Avaliação de patinagem em tratores

​Embora pareça um simples detalhe, a pressão dos pneus interfere em patinagem, deslizamento e rendimento operacional dos tratores​

19.06.2020 | 20:59 (UTC -3)

Embora pareça um simples detalhe, a pressão dos pneus interfere em patinagem, deslizamento e rendimento operacional dos tratores.

Dispositivos de tração são componentes essenciais nos tratores agrícolas, pois são responsáveis por transferir a potência do eixo motriz para a superfície trafegada pela máquina. A capacidade de transferência da potência ao solo é condicionada ao tipo de dispositivo de tração, podendo ser utilizadas esteiras metálicas, esteiras de borracha e pneus de borracha. Os dispositivos de tração mais utilizados em tratores agrícolas são os pneus de borracha, que podem ser encontrados em diferentes tipos de construção: diagonais, radiais e BPAF – baixa pressão e alta flutuação.

O deslizamento pode ser entendido como a não conversão do perímetro total do rodado em deslocamento real da máquina, sendo expresso como a diferença percentual entre a velocidade tangencial periférica e a velocidade de translação dos rodados. Em outros termos é o movimento dos rodados (pneus) que não é convertido em deslocamento do conjunto motomecanizado.

Valores excessivos de patinagem podem eventualmente proporcionar aumento de consumo de combustível, desgaste prematuro dos pneus e de demais mecanismos de tração do trator, além de reduzir a capacidade operacional e reduzir a eficiência no aproveitamento energético da máquina.

A patinagem ideal para os pneus diagonais (máxima eficiência de tração) se obtém entre 8% e 12% e para os pneus radiais, 10% e 15%.

De forma geral, pneus diagonais apresentam maiores valores de patinagem do que os pneus radiais, para mesmos níveis de carga e condições de solo, isso ocorre devido ao menor contato pneu/solo ocorrido nos pneus diagonais. As características dos pneus e suas interações com o solo são fundamentais para avaliar o desempenho de um trator.

Inúmeros fatores técnicos e operacionais afetam a interação entre pneu e solo e assim na patinagem dos rodados, como tipo de solo, presença de cobertura vegetal, tipo de operação, nível de lastragem etc.

Conjunto utilizado no experimento era formado por um trator John Deere 5705 4x2 TDA e grade aradora ATCR de I4 discos de 24
Conjunto utilizado no experimento era formado por um trator John Deere 5705 4x2 TDA e grade aradora ATCR de I4 discos de 24

PATINAGEM AVALIADA NO CAMPO

A forma mais prática para determinação da patinagem é a diferença entre a rotação dos pneus do trator, com carga e sem carga de tração. É um valor percentual entre os percursos do trator tracionando um implemento e aquele que seria obtido nas mesmas condições, após ter sido desacoplado o implemento.

INFLUÊNCIA DA PRESSÃO INTERNA DOS PNEUS

No intuito de avaliar o deslizamento dos rodados de um trator 4x2 com tração dianteira auxiliar (TDA), em função da velocidade do trator, da pressão interna e do tipo de construção dos pneus, foi conduzido um experimento na Universidade Federal de Viçosa, localizada no município de Viçosa (MG), sob um Argissolo Vermelho Amarelo distrófico, com declividade média de 1%.

O solo foi classificado como textura argilosa; no momento do trabalho, este apresentou um teor de água  de 0,19kg/kg. Foi utilizado um conjunto mecanizado, composto por trator John Deere, modelo 5705 4x2 TDA, com potência de 62,56kW (85cv) no motor a 2.400rpm, e uma grade aradora de dupla ação produzida pela Tatu Marchesan, modelo ATCR de 14 discos de 24”, acoplada ao trator pela barra de tração, com os discos espaçados a 0,23m. No momento dos ensaios foi mantida a abertura entre as seções na posição intermediária, o que proporcionou uma profundidade de trabalho de 0,3m.

EQUIPAMENTOS UTILIZADOS

O trator foi equipado com dois tipos de construção de pneus, sendo eles diagonais e radiais. Os pneus diagonais utilizados foram os modelos Goodyear Dyna Torque II 12.4-24 no eixo dianteiro e Pirelli TM 95 18.4-30 no eixo traseiro. Já os radiais foram os modelos 320/85R24 no eixo dianteiro e 460/85R30 no eixo traseiro, ambos da linha Optitrac da Goodyear.

