Alerta redobrado

Em uma conjuntura que integra expansão da soja maior atenção precisa ser dispensada em relação ao manejo de pragas. É o caso do percevejo marrom, inseto com alto potencial de danos

01.04.2016 | 20:59 (UTC -3)

O Brasil é um dos maiores produtores de grãos no mundo, cuja produção aumentou rapidamente nos últimos 30 anos, atingindo, na última safra, a produção de 87 milhões de toneladas de soja em 30 milhões de hectares e 75 milhões de toneladas de milho em 15 milhões de hectares. O cultivo da soja, nesse período, melhorou consideravelmente com o aporte de tecnologias adaptadas à região do Cerrado brasileiro, atingindo produtividade média ao redor de 3.000kg/ha. O ganho com tecnologia, em parte, se deu com a adoção do Sistema de Plantio Direto, maquinário de melhor desempenho e, principalmente, pela utilização de novas cultivares, entre outros.

Em razão da importância da cultura da soja no agronegócio, que representa cerca de um quarto do PIB nacional, qualquer que seja a ação nesse sistema assume grau de importância nesse cenário. Assim sendo, qualquer perda no sistema agrícola é de fundamental importância econômica no agronegócio brasileiro. Em particular, em algumas regiões agrícolas a importância da soja é grande, como no Cerrado brasileiro, onde representa a base da economia. A expansão da soja, bem como o aumento das culturas em segunda safra, principalmente o milho em safrinha, tem gerado ambiente propício para perdas significativas ao produtor. Dentre as perdas na cultura da soja os prejuízos por insetos-pragas podem alcançar valores significativos ao país.

Figura 1 - Rendimento de grãos das principais culturas

Um fenômeno crescente na cultura da soja é a utilização cada vez maior de soja precoce, com destaque para promissoras variedades de ciclo ao redor de 100 dias. Dessa maneira, o foco é favorecer a semeadura antecipada para melhorar as condições para a segunda safra (safrinha) nas regiões produtoras. A semeadura antecipada tem proporcionado melhor rentabilidade do sistema e favorecido a diversificação nas culturas da segunda safra, como milho, feijão, algodão, girassol. Nesse sistema sucessivo se observa a ocorrência mais intensa de pragas comuns às culturas. No entanto, é importante salientar que a lucratividade com duas safras sucessivas ocorre pela diluição dos custos fixos, da otimização do solo, máquinas e mão de obra e entrada antecipada do grão quando os preços estão melhores. Outro aspecto interessante na utilização de cultivares precoces é o pico de ocorrência de pragas foliares quando a planta já estaria mais desenvolvida. Em variedades precoces pressupõe-se que o nível de dano seja menor em comparação com variedades mais tardias. Nesse contexto, o manejo de pragas passa a ter maior importância. Nos recentes anos tem sido observada a presença de percevejos na cultura da soja preferencialmente nos meses de dezembro, janeiro e fevereiro. Portanto, materiais de ciclo mais tardio ou semeados a partir de novembro estão mais sujeitos ao ataque de percevejos, pois essa maior infestação estaria atacando a cultura no estádio vegetativo R3.]

Figura 2 - Variação temporal da área ocupada pelas culturas na região de Rio Verde

Relativo às pragas na cultura da soja, os percevejos pentatomídeos são os que causam mais perdas. Os danos podem ocorrer diretamente nos grãos, reduzindo o peso e o tamanho. Indiretamente afetam a qualidade sanitária e fisiológica, causando aborto de grãos e vagens e reduz o poder germinativo no caso de lavouras para semente.

Figura 3 - Germinação e sintoma do ataque do percevejo marrom em sementes e vagens de soja. Rio Verde, 2014

O ataque de percevejos também pode gerar condições para a transmissão de doenças às sementes de soja. Ao se alimentarem, esses insetos injetam enzimas digestivas e leveduras que colonizam os tecidos das sementes, causando distúrbios necróticos que podem gerar redução na porcentagem da germinação e do vigor da plântula. Os sintomas desses ataques de percevejos são detectados em laboratório no teste de tetrazólio. Esses danos são cumulativos durante o período de formação das vagens e enchimento de grãos, portanto, a partir de R3. Assim sendo, o simples fato de reduzir a população de percevejos não elimina totalmente os problemas de alta infestação inicial desses insetos.

