Ataque de nematoides no milho

Espécies de nematoides como P. zeae, P. brachyurus e M. incógnita são causadoras de prejuízos severos ao milho e exigem atenção e manejo adequado por parte dos produtores

19.07.2019 | 20:59 (UTC -3)

Em 2013 foram produzidos no Brasil 78,5 milhões de toneladas de milho, em 15,7 milhões de hectares. Portanto, é da maior importância conhecer as relações entre o milho e os fitonematoides. Há três facetas nessas relações. As mais conhecidas dos agricultores são: 1) o papel do milho como agente redutor dos nematoides Heterodera glycines (nematoide de cisto da soja), Rotylenchulus reniformis (nematoide reniforme), Ditylenchus dipsaci (nematoide dos caules e bullbos), Meloidogyne hapla, M. exigua e M. paranaensis (três espécies de nematoides das galhas); e 2) como promotor do crescimento populacional de nematóides como Meloidogyne incognita, Pratylenchus zeae e P. brachyurus. Em resumo, o milho é encarado como participante da rotação ou sucessão de culturas, que pode assumir papel positivo ou negativo no manejo de nematoides. Frequentemente, esquece-se que algumas espécies de nematoides causam danos significativos às raízes de milho, acarretando perdas de produção.

Nematoides que causam perdas em milho

O milho é muito tolerante aos nematoides, ou seja, produz satisfatoriamente mesmo na presença de altas densidades do parasita no solo. Infelizmente, essa característica, a tolerância aos nematoides, tem um limite. Em muitas áreas do Brasil, as densidades já atingiram valores tão elevados, e os danos às raízes são tão intensos, que a produção de milho não tem alcançado os patamares esperados ou desejados. São perdas significativas, mas que talvez ainda não tenham chamado a atenção dos agricultores. Porventura satisfeitos com as produtividades atuais, mas que poderiam ser melhores, não chegam a desconfiar que os nematoides subtraem anualmente algumas sacas de milho por hectare plantado.

Os fitonematoides são presença frequente em solos cultivados com milho, e as espécies mais comuns são Pratylenchus zeae, P. brachyurus, Helicotylenchus dihystera e Meloidogyne incognita. Desde 1963, há registros de milharais nos quais aparecem reboleiras de plantas enfezadas, com folhas cloróticas e raízes apodrecidas. No centro das reboleiras, as plantas são minúsculas, atingindo menos de 1/5 da altura das plantas da margem das reboleiras. Geralmente, os nematoides mais associados a tais sintomas são duas espécies de nematoides das lesões, P. zeae e P. brachyurus, havendo relatos de perdas de 50%. Justificando seu nome, são parasitas que causam lesões, ou seja, manchas escuras, em decorrência de sua atividade dentro das raízes. São muito pequenos, com 0,4mm a 0,5mm de comprimento, e passam a maior parte da vida dentro das raízes, alimentando-se das células do córtex (= casca da raiz).

É preciso esclarecer, porém, que as reboleiras nem sempre estão presentes nos locais infestados. A expectativa de que esses nematoides sempre produzam sintomas claramente visíveis talvez seja um dos maiores erros dos agricultores. Muitas vezes, as infestações são relativamente uniformes, não se formando, portanto, reboleiras. Em outras palavras, existem locais em que o efeito do nematoide é uniforme, não havendo variações visíveis no tamanho das plantas. Além disso, as plantas nem sempre apresentam nanismo acentuado. Ocorrendo um desenvolvimento inferior, mas próximo do normal, o agricultor tem a falsa impressão de que está tudo bem. Somente após uma avaliação minuciosa se desfaz tal impressão. São situações nas quais ambas as espécies, P. brachyurus e P. zeae, penalizam vagarosa e continuamente o agricultor. Utilizando uma metáfora, são como se fossem pequenas feridas, que causam pouco incômodo, mas sangram sem parar.

A ocorrência dessas duas espécies depende muito da sucessão de culturas adotada. Em locais onde o milho é cultivado em sucessão com outras poáceas, a espécie predominante é P. zeae, que é mais adaptada a estas plantas que P. brachyurus. Em locais onde o milho é cultivado em sucessão com soja, feijão, algodão, batata, cenoura etc, há predomínio de P. brachyurus, pois esta espécie tem um rol de plantas hospedeiras muito mais amplo que P. zeae. De fato, há muito poucas plantas hospedeiras de P. zeae fora da família Poaceae. A propósito, essa característica de P. zeae poderia ser aproveitada para a utilização da rotação ou sucessão como método altamente eficaz de controle. Por meio da rotação ou da sucessão com soja, algodão, girassol, feijão etc, é possível obter uma grande redução populacional de P. zeae.

Como a importância dos nematoides para o milho tem sido subestimada, o agricultor brasileiro não está acostumado a utilizar nenhuma técnica de controle contra esses parasitas. Atualmente, há duas técnicas principais de controle para P. zeae e P. brachyurus: o nematicida carbofurano na formulação granulada, para aplicação no sulco de plantio, e o inseticida-nematicida abamectina, na formulação para tratamento de sementes. Experimentalmente, a aplicação de nematicidas no sulco de plantio foi eficaz na redução da densidade dos nematoides, resultando em aumentos de 14% a 39% na produção de milho. Em função do reduzido número de opções para o controle dos nematoides das lesões, há várias pesquisas em andamento com a finalidade de avaliar a eficácia de outros produtos. Alguns defensivos são capazes de restaurar grande parte da capacidade de crescimento das plantas de milho, em locais infestados por nematoides das lesões, quando se compara com plantas que não receberam o produto.

