Benefícios do controle de tráfego agrícola para o solo

Maior compactação do solo, restrição do crescimento radicular, menor volume de solo utilizado e perdas de produtividade são os principais efeitos danosos encontrados em canaviais onde não há manejo no contr

21.11.2016 | 21:59 (UTC -3)

Com a modernização da agricultura e adoção intensa da mecanização agrícola, principalmente da colheita mecanizada, no sistema de manejo da cana-de-açúcar surge a preocupação com a compactação do solo e seus efeitos danosos sobre os atributos físicos do solo e o desenvolvimento radicular. Atualmente há uma grande preocupação com o aumento das áreas agrícolas com problemas de compactação, o que, em parte, deve-se ao excesso de peso das máquinas e ao seu tráfego sem considerar a umidade e a capacidade de suporte de carga (CSC) do solo.

A compactação do solo caracteriza-se pela compressão do solo, com alteração na organização das partículas, com aumento da densidade e redução da porosidade do solo. A extensão do problema no solo varia de acordo com a massa do veículo, tipo de solo, teor de água no solo, velocidade da máquina, pressão de contato, número de passadas e as interações desses fatores com as práticas agrícolas.

A compactação é causada pela carga estática aplicada sobre o solo e forças dinâmicas, provocadas pela vibração do trator e implemento, patinagem dos rodados, mudanças de direção bruscas e alterações na aceleração/frenagem. Sabe-se que, quando a pressão aplicada sobre o solo excede a sua resistência interna, a compactação adicional ocorre com mudanças nos seus atributos, criando restrições ao desenvolvimento radicular. É fundamental que o solo apresente condições favoráveis ao crescimento das raízes, o que permite explorar um maior volume de solo em profundidade, aumentando o acesso à água e a nutrientes e reduzindo os riscos de déficit hídrico, permitindo a cultura expressar seu maior potencial produtivo.

Uma alternativa de manejo que pode ser bem-sucedida para o cultivo da cana nos canaviais brasileiros é uso do manejo com controle de tráfego. Esse sistema de manejo separa as zonas de tráfego das zonas em que há crescimento das plantas, concentrando a passagem de pneus em linhas permanentes, assim, uma área menor será atingida. Para isso deve ocorrer uma mudança no espaçamento da cultura e/ou na bitola das máquinas. Os canaviais que já adotam o controle de tráfego usam espaçamento da cana com 1,5m e bitola do trator e transbordo de 3m, divergindo do manejo tradicional que utiliza espaçamento entre 1,4m a 1,5m e bitola das máquinas inferior a 2m.

Em complemento ao ajuste do espaçamento da cultura e da bitola das máquinas, tem sido utilizado o sistema de direção assistida, mais conhecido como piloto automático. Este equipamento é utilizado para guiar as máquinas agrícolas em operações de campo, de tal forma que o deslocamento ocorra sempre em linhas paralelas, o que resulta na maior uniformização do espaçamento, com melhor aproveitamento do terreno e menor tráfego sobre as linhas de cultivo. Em canaviais, o ajuste da bitola das máquinas ao espaçamento da cultura aliado ao uso do piloto automático contribui para reduzir em 26% a área trafegada pelos pneus agrícolas, devido à sobreposição das passadas dos pneus no centro das entre linhas.

No manejo com controle de tráfego surge o conceito de “canteiro da cana", ou seja, uma área de 40cm de cada lado da linha de cultivo não recebe tráfego de rodados do conjunto trator-transbordo, enquanto no manejo tradicional ocorre o tráfego dos pneus ao lado ou mesmo sobre a soqueira, o que prejudica o crescimento e a longevidade dos canaviais. Portanto, o controle de tráfego pode ser uma prática de manejo que tem como objetivo preservar as condições de solo ideal para o crescimento das culturas nos locais não trafegados, contribuindo para aumentar a longevidade da lavoura.