Buscando maior confiabilidade dos dados, foi utilizado um conjunto de sensores eletrônicos para mensuração da patinagem, com auxílio de um sistema de aquisição de dados da marca Hottinger Baldwin Messtechnik (HBM), modelo Spider 8, gerenciado pelo software HBM Catman 2.2 instalado em um computador portátil embarcado no trator. Os dados adquiridos pelo computador foram armazenados para posterior processamento. Durante a execução dos ensaios o sistema foi gerenciado para uma taxa de amostragem de 50Hz.

A velocidade desenvolvida pelo conjunto mecanizado durante a operação foi obtida com auxílio de um radar de efeito Doppler, da marca Dickey John, modelo Radar II.

Para mensuração da velocidade rotacional das rodas motrizes do trator foram utilizados transdutores indutivos da marca Autonics, modelo PRCM 18, posicionados juntamente a uma coroa disposta de aletas equidistantes em seu entorno, montando em um sistema de tipo encoder.

Para mensuração da pressão interna dos pneus, foram utilizados transdutores de pressão, da marca Sensata Technologies®, modelo 100CP7-1, acoplados em cada pneu do trator por meio de um rotor cinemático.

O deslizamento dos rodados foi obtido por meio da relação entre velocidade translacional e rotacional para cada um dos rodados da máquina, de acordo com a Equação 1. O trator utilizado foi lastrado com 75% de água nos pneus diagonais e 40% nos radiais, sendo que em todos os ensaios a tração dianteira auxiliar (TDA) foi mantida acionada, buscando alcançar a máxima tração possível do trator avaliado.

Cada unidade experimental apresentava 40m de comprimento e 2m de largura, sendo a área útil de 80m2, demarcando-se 15m entre as mesmas no sentido longitudinal para manobras, tráfego de implementos e estabilização do conjunto antes da aquisição de dados.

Para cada tipo de construção de pneus foi montado um experimento. Os experimentos foram instalados utilizando o delineamento composto central rotacional (DCCR), um fatorial 23, incluindo seis pontos axiais e cinco repetições no ponto central. Para os pneus diagonais variou a pressão interna dos pneus entre 68,95kPa e 137,90kPa (10psi - 20psi) e para os radiais 137,90kPa e 206,84kPa (20psi - 30psi), de forma a garantir o mesmo raio de rolamento dos rodados.

RESULTADOS

O deslizamento dos rodados do trator empregando-se pneus radiais não foi influenciado pela velocidade de deslocamento e nem mesmo pela pressão interna dos rodados dianteiros e traseiros.

Por essa razão, foi representado pela equação da reta constituída por uma constante, cujo valor correspondia à média aritmética dos valores de deslizamento, obtidos experimentalmente em todos os ensaios (Tabelas 1 e 2).

Este comportamento pode ser compreendido por se tratar de uma forma construtiva, que resulta em pneus mais maleáveis às irregularidades do solo. Mas esta falta de rigidez, quando comparados com os diagonais, permite o deslocamento lateral do pneu, o que pode ter interferido na caracterização do comportamento do deslizamento frente aos tratamentos estabelecidos.

O deslizamento dianteiro (Tabela 1) foi alterado de forma considerável pela pressão interna dos rodados. Tal fato ocorreu pela influência da pressão interna dos pneus ao raio de rolamento; nota-se que a influência da pressão interna ao deslizamento é positiva, ou seja, para cada unidade de pressão interna (kPa) nos pneus dianteiros, para mesma de velocidade de deslocamento, promove-se ao rodado dianteiro um acréscimo 0,0259% no deslizamento.

Figura 1 – Superfície de resposta e curvas de contorno para o deslizamento dos rodados dianteiros do trator em função da velocidade de deslocamento e pressão interna nos pneus dianteiros para os pneus diagonais
Figura 1 – Superfície de resposta e curvas de contorno para o deslizamento dos rodados dianteiros do trator em função da velocidade de deslocamento e pressão interna nos pneus dianteiros para os pneus diagonais

Maior influência é promovida pela velocidade de deslocamento, elevando 3,2107% de deslizamento ao acréscimo de uma unidade de velocidade de deslocamento. Ao aumentar a velocidade de deslocamento, é reduzida a aderência do pneu ao solo, ocasionando maiores níveis de deslizamento, tal efeito também foi evidenciado por Coelho et al (2012), onde avaliou o efeito da velocidade operacional em diferentes formas de preparo do solo. Independentemente da forma de operação, o aumento da velocidade de deslocamento corroborou ao acréscimo de deslizamentos dos rodados.

