Adubar ou não?

Especialistas relatam experimentos e questionam a eficência da adubação nitrogenada na soja.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

A necessidade de N pelas plantas de soja, em condições de campo, é suprida pela simbiose e pelo elemento disponível no solo. A escassez deste pode ocorrer ocasionalmente quando o seu fornecimento ou a falta de umidade superficial do solo forem fatores limitantes.

A liberação de N via atividade elétrica durante as chuvas de verão, em função de sua solubilidade, é necessária e determinante da resposta ao N do fertilizante. Thompson (1963) salientou que a alta produtividade obtida nos anos de cinqüenta foi justamente devida à ocorrência de chuvas em quantidades satisfatórias.

Resultados obtidos com a adubação de N em soja no campo, nos E.U.A., foram extremamente variáveis (Allos & Bartholemeu 1959; Norman 1944; Norman & Kampritz, 1945 e Weber 1966b). Essa leguminosa pode utilizar rapidamente tanto o N simbiótico quanto o disponível no solo. Quando o suprimento se dá em quantidade excedente às necessidades para o crescimento das plantas, pode haver interferência do N na eficiência da fixação simbiótica (Allos & Bartholemeu 1959 e Weber 1966a). As tentativas de utilização de grandes quantidades de fertilizantes nitrogenados, sem inibição do processo simbiótico, geralmente têm falhado. Hinson (1974) relatou que, respostas ocasionais a fertilizantes nitrogenados em soja, não devem ser consideradas como regra geral. Os dados desse autor sugerem que as respostas positivas não são freqüentes nem repetitivas sendo imprevisíveis e geralmente não econômicas, o que é também confirmado por Hardy (1959) e Arnold (1969).

Em diversos estudos realizados nos EUA, aplicou-se nitrogênio em soja nodulada e não-nodulada, na premissa de que, naquelas genótipos não nodulados, haveria maior eficiência na utilização de N pela planta devido à economia na energia dispendida na manutenção de um sistema nodular. Entretanto, não se verificou produção superior nas plantas não noduladas em relação às noduladas, em nenhuma das doses de nitrogênio aplicadas (Wagner 1962 e Weber 1966ab). De fato, Weber (1966a) relatou que, em linhagens isogênicas noduladas, sempre houve maior produção de grãos do que nas não noduladas, utilizando-se a mesma quantidade de fertilizante. Sugeriu-se que o nitrogênio simbiótico seria uma fonte mais aproveitável de N do que aquele proveniente de fertilizante, ainda que a necessidade de energia para a simbiose e redução do N fixado fosse maior do que aquela requerida para a absorção de nitrato e sua subseqüente redução pela linhagem isogênica não nodulada.

Também há controvérsia sobre a necessidade de suplementação de N em soja no período final da formação de suas sementes (R5, R6,ou R7), devido à diminuição da atividade simbiótica durante o enchimento das vagens. Tanner e Anderson (1964) avaliaram o contéudo de leghemoglobina e a taxa de fixação de N que são estreitamente correlacionados. Eles postularam que as bactérias são inativadas e que os nódulos se tornam verdes durante o enchimento das vagens quando o N ainda é requerido pela planta. Por outro lado, Hardy et al. (1968) avaliaram a fixação de N em termos de redução de C2H2 a C2H4 catalisada pela nitrogenase. A taxa máxima de fixação de N foi observada posteriormente, na formação das sementes, e a atividade de redução do C2H2 somente foi reduzida após o enchimento total das vagens. Nessas condições não se deve esperar deficiência significativa de N no fim do ciclo das plantas de soja.

As condições sazonais são fatores importantes para o controle das respostas ao N e seu efeito não é tão simplesmente compreendido. Em estudos mais antigos, obtiveram-se respostas relativamente satisfatórias em condições de temperatura alta e estação seca, não havendo respostas quando as chuvas foram adequadas (Lyons & Early 1952). Na região do Meio Oeste dos EUA, na ocorrência de chuvas pesadas na primavera, White et al. (1958) constataram tendência de lixiviação dos nitratos procedentes de fertilizantes aplicados em milho a uma profundidade em que não há interferência na nodulação e em que ainda seriam disponíveis para a planta.

Em trabalho não-publicado de deMooy (1968), mostrou-se que, com a aplicação de N nas profundidades de 30 e 60 cm, nas entrelinhas das plantas de soja, obteve-se aumento de 340 kg/ha na produtividade, em apenas dois locais.