Outra medida efetiva na prevenção da compactação do solo é o uso de máquinas mais leves ou realizar seu tráfego em solos mais secos, aplicando pressões inferiores à capacidade de suporte de carga (CSC) do solo. A capacidade de suporte de carga do solo representa uma relação entre a pressão de pré-consolidação do solo e sua umidade, de tal forma que o aumento da umidade reduz a pressão de pré-consolidação pelo solo e, consequentemente, a CSC. A pressão de pré-consolidação do solo é a maior sofrida pelo solo no passado, assim, a aplicação de pressões sobre o solo maiores que a pressão de pré-consolidação causa deformação não recuperável, ou seja, compactação adicional e degradação da estrutura do solo.

Um trabalho de campo foi realizado na safra 2010/2011 em uma lavoura comercial de cana-de-açúcar intensamente mecanizada no município de Pradópolis-SP (Usina São Martinho) com objetivo de avaliar a capacidade de suporte de carga de um Latossolo Vermelho distrófico (textura argilosa e topografia plana) e o desenvolvimento radicular nos sistemas de manejo tradicional e com controle de tráfego. No manejo da lavoura foi usado um trator Case MX, potência do motor de 270cv e massa de 12t. Na colheita da cana foi usada a colhedora de esteira Case A-7700, rodado tipo esteira, potência do motor de 335cv e massa de 19t e o mesmo trator Case MX, arrastando um transbordo de três compartimentos com massa total (carregado) de 40t.

De acordo com os resultados do trabalho, o manejo com controle de tráfego proporcionou menor densidade do solo e maior porosidade na linha de plantio (LP, soqueira), em comparação ao manejo tradicional. Isso ocorreu em razão da ausência do tráfego de pneus do trator e transbordo sobre, ou próximo, à soqueira, no manejo com controle de tráfego. No centro da entre linha (EL), o solo apresentou maior densidade e menor porosidade no manejo com controle de tráfego, já que o tráfego dos pneus se sobrepõe ao longo das passadas das máquinas. Assim, o ajuste da bitola do trator e do transbordo e o uso do piloto automático aliam uma melhor condição de tráfego na entre linha, com a ausência de tráfego na linha de plantio e no canteiro da cana, o que preserva a qualidade física do solo na região de desenvolvimento radicular.

No centro da entre linha, o solo com controle de tráfego apresentou maior CSC em relação ao manejo tradicional, para qualquer teor de umidade. Recomenda-se realizar o tráfego de máquinas com umidade do solo inferior ao limite de plasticidade (34% peso seco), ou seja, numa condição de solo friável ou tenaz. Vale ressaltar que a região de friabilidade representa uma faixa de umidade do solo, onde o teor de água é adequado para as operações mecanizadas, principalmente de preparo do solo. Para as condições da pesquisa, tomando este valor como exemplo, constata-se maior capacidade de suporte de carga no manejo com controle de tráfego (335kPa), em comparação ao manejo tradicional (299kPa). Os resultados refletem o efeito da maior compactação do solo no centro da entre linha de plantio no manejo com controle de tráfego, causada pela sobreposição das passadas dos pneus do trator e do transbordo, o que aumenta a tração das máquinas, promovendo economia de combustível e ganhos no rendimento do serviço. Contudo, deve-se atentar que a compactação do solo pode se desenvolver lateralmente em sentido ao canteiro da cana e, assim, prejudicar as raízes e mascarar os benefícios deste sistema de manejo.

Para qualquer valor de umidade do solo, o manejo tradicional apresentou maior capacidade de suporte de carga na linha de plantio. Considerando novamente a umidade de 34%, a CSC no manejo tradicional foi de 315kPa, enquanto no manejo com controle de tráfego foi de 292kPa. Essa maior resistência do solo no manejo tradicional na linha de plantio é caracterizada pelo efeito do tráfego de pneus agrícolas próximo à soqueira da cana, ao longo dos ciclos de cultivo, tornando o solo mais compactado e mais resistente a novas deformações. Solos com valores elevados de pressão de pré-consolidação apresentam maior resistência mecânica à penetração de raízes, o que pode restringir o crescimento radicular e a produtividade da cana.