Conforme observado nos rodados dianteiros, o maior efeito sobre o deslizamento dos rodados traseiros (Tabela 2) foi relacionado à velocidade de deslocamento, 2,9238% a cada unidade de velocidade de deslocamento, em seguida temos a pressão interna dos rodados dianteiros (0,0252%), o aumento da pressão interna nos pneus dianteiros, que altera o raio de rolamento, e assim o avanço cinemático, que por sua vez faz com que os rodados dianteiros exerçam uma maior tração, promovendo o arraste dos rodados traseiros.

Figura 2 – Superfície de resposta e curvas de contorno para o deslizamento dos rodados traseiros do trator em função da velocidade de deslocamento e pressão interna nos pneus dianteiros para os pneus diagonais
Figura 2 – Superfície de resposta e curvas de contorno para o deslizamento dos rodados traseiros do trator em função da velocidade de deslocamento e pressão interna nos pneus dianteiros para os pneus diagonais
Figura 2 – Superfície de resposta e curvas de contorno para o deslizamento dos rodados traseiros do trator em função da velocidade de deslocamento e pressão interna nos pneus dianteiros para os pneus diagonais
Figura 2 – Superfície de resposta e curvas de contorno para o deslizamento dos rodados traseiros do trator em função da velocidade de deslocamento e pressão interna nos pneus dianteiros para os pneus diagonais
Figura 2 – Superfície de resposta e curvas de contorno para o deslizamento dos rodados traseiros do trator em função da velocidade de deslocamento e pressão interna nos pneus dianteiros para os pneus diagonais
Figura 2 – Superfície de resposta e curvas de contorno para o deslizamento dos rodados traseiros do trator em função da velocidade de deslocamento e pressão interna nos pneus dianteiros para os pneus diagonais

Observa-se também que a pressão interna dos pneus traseiros influencia de forma negativa ao deslizamento, ou seja, na medida em que se aumentam os patamares de pressão interna destes, decresce o percentual de deslizamento dos rodados. Tal efeito ocorre em função do aumento da rigidez dos pneus que, ao coagir sobre solo, favorece o deslocamento tangencial.

Detalhe dos sensores instalados nos rodados do trator e sistema de captação de dados.
Detalhe dos sensores instalados nos rodados do trator e sistema de captação de dados.

CONCLUSÕES

O deslizamento dos rodados diagonais traseiros foi afetado por todas as variáveis analisadas, enquanto os dianteiros apenas pela velocidade de deslocamento e pressão interna dos pneus dianteiros. Quando o trator foi equipado com pneus radiais, o deslizamento dos rodados não foi influenciado pelos fatores avaliados.

Equação I

em que,

δ - Deslizamento dos rodados, %;

Vr - Velocidade rotacional, m s-1; e,

Vt - Velocidade translacional, m s-1.

Como medir a patinagem

A patinagem pode ser medida em um determinado espaço percorrido pelo trator, demarcado por duas balizas, utilizando a equação a seguir. O trator deve partir de uma distância mínima que permite atingir a primeira baliza em regime normal de trabalho (no mínimo 30m), a rotação do motor deve ser exatamente a mesma com carga e sem carga.

Onde:

P = patinagem (%)

Ncc = número de voltas do pneu com carga

Nsc = número de voltas do pneu sem carga

PROCEDIMENTOS

  Observação: é recomendado que se repitam esses procedimentos para uma maior confiabilidade do resultado.

EXEMPLO

Na determinação da patinagem de um conjunto trator e implemento, obtiveram-se os seguintes resultados.

Para determinação do nível de patinagem, substituímos os valores observados na equação, conforme apresentado abaixo.


Daniel Mariano Leite, Univasf; Marconi Ribeiro Furtado Júnior, Haroldo Carlos Fernandes, Anderson Candido da Silva e Paulo Roberto Forastiere, UFV


Artigo publicado na edição 164 da Cultivar Máquinas.

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