Ameaça ao trigo

Novas raças de ferrugem da folha do trigo, causada por Puccinia triticina, geram apreensão entre os produtores.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

A ferrugem é uma doença destrutiva que reduz a qualidade e o rendimento de grãos.

No Brasil, as mais importantes áreas de cultivo de trigo constituem ambiente favorável ao desenvolvimento da ferrugem da folha.

Além da alta pressão de inóculo na época de cultivo, as condições não-adversas ao fungo nas entressafras permitem que o inóculo se mantenha em plantas voluntárias. A "ponte verde" que se estende na região do Cone Sul da América do Sul, com plantio do cereal durante todo o ano, torna a ferrugem um problema regional.

Embora muitas das raças que ocorrem nos diferentes países da região sejam também encontradas no Chile, os Andes constituem a única barreira física ao transporte de esporos. A falta de diversificação da resistência de plantas, com concentração de uma cultivar em extensas áreas, agrava a situação.

Variabilidade do fungo

, agente causador da ferrugem da folha, se diferencia em raças, cuja distinção não é perceptível por meio de sintomas ou sinais nas plantas.

As raças se distinguem por suas reações diferenciais em cultivares de trigo selecionadas.

O levantamento das raças que ocorrem nas regiões tritícolas brasileiras é realizado anualmente na Embrapa Trigo, em Passo Fundo (RS). A coleta de amostras (folhas de trigo infectadas) é feita no campo: em parcelas experimentais, em coleções especiais e em lavouras. Em casa-de-vegetação, isolam-se pústulas de ferrugem da amostra, para separar raças distintas que muitas vezes coexistem na mesma folha. A partir de um isolado, multiplica-se o inóculo para obter quantidade suficiente para infectar a série diferencial. Esta é constituída de 19 linhagens de trigo portadoras, cada uma, de um gene diferente que confere resistências distintas, específicas a determinadas raças.

Os genes que compõem a série diferencial de raças são: Lr1, 2a, 2c, 3, 3ka, 9, 10, 11, 14a, 14b, 16, 17, 18, 20, 21, 23, 24, 26 e 30. Inocula-se na primeira folha totalmente expandida, cerca de sete dias após a semeadura. A raça é determinada conforme a identificação dos genes Lr efetivos e não efetivos, que conferem, respectivamente, resistência e suscetibilidade da linhagem de trigo diferencial a cada raça do fungo. Exemplifica-se com as raças B34 e B35, descritas a seguir, as quais são diferentes apenas com relação ao gene Lr10. Plantas de trigo que possuem em sua constituição apenas o gene Lr10 de resistência à ferrugem da folha serão suscetíveis se infectadas com a raça B34 e resistentes à B35.

População dinâmica

Como a população do fungo é dinâmica, o conhecimento das alterações influi na escolha da cultivar a ser plantada, na identificação e uso dos genes a serem combinados nos programas de melhoramento para resistência e nas estratégias de controle químico. Os dados da Embrapa Trigo, obtidos desde 1975, têm sido usados em programas de outras instituições de pesquisa, públicas e privadas, no Brasil e em outros países do Cone Sul.

O levantamento indica como as raças se distribuem geograficamente e em que freqüência, além da detecção de novas raças.

Novas raças

Nas áreas de produção de trigo, conforme as cultivares novas resistentes à ferrugem da folha aumentam em extensão de cultivo, a pressão de seleção resulta em rápida disseminação de nova raça do fungo.

Os melhoristas de trigo produzem cultivares melhoradas, os produtores as cultivam e a população do fungo no campo se adapta.

Com relação à ferrugem da folha do trigo, nos últimos 9 anos, no Brasil, 11 raças "novas´´ foram detectadas, conforme a tabela.

A raça identificada pela primeira vez em 1999 foi designada B48. É capaz de infectar trigos com os seguintes genes Lr : 1, 3, 10, 11, 14a, 14b, 20, 23 e 26. Cultivares com os genes Lr2a, Lr2c, Lr9, Lr16, Lr18, Lr21 e Lr24 são resistentes a essa raça. A reação à B48, produzida pelos genes Lr3ka, Lr17 e Lr30, varia devido provavelmente à sensibilidade à temperatura. Conforme o sistema norte-americano de nomenclatura de raças, o código da B48 é MC.

Cultivares e resistência

Cultivares de trigo com maior ou menor grau de resistência à ferrugem da folha têm sido recomendadas para cultivo comercial. Contudo, as constantes alterações no fungo têm resultado em resistência de curta duração.