Outra característica do ataque de percevejos que afeta a qualidade do grão (colheita) é a retenção foliar de soja (soja louca), que ocorre quando as vagens estão maduras, mas as folhas ficam verdes e não caem. Dessa maneira, no aspecto de peso gerará perdas no rendimento final ao produtor e, indiretamente, afetará as condições para armazenamento, aumentando o custo pelo desconto “padrão" na recepção do armazém. O dano provocado por percevejos afetaria a fisiologia da semente (porcentagem de emergência e vigor), o que geraria inviabilização de campos de sementes.

Figura 4 - Regressão da germinação, porcentagem de sementes picadas por percevejo e porcentagem de sementes inviabilizadas pelo dano de percevejos, a partir de R3, em níveis de infestação 0, 2, 4 e 6 percevejos por metro. Rio Verde-GO, 2013

Várias espécies de percevejos são consideradas pragas na cultura da soja no Brasil, sendo três as principais: o percevejo verde pequeno (Piezodorus guildinii), o percevejo verde (Nezara viridula) e o percevejo marrom (Euschistus heros). O Percevejo-marrom-da-soja ocorre mais frequentemente nas regiões produtoras de soja, embora o percevejo verde pequeno tenha maior potencial em causar danos à soja.

Devido às características de comportamento do inseto, à dificuldade de controle e aos crescentes danos causados, o manejo dos percevejos tem levantado questionamentos no que se refere ao seu nível e momento de controle. Tem sido subestimados os danos causados por essas pragas. Nessa dificuldade de controle, tem sido observado o aumento da quantidade de ingredientes ativos no manejo da praga, principalmente a utilização de piretroides e neonicotinoides em detrimento dos organofosforados.

Figura 5 - Agroquímicos utilizados pelos produtores no controle de pragas na cultura da soja na região Sudoeste de Goiás

No rendimento da soja, atenção deve ser dada aos componentes de produção. Os três componentes de produção são: quantidade de legumes, por unidade de área, quantidade de grãos por legume e peso médio de grãos. A quantidade de legumes é estabelecida a partir de R3, influenciada pela quantidade de flores e nós. A quantidade de grãos no legume (três, em média) e o peso médio do grão é característica de forte apelo varietal e por condições ambientais. Desses componentes, então, o mais importante para o agricultor é a quantidade de legumes fixados com três grãos, pois algumas variedades podem abortar mais de 50% das flores e ainda compensar o rendimento de grãos. Portanto, cabe ao agricultor preservar o legume na planta, passando pelo controle de percevejos na cultura, principalmente legumes na região proximal ou adoção de semeadura antecipada.

A severidade da injúria provocada por percevejo depende, entre outros aspectos, do tempo de exposição, do período de início do ataque a partir de R3 e da idade do percevejo. Em experimentos realizados nas duas últimas safras pode-se ratificar esses conceitos, porém, com danos mais intensos quando a planta permaneceu sob infestação constante.

Figura 6 - Rendimento de grãos em razão de infestações constantes, 0, 2, 4 e 6 de percevejo marrom/m a partir de três estádios fenológicos, R3, R5 e R6, em dois anos agrícolas, 2011/12 (A) e 2012/13 (B) na região de Rio Verde, GO

Os danos por percevejos, em população constante, alcançaram perda ao redor de 500kg/ha por inseto em infestação de um por metro, a partir de R3 no ano agrícola 2011/12. O dano foi menor no ano seguinte, cerca de 400kg/ha. A partir de R5 a perda no rendimento de grãos ainda foi significativa, variando de 200kg/ha a 400kg/ha. A partir de R6 houve perda próxima de 90kg/ha em 2011/12 e não ocorreu prejuízo em 2012/13. Deve-se salientar que a infestação foi constante a partir da infestação inicial.

Em razão do alto potencial de danos do percevejo marrom, maior atenção deve ser dispensada ao seu manejo e mais dados analisados, principalmente em variedades precoces. A utilização de variedades precoces está se generalizando em todas as regiões do Cerrado e é uma tendência o aumento de áreas com soja de ciclo ao redor de 100 dias. E o que se observa também são variedades mais dependentes de inseticidas. Nessas variedades torna-se imperativo a manutenção das vagens na planta para ganhos de produtividade no negócio.

Este artigo foi publicado na edição 184 da revista Cultivar Grandes Culturas. Clique aqui para ler a edição.

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