Nos estudos de Harper (1999), mostrou-se que com a fixação simbiótica do N as necessidades da planta de soja são supridas, sob ótimas condições de produção, onde outras limitações sejam removidas. Como exemplo, já se observou um aumento de 11,8% na produção de soja devido à aplicação do fertilizante nitrogenado suplementar no estádio R3 , quando as produções foram da ordem de 3.770 kg/ha ou superiores, sob irrigação. Nenhuma resposta à aplicação de N suplementar foi observada quando os níveis de produção foram de 3.360kg/ha ou inferiores. Em certos solos dos EUA, Israel & Burton (1997) concluíram ser possível a obtenção de uma resposta mais alta de rendimento à aplicação de nitrogênio. A despeito dessa conclusão, somente em duas, de um total de 59 combinações entre cultivar e local, verificou-se aumento de rendimento devido à aplicação de 150 kg/ha de N.

Os resultados mais freqüentes na adubação da soja com N, nos EUA, têm sido a falta de resposta ou o aumento de produtividade não lucrativa.

No Estado de São Paulo, Mascarenhas et al. (1967) não obtiveram respostas em soja, com a aplicação de 30 e 60 kg/ha de N na sua fase vegetativa, tanto na presença quanto na ausência de calagem. Com a calagem houve boa nodulação e as produções foram sempre superiores quando comparadas à aplicação de ambas as doses de N. Mascarenhas et al. (1968) também não obtiveram diferenças entre as produtividades de soja obtidas quando compararam diferentes fontes de estirpes de Rhizobium e N, em dose única de 50 kg/ha de N, aplicado também na fase vegetativa, em cobertura.

Novo et al. (1997 e 1999) relataram respostas à aplicação do N em soja, no inverno, devido ao fato de haver interferência negativa tanto na formação de nódulos quanto na fixação simbiótica, em condições de frio. O mesmo foi verificado por Mascarenhas (comunicação pessoal, 1978) porem sem aplicação de N e na ocorrência de chuvas excessivas (encharcamento), quando se estabeleceram condições anaróbicas no solo, no início de desenvolvimento vegetativo da planta, sendo observados sintomas típicos de amarelecimento nas mesmas. Nessa situação específica a necessidade das plantas foi suprida com a aplicação de 60kg/ha de N, sendo retomada a coloração esverdeada na parte aérea e também, obtida alta produtividade.

Em diversos experimentos desenvolvidos no país e, ao contrário do relatado em outros, Hungria et al. (1998) mostraram que com a reinoculação de soja, pode-se obter incremento significativo no rendimento, em solos com elevada nodulação estabelecida. Em Londrina e Ponta Grossa, PR, os incrementos obtidos em três safras de soja variaram de 3,2 a 14,5% no rendimento de grãos e de até 25%, no teor de proteína destes. Estes mesmos autores constataram também que, tanto com a aplicação de N em dose inicial quanto, em doses elevadas no florescimento ou no período de enchimento de grãos, não se obtem aumento considerável nos rendimentos.

O nitrogênio deve ser utilizado para fins de incremento da proteína da soja e da qualidade fisiológica das sementes?

Não é necessário o uso de fertilizante nitrogenado quando se objetiva o aumento do teor de proteína nos grãos de soja e da qualidade fisiológica das sementes porque essas características são decorrentes da maior densidade de grãos. Mascarenhas et al. (1990) obtiveram aumento de 3 a 9% no teor de proteína e também da qualidade fisiológica de sementes, aplicando-se calcário dolomítico, para redução da acidez e, utilizando adubação adequada em fósforo, potássio, enxofre e micronutrientes, quando necessário. Cabe ressaltar que o importante é a quantidade produzida de proteína e óleo (produção de sementes multiplicada pelo teor de proteína e óleo). Outra maneira de se obter aumento do teor de proteína seria o manejo de culturas. Com a utilização de adubos verdes, nas seqüências de culturas, como crotalária e mucuna-preta, além do controle de nematoides M. incognita e M. javanica pode-se obter até 200 kg/ha de N, com a incorporação de fitomassa (relatório da Coperçucar 1983/84). Isso é suficiente para o aumento da proteína de soja a níveis adequados (40 a 42%) e para a melhoria da qualidade fisiológica das sementes, naturalmente aliada com adubação mineral adequada.

Diante do exposto, verifica-se a vantagem substancial que se pode obter na cultura da soja, unicamente com a substituição da adubação nitrogenada pela fixação simbiótica com bactérias e utilização de adubos verdes na rotação. Isso porque com a crise do petróleo certamente haverá aumento dos preços dos fertilizantes nitrogenados que são derivados dessa substância mineral e, com o seu uso, o custo de produção dessa leguminosa seria bastante elevado.

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IAC - O Agronômico

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