Apesar da atenção à ferrugem da folha nos programas de melhoramento de trigo conduzidos no Brasil e da criação de cultivares resistentes, tem havido freqüentemente superação da resistência pelo fungo.

A resistência não tem sido durável, principalmente quando controlada por gene(s) que confere(m) imunidade, ou seja, ausência de sintomas da doença facilmente visíveis. Por outro lado, cultivares que apresentam resistência parcial, de planta adulta, têm se caracterizado por resistência durável no campo.

Resistência durável é identificada quando uma cultivar é cultivada em uma grande extensão, por longo período de tempo.

A cultivar Frontana, que foi lançada no Brasil em 1940, continua a ser reconhecida no mundo inteiro como fonte de resistência durável, de resistência de planta adulta às raças do fungo da ferrugem da folha do trigo.

Desafio para melhoristas

O atual desafio aos melhoristas de trigo para resistência à doença é aumentar o período em que a cultivar permanece resistente. A resistência de planta adulta, que se expressa próximo ao espigamento, geralmente com pústulas de suscetibilidade, mas em pouca quantidade, é freqüentemente associada à durabilidade da resistência. Esta é, atualmente, a principal estratégia de controle.

Apesar da dificuldade em manter a resistência de trigo à ferrugem da folha, especialmente nas regiões brasileiras onde as condições são muito favoráveis ao desenvolvimento do fungo, o controle genético em outros países tem sido eficiente. As cultivares usadas na América do Norte, com base na resistência de planta adulta de Frontana, não têm sido danificadas pela enfermidade há muitas décadas. Na Austrália, trigos com resistência durável, também descendentes de Frontana e de outras cultivares sul-americanas, embora desenvolvam níveis altos de ferrugem no fim do ciclo, não desfolham devido à doença. Essa é a estratégia usada também no Centro Internacional de Melhoramento de Milho e Trigo – CIMMYT.

Cultivares resistentes

Entre os trigos recomendados para cultivo em 2000, no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, os seguintes têm, provavelmente, resistência de planta adulta (suscetíveis na 1a folha em casa-de-vegetação e com bom comportamento no campo): BRS 49, BRS 177, Embrapa 40, Granito, RS 1-Fênix, RS 8-Westphalen, Trigo BR 23 e Trigo BR 35. A resistência de planta adulta tem se mantido por mais tempo e é menos específica às raças, não havendo "quebras" drásticas de resistência. Os danos que a nova raça B48 possa causar nas lavouras de trigo, na próxima safra, deverão ser menos severos nas cultivares com esse tipo de resistência.

O comportamento do trigo BR 23 à ferrugem da folha, nas lavouras do sul do Brasil, é típico de cultivares com resistência de planta adulta: as folhas apresentam pústulas, mas, em comparação com cultivares suscetíveis, a quantidade de lesões é muito menor e estas não progridem tão rapidamente.

Controle químico

Para o controle por meio de fungicida, o produtor deve acompanhar o desenvolvimento da doença e pulverizar somente em situações especiais, muito favoráveis ao desenvolvimento do fungo. Na maioria dos anos, o nível de ferrugem aumenta quando os grãos já estão formados, dispensando o uso de fungicida.

A ferrugem da folha não tem causado prejuízos importantes em BR 23, que está em cultivo há 13 anos em área expressiva. BR 23 foi a cultivar de trigo com maior quantidade de sementes produzidas em 1992 e 1993, no Paraná, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. Neste Estado, por 5 anos consecutivos, foi o destaque em produção de sementes. Na mesma região, várias cultivares, que não possuem resistência de planta adulta e eram resistentes durante todo o ciclo da planta, tornaram-se altamente suscetíveis, já no ano seguinte ao de lançamento.

Já as cultivares Fundacep 30 e Rubi são resistentes a todas as raças, inclusive à B48, dispensando o uso de fungicidas para o controle de ferrugem da folha. Como o fungo é dinâmico, quanto ao mecanismo de produção de novas raças, é impossível prever se alterações futuras tornarão essas cultivares suscetíveis.

Em BRS 119, que apresentava bom comportamento à ferrugem, houve nível alto de infecção, em algumas lavouras, em 1999. Essa cultivar é suscetível à B48.

O triticultor deverá estar atento a possíveis alterações de raças, que ocorrem freqüentemente, em quase todas as safras, no Sul e Centro-Sul do Brasil. Ocorrendo ferrugem, em cultivares que eram resistentes, devido ao aparecimento de nova(s) raça(s) poderá haver necessidade de controle químico.

Amarilis Labes Barcellos

Embrapa Trigo

* Confira este artigo, com fotos e tabelas, em formato PDF. Basta clicar no link abaixo:

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