Alternativa de proteção contra a lagarta do cartucho em algodão

Como o uso de inseticida biológico à base de baculovírus é uma estratégia promissora para auxiliar no manejo de Spodoptera frugiperda

19.02.2020 | 20:59 (UTC -3)

A lagarta-do-cartucho ou lagarta-militar (Spodoptera frugiperda) é conhecida como praga do milho e de outras gramíneas. Sua importância tem crescido no algodão, principalmente no Cerrado. O aumento dessa lagarta no algodoeiro está relacionado à agricultura tropical intensiva, que se caracteriza por alta temperatura e baixa umidade, uso inadequado de inseticidas químicos e oferta de “pontes verdes” (plantas hospedeiras como milho, sorgo e soja em sucessão ao algodão) durante praticamente todo o ano.

O ataque da lagarta-do-cartucho no algodoeiro ocorre principalmente da parte mediana da planta até ao ponteiro. A fase mais crítica vai da formação dos botões florais até ao aparecimento dos primeiros capulhos, reduzindo a produção de fibras. As lagartas eclodem três a quatro dias após a postura e, à medida que se desenvolvem, “procuram” as estruturas reprodutivas das plantas, perfurando folhas, brácteas, flores e maçãs. A Figura 1 mostra o resultado de um experimento de preferência alimentar, claramente evidenciando a natural preferência desta praga pelas estruturas reprodutivas (especialmente flores). Este é um fato preocupante, pois os danos causados por esta praga causam impacto direto à produtividade do algodoeiro. O problema é especialmente sério em plantas transgênicas, cujas estruturas reprodutivas expressam menor teor da(s) toxina(s) de Bacillus thuringiensis (Bt). 


Atualmente, as recomendações rotineiras para o manejo da S. frugiperda no algodoeiro se baseiam principalmente na utilização de inseticidas químicos e transgenia. Vão desde o tratamento de sementes no pré-plantio ou em sulco de semeadura, à utilização de cultivares transgênicas que expressam toxinas inseticidas de forma constitutiva (durante todo o ciclo fenológico), e aplicações foliares durante toda a fase vegetativa e reprodutiva da cultura. Estas práticas são usadas não só no algodoeiro, como também nas subsequentes culturas hospedeiras, em um contexto de agricultura altamente intensiva que acelera a evolução de populações resistentes aos produtos químicos e às tecnologias Bt. Este processo tem levado à destruição destas tecnologias como ferramentas eficientes de manejo, desta agressiva e importante praga agrícola.

No ano de 2018 foram conduzidos bioensaios no Laboratório de Resistência de Artrópodes do Departamento de Entomologia e Acarologia da Esalq/USP, com o objetivo de avaliar a potência inseticida e suscetibilidade básica de uma nova ferramenta para o manejo da lagarta-do-cartucho, o inseticida biológico à base de baculovírus (SfMNPV)*. Foram avaliadas diversas populações de S. frugiperda, incluindo uma população suscetível de laboratório, várias populações de campo, e ainda populações de laboratório altamente resistentes a inseticidas químicos e às proteínas Bt expressas em plantas geneticamente modificadas. Este inseticida biológico tem um novo modo de ação, sendo eficiente e seletivo para o controle de S. frugiperda. Os resultados da pesquisa demostraram ser esta uma valiosa ferramenta que deve ser incorporada em programas de manejo da resistência da lagarta-do-cartucho.

*Referência: Journal of Econom. Entomology, 112(1), 2018, 1-8

Como agem os baculovírus

Baculovírus formam o maior grupo de vírus de insetos e, normalmente, são bastante específicos para uma ou poucas espécies relacionadas. Os vírions responsáveis pela infecção inicial são revestidos por uma matriz proteica, formando um corpo de oclusão ou poliedro. O produto formulado é seguro, econômico e de fácil aplicação, sendo compatível com a maioria dos produtos normalmente usados para a proteção de cultivos em aplicações foliares.

Após a aplicação foliar do baculovírus, as lagartas ingerem os poliedros depositados sobre as plantas, o que dá início à primeira fase de infecção. Estes poliedros se dissolvem pelo pH alcalino no intestino médio das lagartas, liberando as partículas virais que penetram no núcleo das células epiteliais do intestino das lagartas, onde se replicam. Com a replicação, novas partículas virais, os vírions extracelulares (BV-budded vírus), são produzidos e se dispersam pela hemolinfa e traqueia, invadindo todos os tecidos da lagarta.

