Apodrecimento prematuro

Especialistas investigam microrganismos que atacam maçãs do algodoeiro, como os percevejos, que sugam as sementes do algodoeiro e provocam o apodrecimento das maçãs.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

Relatos sobre apodrecimentos de maçãs de algodoeiro, procedentes de várias localidades do Cerrado, foram feitos na safra 1999/2000. Os problemas apareceram geralmente na fase de formação de maçãs e final do ciclo da cultura. Entre os meses de março a maio deste ano, 17 amostras de maçãs das variedades Ita-90 e DeltaOpal foram enviadas para o Laboratório de Fitossanidade da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). As amostras foram remetidas por produtores e agrônomos, sendo treze delas provenientes do Estado de Mato Grosso, três de Mato Grosso do Sul e uma da Bahia.

Todas as maçãs enviadas apresentavam sintomas de podridões em seu interior. Para identificação dos patógenos, foram utilizados procedimentos de laboratório para isolamento de fungos e bactérias, a partir de amostra interna. As análises indicaram que muitas maçãs não tinham sintomas externos visíveis, mas em algumas amostras foram detectados danos causados por percevejos (populações migrantes de

e de

da soja e percevejos rajados do algodoeiro).

Existem relatos indicando que os percevejos, ao atacarem os frutos de algodoeiro, sugam as sementes, o que reduz o teor de óleo; também provocam o apodrecimento de maçãs, levando ao carimã, em decorrência da inoculação de microrganismos que penetram nestas estruturas. A literatura americana cita que a bactéria Erwinia está associada ao ataque do percevejo Euschistus. Este problema já foi comum na Califórnia, onde a maioria dos lóculos das maçãs apresentava-se infectada. Durante a realização dos testes verificou-se que o dano da bactéria estava associado somente ao ataque dos percevejos que sugavam as maçãs. Este tipo de podridão resultou do ataque do inseto associado à alta umidade, que favoreceu a disseminação da bactéria, principalmente em maçãs novas.

Sob o ponto de vista econômico, a podridão das maçãs é uma importante doença em vários países da África Central. Nos relatos, consta que existem 170 espécies de microrganismos, principalmente fungos, associados à podridão das maçãs. A maioria, porém, é constituída por espécies necrófitas ou saprófitas, com ação secundária em função das lesões ocasionadas pelos verdadeiros patógenos, ou por penetração através de aberturas naturais ou ferimentos provocados por ataque de insetos e ácaros.

Primeiros sintomas

Nos materiais recebidos nesta safra foram observadas lesões de coloração escura tomando quase toda a maçã e causando manchas na fibra, provocadas por microrganismos. Os primeiros sintomas observados foram manchas que iniciaram na semente e evoluíram para uma podridão interna, que pode ser relacionada a uma sucessão de patógenos. Na tabela 1 (

)estão os resultados das análises realizadas no laboratório, a partir dos materiais provenientes do campo. Foram encontrados três gêneros de fungos (

) e um gênero de bactéria (Erwinia).

Conforme a tabela 1, pode-se observar que nas onze amostras da variedade Ita-90, o Fusarium foi o microrganismo que apresentou maior incidência. Uma amostra apresentou o fungo Aspergillus, e outra o fungo Colletotrichum. Para os isolados de bactérias, duas amostras foram identificadas como sendo pertencentes ao gênero Erwinia. As demais bactérias isoladas não apresentaram reação de hipersensibilidade quando inoculadas em folhas de tomateiro. Significa que não foram consideradas fitopatogênicas. Na realização da reprodução dos sintomas de ataque do percevejo, encontrou-se também bactérias fitopatogênicas nas lesões. Em sete amostras da variedade DeltaOpal foram encontradas quatro amostras com Fusarium, uma com Colletotrichum e outra com Erwinia.

Nos locais dos campos onde ocorreu ataque de percevejos, constatou-se sempre o aparecimento de Erwinia. A presença destes insetos, associada à umidade, pode ter favorecido a inoculação dos microrganismos, principalmente em maçãs novas, inclusive coincidindo com a colheita da soja, onde houve migração dos insetos para o algodão. O hábito dos percevejos sugarem as maçãs consideradas novas faz com que o dano seja percebido tardiamente.

Em paralelo, foi avaliado o ataque de percevejos em diferentes variedades de algodoeiro cultivadas no Brasil. Um experimento foi realizado na área experimental da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, onde se fez a avaliação da suscetibilidade de seis variedades de algodão ao ataque de percevejos e apodrecimento de maçãs. Os resultados (tabela 2) indicaram que as seis variedades não apresentaram diferenças estatisticamente significativas entre si para as podridões de maçãs.

Avaliação dos carpelos

Como foi levantada a hipótese de que o apodrecimento das maçãs poderia estar correlacionado à espessura das cascas do fruto, foi feita uma avaliação dos carpelos. Os resultados desta avaliação (tabela 2 - espessura de casca de maçãs sadias) indicaram que as variedades Goianinha, DeltaOpal e Ita-90 apresentam as cascas mais finas, sendo que a DeltaOpal teve casca significativamente mais fina do que as variedades Cd-401, Cd-404 e Antares. Já para a espessura da casca das maçãs com as podridões, as variedades DeltaOpal e Ita-90 foram as que tiveram cascas mais finas, sendo estatisticamente semelhantes entre si e à Cd-404. No trabalho realizado ficou evidente que a espessura dos carpelos das variedades DeltaOpal e Ita-90 são menores do que as outras variedades testadas, mas não há diferenças entre as variedades para o apodrecimento de maçãs.

A campo, um aspecto que deve ser considerado é que, nesta safra, a variedade DeltaOpal foi semeada, geralmente, primeiro nas propriedades (por ser "tolerante" à doença azul), e pode ter coincidido sua fase de maior suscetibilidade a apodrecimentos de maçãs com a migração dos percevejos. É oportuno mencionar a alta umidade no período de frutificação, que também pode ter influenciado na elevada incidência destes microrganismos. A possibilidade de uma nova doença - ou a ocorrência de outros patógenos - também não é totalmente descartada, pois não foram observadas picadas do inseto em alguns materiais enviados, com ocorrência de apodrecimentos. O fungo Fusarium encontrado em muitas amostras deve ser melhor avaliado em anos seguintes.

Além disso, variedades que são menos pulverizadas para pulgões merecem mais atenção, já que possibilitariam maior sobrevivência dos percevejos, que podem não ser notados pelos monitores de pragas. Inclusive, em áreas próximas à soja, os insetos podem migrar de áreas vizinhas. Cuidado especial deve ser tomado com as infestações de percevejos rajados, uma praga emergente no Cerrado brasileiro. Lavouras de algodão mais tardias, bem vegetadas e vigorosas poderão ter problemas acentuados com esses insetos, tornando necessária a atenção no início das infestações, principalmente nas bordaduras, com a aplicação de inseticidas organofosforados sistêmicos, visando - se necessário - o controle destas pragas, que ficam geralmente no "baixeiro" da planta e dentro de botões e maçãs.

Justino S. F. Ribeiro, Lilian M. A. Bacchi e Paulo E. Degrande

UFMS

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