Boi verde-amarelo

A suplementação alimentar de bovinos em pastejo permite viabilizar uma pecuária de ciclo mais curto, gerando renda em menos tempo. O boi nacional não seria mais “verde”, mas sim, verde e amarelo, representando o uso

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

O Brasil possui, hoje, o maior rebanho comercial de bovinos do mundo, com cerca de 168 milhões de cabeças, porém, seus índices de produtividade ainda são baixos, com uma taxa média de abate de 20,5%. A atividade da pecuária no Brasil envolve uma área de 225 milhões de hectares e produz cerca de 7,2 milhões de toneladas de carcaça/ano.

A cadeia produtiva de carne bovina emprega cerca de 7,5 milhões de pessoas, envolvendo um faturamento anual de US$ 13,7 bilhões. A carne brasileira é competitiva no mercado internacional, tanto pelo tamanho do seu rebanho, mas, principalmente, pela participação intensiva do pasto. Entretanto, sistemas de produção baseados exclusivamente a pasto impõem limites nutricionais que inviabilizam o abate com idade inferior aos 30 meses.

Esta pecuária de ciclo curto é uma imposição que o mercado está fazendo sobre os pecuaristas. Se o Brasil pretende ocupar este novo mercado, é necessário melhorar a qualidade da dieta dos bovinos em pastejo. Isto pode ser alcançado usando-se da suplementação alimentar. Portanto, o “Boi Nacional” precoce não seria mais totalmente “verde”, mas sim, “verde” com uma pequena faixa “amarela”, representando o uso de grãos. Esta situação do animal no pasto vai caracterizar o bovino brasileiro no mercado internacional, como o “Boi Verde-Amarelo”, sinônimo de um produto saudável e ecologicamente desejável.

A suplementação

A carne brasileira, para ser competitiva, precisa explorar melhor o Sistema Ecológico das Pastagens e complementar as deficiências nutricionais com muito critério, dentro de uma meta de produção bem estabelecida. No Brasil, ao contrário de países de clima temperado, é possível explorar este sistema o ano todo. Os elementos que compõem o sistema ecológico das pastagens são a energia solar (luz e calor); a planta, componente sintetizador das substâncias orgânicas (fotossíntese); os bovinos, componente transformador da matéria vegetal em carne, leite ou lã (fermentação ruminal); o solo, componente sustentador e fornecedor de elementos nutritivos; a umidade, fornecedora de água; e, o ar, fornecedor de CO2, O2, e N2.

Executar uma pecuária racional é alcançar um equilíbrio entre todos esses componentes, de forma a manter a sustentabilidade do sistema. A palavra-chave para isso é o manejo das pastagens, que, basicamente, consiste em manter uma harmonia entre o boi e o pasto. Uma planta fraca (desfolha permanente pelo animal) não consegue utilizar com eficiência os elementos do sistema ecológico, produzindo pouca massa e, conseqüentemente, poucos nutrientes para o animal em pastejo. Este, por sua vez, vai apresentar baixo desempenho produtivo.

O que se propõe é utilizar bem o pasto e utilizar a suplementação como uma forma de alcançar metas mais precoces de produção. Por exemplo, para se reduzir a idade de abate para menos de 30 meses, é preciso suplementar, entretanto, a permanência do suplemento no sistema produtivo só ocorrerá se houver uma relação custo/benefício favorável.

Existem diversas possibilidades do uso do suplemento para o animal em pastejo, envolvendo tanto o sistema de cria (reduzir idade primeira cria, aumentar a taxa de reconcepção de primíparas, aumentar taxa de natalidade do rebanho, melhorar peso de bezerros à desmama) como o de recria e engorda (reduzir idade de abate).