Também de forma experimental, foi provado o efeito benéfico da torta de mamona, aplicada no sulco de plantio na proporção de 300kg/ha, na redução populacional de P. zeae e P. brachyurus (-38% em comparação à testemunha), bem como no aumento da produção (+ 15% em comparação à testemunha). O efeito sobre os nematoides foi inferior ao obtido pela aplicação de carbofurano nas proporções de 1,5kg e 3kg de ingrediente ativo/ha (as duas dosagens reduziram a densidade em 86%), porém, o efeito sobre a produtividade de milho foi próximo (+ 14% para 1,5kg e + 23% para 3kg).

O uso de cultivares ou híbridos resistentes poderia ser importante ferramenta para o controle de P. brachyurus e P. zeae, como demonstraram trabalhos realizados há 30 anos por pesquisadores do Instituto Agronômico de Campinas. No entanto, essa linha de pesquisa prosperou muito pouco nos últimos três decênios, pelo menos para P. zeae, devido à pouca importância atribuída aos nematoides pelo setor produtivo. Para P. brachyurus, por outro lado, tem havido renovado interesse, no último decênio, pela seleção de cultivares ou híbridos resistentes. No entanto, o objetivo tem sido enfrentar as perdas causadas por P. brachyurus à cultura da soja, em uma sucessão soja-milho.

Existe ainda uma terceira espécie de fitonematoide que merece menção. Trata-se de Meloidogyne incognita, espécie que, embora frequente em milharais, não tem recebido a devida atenção dos agricultores. Há um registro muito bem documentado, embora antigo (1986), de milharal em Goiás com plantas exibindo severo ataque por M. incognita. Os sintomas foram acentuado enfezamento e amarelecimento foliar; em plantas mais atacadas, secamento e morte. As galhas radiculares eram muito grandes, com até quatro vezes o diâmetro normal da raiz. Não há registros posteriores de sintomas tão severos, porventura em decorrência do uso muito intenso de adubos, nos plantios atuais, promovendo o bom crescimento da planta de milho mesmo na presença de M. incognita. Entretanto, é fácil encontrar milharais em que as raízes estão tomadas de galhas. Para comprovar o efeito negativo de M. incognita sobre o crescimento de milho, indica-se comparar o tamanho de uma planta não infectada com outra idêntica, mas infectada, em condições controladas. Da mesma forma, é fácil provar o efeito positivo dos métodos de controle, como o tratamento de sementes, que, no entanto, ainda se encontra indisponível comercialmente no Brasil.

Recomendações finais

A primeira recomendação é avaliar o risco representado pelos fitonematoides na propriedade e a primeira ação deve ser a coleta de amostras de solo e de raízes, para verificar a presença de espécies daninhas ao milho e também sua densidade populacional. Perdas geralmente ocorrem em densidades acima de 200 espécimes dos nematoides das lesões (P. zeae e/ou P. brachyurus) por grama de raízes, ou o mesmo valor por 200cm3 de solo; ou 800 espécimes de M. incognita por grama de raízes ou o mesmo valor por 200cm3 de solo. Se nenhuma das três espécies for encontrada, a recomendação seguinte é manter o local isento de nematoides, por meio da adoção dos métodos clássicos de prevenção: 1) limpeza frequente do maquinário agrícola e do rodado dos veículos com fortes jatos de água, se possível diariamente ou logo após seu uso; 2) extremo cuidado e rigor quanto à qualidade fitossanitária de mudas, sementes, bulbos etc que adentram a propriedade.

Se uma ou mais das três espécies (P. zeae, P. brachyurus e/ou M. incognita) for encontrada em densidades acima dos limites apontados, a recomendação é estimar o tamanho das perdas causadas. Isso pode ser feito de várias formas: 1) comparação da produtividade do talhão infestado com outros da mesma propriedade, com características semelhantes, mas não infestadas; 2) comparação da produtividade na propriedade com a de vizinhos; 3) avaliação do histórico de produtividade no talhão; 4) medição da resposta aos métodos de controle, em microparcelas dentro do talhão infestado etc.

Havendo indicação da ocorrência de perdas, surge a grande dificuldade: como fazer o controle. São escassos os métodos de controle com eficácia comprovada. Há somente um produto registrado para tratamento de sementes contra P. brachyurus (abamectina) e nenhum contra os demais fitonematoides do milho. Similarmente, há um produto nematicida registrado para aplicação no sulco de plantio contra P. zeae (carbofurano) e nenhum contra os demais nematoides. Torta de mamona foi utilizada com sucesso, mas somente em trabalhos experimentais. As escolhas das culturas para rotação ou sucessão são óbvias: plantas que não as poáceas para P. zeae; Crotalaria spectabilis e C. breviflora para P. brachyurus e M. incognita.

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