Dado o seu modo de ação singular, os baculovírus foram classificados pelo Irac Internacional (Insecticide Resistance Action Committee) como uma nova categoria, o Grupo 31 - disruptores virais da membrana peritrófica do intestino médio de lagartas. O processo desde o início da infecção até a morte pode durar de dois dias a sete dias, dependendo do tamanho da lagarta e das condições ambientais. Lagartas bem pequenas (primeiro e segundo instares) em condições de alta temperatura, morrem mais rapidamente (2-5 dias). Lagartas maiores (terceiro instar) em condições de ambiente mais fresco demoram mais tempo para morrer (4-7 dias). Lagartas infectadas assumem um comportamento anormal, deslocando-se para a parte superior das plantas, onde permanecem com pouca mobilidade até morrerem, geralmente agarradas às folhas das plantas, penduradas pelas pernas abdominais. Ao morrer, as lagartas apresentam corpo bastante flácido que escurece rapidamente e se rompe com facilidade, liberando uma grande quantidade de poliedros no ambiente.

Os poliedros produzidos nesta infecção inicial representam uma eficiente fonte de inóculo para contaminação de outras lagartas em ciclos de infecção subsequentes. Múltiplos ciclos de infecção permitem que, em condições propícias, os baculovírus persistam na lavoura por longos períodos de tempo, continuando a matar lagartas por várias semanas, regulando a população da praga e mantendo-a em níveis sempre inferiores em relação a áreas não “viralizadas”.

Em condições chuvosas, os baculovírus são ainda mais virulentos e se espalham mais eficientemente na lavoura. Os ciclos de infeção e a alta capacidade de dispersão destes vírus não só por chuva, vento e poeira, mas também por inúmeros artrópodes (incluindo moscas, percevejos, aranhas e outros), podem levar a uma redução expressiva da população da praga ao longo do período de cultivo e tornar mais efetivas aplicações subsequentes de inseticidas químicos, dentro de programas de manejo integrado de pragas.

Figura 1 - Resultados de experimentos demonstram a forte preferência alimentar de Spodoptera frugiperda pelas estruturas reprodutivas do algodoeiro. Fonte: AgBiTech
Figura 1 - Resultados de experimentos demonstram a forte preferência alimentar de Spodoptera frugiperda pelas estruturas reprodutivas do algodoeiro. Fonte: AgBiTech

Figura 2 - Fotos à esquerda, mostrando o equipamento e a forma de medição do pH das estruturas do algodoeiro. Gráfico à direita, mostrando os resultados. Fonte: AgBiTech
Figura 2 - Fotos à esquerda, mostrando o equipamento e a forma de medição do pH das estruturas do algodoeiro. Gráfico à direita, mostrando os resultados. Fonte: AgBiTech

Variações de pH

O pH alcalino pode inibir a atividade do baculovírus: pH superior a 8 pode aumentar a taxa de dissolução da matriz proteica protetora dos poliedros, resultando na inativação das partículas virais por radiação UV e, consequentemente, redução da persistência dos baculovírus no ambiente.

Entretanto, inúmeros ensaios de eficácia a campo, nas últimas quatro safras, demonstram que o baculovírus SfMNPV tem excelente eficácia sobre lagartas pequenas de S. frugiperda, resultando em consistente redução de danos nas estruturas reprodutivas.

Para melhor entender a dinâmica de ação do baculovírus SfMNPV no manejo de S. frugiperda no algodão, conduziram-se experimentos para mensurar o pH das várias partes da planta do algodoeiro.  Verificou-se que o pH das folhas e das brácteas do algodoeiro é alcalino (> 8) e, portanto, detrimental ao baculovírus.  Por outro lado, as flores e as maçãs têm pH < 8, portanto, não detrimental ao baculovírus (Figura 2).

Os resultados deste trabalho permitiram melhor compreender e explicar a eficiência do vírus de SfMNPV sobre S. frugiperda como protetor das estruturas reprodutivas. Nas flores e maçãs, o SfMNPV encontra as condições ideais para a sua persistência – ambiente mais protegido da luz solar e com pH mais próximo da neutralidade. Nestas condições, as partículas virais ficam protegidas nas flores, que depois se fecham e caem ao solo, onde o ambiente é ainda mais sombreado e protegido.  Como foi o caso, em um dos ensaios realizados na região de Primavera do Leste, Mato Grosso. Na área onde se inseriu o baculovírus no programa de aplicações, houve melhor controle de S. frugiperda que na área tratada somente com inseticidas químicos, o que se refletiu em maior proteção das maçãs do algodoeiro.

A alta eficiência do baculovírus SfMNPV sobre S. frugiperda deve-se ao comportamento da praga nesta cultura, com forte preferência pelas flores. A localização destas estruturas propicia condições favoráveis para a replicação e persistência de SfMNPV no ambiente.