Um possível problema no manejo com controle de tráfego nos canaviais brasileiros, e presente neste trabalho, é o uso de colhedoras com bitola diferente da bitola das máquinas, que promove o tráfego da esteira próximo à linha de plantio (região do canteiro). Neste caso, a colhedora possui bitola de 1,88m e aplica uma pressão de contato de 132kPa sobre a superfície do solo. Essa pressão é inferior à CSC do solo, para qualquer umidade do solo, na linha de plantio nos dois sistemas de manejo, evitando a compactação adicional do solo. Esse resultado indica elevada resistência interna entre partículas e agregados, que imprimiu maior estabilidade estrutural ao solo. Um dos principais responsáveis pela compactação nos canaviais tem sido o tráfego do trator e transbordo, na colheita, e de máquinas autopropelidas na aplicação de insumos, pois estes apresentam pequena área de contato do pneu com o solo, exercendo pressões na superfície do solo que podem ultrapassar 450kPa.

Do ponto de vista prático, o aumento na área de contato do rodado com o solo é eficiente em reduzir o risco de compactação causado pelo tráfego de máquinas. Outra medida preventiva tem sido o monitoramento da umidade do solo e a tentativa de realizar as atividades mecanizadas em condição de umidade inferior à limitante, indicada no modelo de CSC. Por exemplo, um trator utilizado em operações agrícolas exerce uma pressão estática na superfície do solo de 363kPa, assim essa máquina deve trafegar no solo em condição de umidade inferior a 29%, para o manejo com controle de tráfego (Figura 2). Para o manejo tradicional, a mesma pressão deve ser exercida, em condição de umidade inferior a 18% (Figura 2). Assim, o manejo com ajuste da bitola e uso de piloto automático favorece os cronogramas de trabalho em empresas agrícolas, em razão da menor dependência da umidade do solo (que é influenciada pelas condições climáticas), pois permite o trabalho das máquinas agrícolas sobre o solo mais úmido.

O trabalho possibilitou ainda observar maior enraizamento da cana no uso do controle de tráfego em relação ao manejo tradicional. Esses resultados expressam os benefícios do manejo com controle de tráfego para o cultivo da cana-de-açúcar. Foi observada diminuição da matéria seca das raízes, no sentido da linha de plantio para o centro da entre linha, nos dois sistemas de manejo avaliados. A menor quantidade de raízes na entre linha está relacionada, principalmente, a limitações físicas do solo causadas pelo tráfego de máquinas. A maior compactação do solo restringe o crescimento radicular e reduz o volume de solo utilizado, o que pode causar perda de produtividade, principalmente em culturas de sequeiro.

O sistema de manejo da cana-de-açúcar com controle de tráfego promoveu maior CSC do solo na entre linha e possibilitou o tráfego de máquinas agrícolas em solos com maior teor de umidade, devido os maiores valores de pressão de pré-consolidação (o ajuste da bitola do trator e transbordo para 3m e o uso de piloto automático contribuem para a preservação da qualidade física do solo, na região da soqueira, e para o maior desenvolvimento do sistema radicular da cana-de-açúcar).

Avaliar a suscetibilidade do solo à compactação e as alterações nos seus atributos causadas pelo tráfego de máquinas agrícolas deve ser uma preocupação dos agricultores, isso porque as limitações podem reduzir a produtividade das culturas e a rentabilidade da atividade agrícola. O emprego de controle de tráfego em áreas intensamente mecanizadas representa uma forma racional de manejo, que minimiza o efeito da compactação sobre a cana e seu sistema radicular, contribuindo para tornar a atividade mais sustentável e competitiva. Agradecemos a Usina São Martinho por disponibilizar a área de estudo e pelo auxílio no trabalho de campo.

Este artigo foi publicado na edição 137 da revista Cultivar Máquinas. Clique aqui para ler a edição.


Compartilhar

Mosaic Biosciences Março 2024