Na Embrapa Gado de Corte, localizada em Campo Grande (MS), existem estudos visando o uso racional do suplemento na fase de recria e engorda de novilhos mestiços castrados. Em uma área de 66,4 ha de pastagem de Brachiaria brizantha (capim Marandu ou braquiarão) foi implantado um experimento para avaliar níveis de suplementação (recria de seca pós-desmama e recria de águas) sobre o desempenho de animais Pardo Suíço Corte x Nelore, castrados, com peso vivo médio à desmama de 198 kg (idade média de 9 meses). Dados relativos ao período de seca (julho a outubro de 2001) mostraram que o efeito da suplementação no ganho de peso foi linear (P<0,001), resultando nos seguintes valores: 0,543, 0,695, 0,758 e 0,925 kg/cab/dia, respectivamente à oferta de 0,0; 0,5; 1,0; e 2,0 kg de concentrado/cab/dia.

Este desempenho animal pode viabilizar sistemas mais precoces de produção de carne a pasto, como mostram os resultados econômicos, em que o nível mais alto de concentrado apresentou a maior margem de ganho (R$ 21,79/ani). Entretanto, é bom observar que o ganho de peso dos animais apenas com pasto mais a mistura mineral (zero de suplemento) foi de 0,543, muito acima do normal. Isto porque o pasto era de primeiro ano e manteve-se durante a seca com uma produção de matéria seca foliar (MSF) acima de 800 kg/ha e teor de proteína bruta de 8,1%.

Este resultado nos sugere que é possível alcançar bom desempenho com um pasto bem manejado (pasto novo), reduzindo a necessidade do uso do suplemento. É importante lembrar que quando os animais suplementados não serão abatidos ao final da mesma, sua permanência no pasto durante o ciclo de águas seguinte implica em uma redução na manifestação do ganho compensatório, tanto maior quanto maior for o ganho de peso no período de seca anterior.

O ganho compensatório é uma manifestação biológica que ocorre naturalmente em um animal que passou por um período de escassez alimentar (por exemplo, na seca) e retorna a repleção alimentar (por exemplo nas chuvas), resultando em um aumento na taxa de ganho de peso. Esse fato deveria ser explorado quando se trabalha com a suplementação na seca, caso contrário, a vantagem de um maior ganho, neste período do ano (às custas de um concentrado), pode ser reduzida pelo “engessamento” da manifestação do ganho compensatório na estação seguinte de chuva.

Os resultados de águas (out/01 a mar/02), embora ainda parciais, mostraram respostas inferiores ao suplemento (0,680, 0,722, 0,737 e 0,854 kg/cab/dia, respectivamente para os tratamentos 0,0; 0,5; 1,0; e 2,0 kg de concentrado/cab/dia). Este fato resultou em retornos negativos, apesar de ter contribuído para um aumento no ganho de peso, em comparação ao tratamento sem concentrado. Lembrar que o peso vivo ao final da recria de águas (maio-junho) é essencial que esteja próximo ou acima de 400 kg (animal com cerca de 18 meses de idade). Isto vai contribuir para reduzir o tempo de engorda, fase em que a conversão alimentar é mais baixa, e contribuir para melhorar a rentabilidade do sistema.

Conclusão

Em qualquer sistema de produção de carne, o pasto é o alimento mais barato ao animal e o bom manejo deveria ser a primeira preocupação do pecuarista. Complementando o bom manejo do pasto, e visando a alcançar uma meta mais precoce, viria a suplementação, que deveria ser utilizada em função de quatro pontos básicos: quantidade e qualidade do pasto, custo do suplemento, custo do ganho adicional e preço do boi gordo.

Resultados parciais deste experimento mostram que o potencial para ganho de peso das pastagens tropicais na seca pode ser ampliado com o manejo e a suplementação alimentar. Aparentemente, esses benefícios ocorrem com menor intensidade nas águas do que na seca, quando se utilizou de uma pastagem de capim Marandu de primeiro ano, mas ambos contribuíram para um maior peso vivo ao final de recria.

Além disso, é bom lembrar que investir em qualidade de dieta com animais jovens em crescimento (recria de seca pós-desmama e recria de águas), resulta em maior eficiência, visto que a conversão alimentar de um animal em crescimento é melhor do que um animal em terminação.

Luiz Roberto Lopes S. Thiago

Embrapa Gado de Corte

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