Baculovírus como ferramenta alternativa

Na safra de 2018/2019 foram conduzidos 34 ensaios de eficácia a campo em grandes talhões (³ 100ha) para avaliar a performance de SfMNPV no controle de S. frugiperda em comparação com o manejo do produtor (manejo só com inseticidas químicos). Estes experimentos foram conduzidos em propriedades de produção comercial de algodão nos estados da Bahia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás. Os resultados deste trabalho de cunho prático em grande escala e em condições reais de aplicação, confirmaram que SfMNPV efetivamente protege as estruturas reprodutivas do algodoeiro. Nos talhões com baculovírus inserido no manejo, obteve-se maior retenção das estruturas reprodutivas de primeira e de segunda posição, em relação aos talhões onde não se utilizou baculovírus, mas somente o controle químico convencional (Figura 3). A inclusão de baculovírus no programa de manejo resultou em incremento médio de 13,3 estruturas reprodutivas por metro linear em relação ao manejo do produtor (Figura 4). 

Figura 3 - Porcentagem de retenção de estruturas reprodutivas na primeira e segunda posições de frutificação do algodoeiro – Manejo com inserção do baculovírus comparado com o manejo do produtor somente com inseticidas químicos. Fonte: AgBiTech (Dados da Bahia auditados pela SGS do Brasil)
Figura 3 - Porcentagem de retenção de estruturas reprodutivas na primeira e segunda posições de frutificação do algodoeiro – Manejo com inserção do baculovírus comparado com o manejo do produtor somente com inseticidas químicos. Fonte: AgBiTech (Dados da Bahia auditados pela SGS do Brasil)

Figura 4 - Média de incremento do número de estruturas reprodutivas do algodoeiro por metro linear dos talhões com inserção de baculovírus em relação aos talhões sem inserção do baculovírus = manejo do produtor). Fonte: AgBiTech (dados auditados pela SGS do Brasil)
Figura 4 - Média de incremento do número de estruturas reprodutivas do algodoeiro por metro linear dos talhões com inserção de baculovírus em relação aos talhões sem inserção do baculovírus = manejo do produtor). Fonte: AgBiTech (dados auditados pela SGS do Brasil)

Análise do custo/benefício

Neste trabalho conduzido em 34 propriedades nos estados da Bahia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás, a inserção do baculovírus SfMNPV resultou em um investimento adicional de 21,7 dólares/ha em relação ao custo do manejo químico do produtor. No entanto, os talhões manejados com a inserção do baculovírus tiveram um incremento de produtividade estimado em 25,74 arrobas/ha em comparação à produtividade dos talhões onde foi feito somente o manejo químico convencional.  Este resultado foi estimado levando em consideração a avaliação de mapeamento realizada na pré-colheita. Tomando por base de cálculo a cotação de novembro de 2019 (dólar a R$ 4,18 e arroba da pluma de algodão no Mato Grosso a 19,14 dólares), estima-se uma receita adicional de 196,7 dólares/ha. Descontado o investimento de 21,7 dólares/ha, estima-se um acréscimo potencial de 175 dólares/ha na receita do produtor – quando se inseriu o baculovírus no programa de manejo de S. frugiperda.

A inserção do baculovírus SfMNPV em programas de manejo da S. frugiperda no algodoeiro apresenta como vantagens a especificidade do modo de ação e a eficiência no manejo da resistência a inseticidas químicos, oferecendo melhor proteção das estruturas reprodutivas da planta e, consequentemente, melhor rendimento. Observou-se, tanto nos trabalhos de laboratório como nos de campo, que o baculovírus SfMNPV funciona ainda como uma valiosa ferramenta de “proteção” dos inseticidas químicos, à semelhança dos fungicidas multissítios. Observou-se a regulação da população da S. frugiperda que se manteve consistentemente em níveis menos elevados nos talhões tratados com baculovírus, tornando mais eficientes as posteriores aplicações foliares de inseticidas químicos. A associação do baculovírus em programas de manejo integrado de pragas (MIP) contribui significativamente para manter a população de S. frugiperda abaixo do nível de dano econômico durante todo o ciclo produtivo do algodoeiro.

 

Fase mais crítica do ataque vai da formação dos botões florais até ao aparecimento dos primeiros capulhos
Fase mais crítica do ataque vai da formação dos botões florais até ao aparecimento dos primeiros capulhos

Geraldo Papa,

Unesp - Ilha Solteira (SP)

Germison V. Tomquelski,

Fundação de Apoio à Pesquisa Agropecuária de Chapadão (MS)

Janayne M. Resende,

AgBiTech Brasil

Lucia M. Vivian,

Fundação MT

Marco A. Tamai,

Uneb - Barreiras (BA)

Marcelo F. Lima,

Agbitech

Artigo publicado na edição 249 de Cultivar Grandes Culturas

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