos de finalidades gerais. O estímulo favorece não só a formação do húmus, como auxilia também na eliminação de certos produtos orgânicos intermediários que poderão atingir quantidades tóxicas. Os organismos favoráveis do solo e também os desfavoráveis, como, por exemplo, o que produz a sarna da batata, são favorecidos, na sua maioria, pela calagem. A formação de nitratos e de sulfetos no solo é muito acelerada pela elevação do pH. As bactérias fixadoras de nitrogênio do ar, tanto as não simbióticas como as dos nódulos das leguminosas, são muito estimuladas pelas práticas de calagem.

Referência especial deve ser mencionada quanto à redução da toxidez de certos metais pesados, como chumbo, zinco, cádmio e níquel, encontrados nos despejos de esgotos de cidades industriais, dos quais crescentes quantidades estão sendo adicionadas aos solos. Em geral, esses elementos são menos solúveis sob condições alcalinas do que ácidas. Isso significa que apresentam menor aptidão para serem captados pelos vegetais, quando o pH do solo é igual a 7 ou superior. Esse fator mostra também os perigos de aplicação de despejos de esgotos com montantes elevados desses metais em solos muito ácidos.

Sebastião Pires de Moraes Neto

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Pesquisador da Embrapa Cerrados

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