Caderno Técnico Agosto Parte 2: Mais que essencial

Com a diminuição da sensibilidade de fungicidas sitio específicos observada ao longo dos últimos anos o emprego de multissítios ganha cada vez mais importância dentro do conjunto de medidas antirresistência

29.08.2019 | 20:59 (UTC -3)

A cultura da soja (Glycine max) se constitui atualmente como a mais importante para a agricultura brasileira, com uma área cultivada próxima a 35,8 milhões de hectares na safra 2018/19, representando 57% da área destinada à produção de grãos (CONAB, 2019).

           

Dentre os vários limitantes para se atingir o potencial máximo de produtividade da cultura da soja estão as doenças. No Brasil, já foram identificadas mais de 40 enfermidades causadas por fungos, bactérias, nematoides e vírus (Embrapa Soja, 2013).

Anteriormente à safra 2001/02, o sojicultor realizava, em geral, de uma a duas aplicações de fungicidas para controle de doenças foliares, que consistiam principalmente de oídio (Erysiphe diffusa) e DFCs (doenças de final de ciclo - Septoria glycines e Cercospora kikuchii). Em maio de 2001, foi detectada pela primeira vez a ocorrência de ferrugem-asiática da soja (Phakopsora pachyrhizi) no Brasil (Jaccoud Filho et al, 2001, e Yorinori, 2001), o que alterou drasticamente o cultivo e o manejo da soja no território brasileiro.

Devido ao alto potencial de redução de produtividade deste patossistema e por produzir esporos em alta quantidade, que são disseminados pelo vento, fez-se e faz-se necessária a adoção de diferentes métodos de controle de forma conjunta em todo o país e em países vizinhos. Dentre estes métodos  estão o vazio sanitário, para se evitar presença de soja durante o inverno, reduzindo inóculo para a safra seguinte, a calendarização de semeadura, a utilização de variedades precoces semeadas no início do período ideal à cultura da soja, o uso de variedades com genes de resistência e o controle químico.

Triazóis ou inibidores da demetilação (IDM) foram os primeiros fungicidas a serem utilizados no controle desta doença. Estes se ligam e inibem especificamente a atividade de uma única enzima (citocromo P450 14a-desmetilase - cyp51), que é necessária na rota de biossíntese de ergosterol em fungos, o qual desempenha funções essenciais para a organização e a estrutura da membrana celular do fungo.

Por se tratarem de fungicidas com sítio-específico de ação (apenas uma enzima em uma única rota metabólica), menor sensibilidade de P. pachyrhizi aos produtos IDM foi oficialmente relatada em 2008 no Brasil, sendo confirmado que esta redução de sensibilidade é devido à presença de seis mutações no gene da enzima cyp51 (F120L, Y131F/H, K142R, I145F e I475T), além de uma superexpressão da enzima-alvo (Schmitz et al, 2013).        

Estas mutações, quando presentes na população do fungo, têm um custo adaptativo, ou seja, a população com mutação tende a ter desvantagens em relação à população do fungo sem as mutações (Klosowski et al, 2016). Com isso, quanto maior o período de não utilização de fungicidas à base de triazóis durante o ano (vazio sanitário e calendarização de semeadura), menor será o aumento dessa frequência de mutações.

A ferrugem asiática, causada por P. pachyrhizi, tem registrado menor sensibilidade a fungicidas sítio-específicos
A ferrugem asiática, causada por P. pachyrhizi, tem registrado menor sensibilidade a fungicidas sítio-específicos

O segundo grupo de fungicidas a ser utilizado para controle de ferrugem-asiática foi o de Inibidores da Quinona externa (IQe), ou estrobilurinas. Estes produtos, através da ligação em um único site (Qe site do citocromo b), inibem a respiração mitocondrial do fungo, o que impede a produção de energia para o desenvolvimento do patógeno.

Estrobilurinas também apresentam sítio-específico de ação e, após dez anos de uso destes ingredientes ativos, isoladamente ou em misturas com triazóis que já apresentavam redução de eficácia, foi reportado menor sensibilidade de P. pachyrhizi a este grupo de fungicidas (Frac, 2014). Em estudo, publicado em 2015, foi comprovada a presença da mutação F129L no gene do citocromo b (Klosowski et al, 2015). Para essa mutação não há custo adaptativo, de acordo com Klosowski et al (2016), onde a população com a presença da mutação F129L no gene do citocromo b se desenvolveu igualmente à população sem a presença da mutação.

Mais recentemente, a partir de 2013, quando o Brasil já passava de 30 milhões de hectares cultivados de soja, foram lançados os primeiros fungicidas à base de carboxamida, ou Inibidor da Succinato Desidrogenase (ISDH). Estes fungicidas também agem na inibição da respiração, porém atuam no complexo II, se ligando à enzima succinato desidrogenase, interrompendo o processo.

Estes ingredientes ativos do grupo ISDH foram lançados no mercado primeiramente em mistura com estrobilurinas. Como já abordado, desde 2014, populações de P. pachyrhizi apresentavam menor sensibilidade a estrobilurinas, o que levou a uma pressão de seleção muito grande nas carboxamidas, acarretando, em apenas três anos de uso, o aparecimento de populações de ferrugem-asiática com menor sensibilidade a estes ingredientes ativos, com uma mutação na subunidade C da enzima (C-I86F) (Frac, 2017).

Além da ferrugem-asiática, outras doenças têm recebido destaque, principalmente as que sobrevivem em restos culturais e sementes de uma safra a outra. Com a intensificação da agricultura brasileira, com ao menos duas safras ao ano em grande parte das áreas agrícolas do Brasil, a rotação de culturas tem diminuído progressivamente, beneficiando os fungos necrotróficos, como Septoria glycines (mancha parda), Corynespora cassiicola (mancha alvo), Colletotrichum dematium var. truncata (antracnose), dentre outros.

De acordo com dados publicados por diferentes instituições de pesquisa, para áreas com sintomas iniciais ou histórico de doenças necrotróficas, a pulverização de fungicidas no vegetativo tem mostrado vantagem. Como o terço inferior é responsável por ao menos 30% da produção de cada planta de soja nas variedades atuais, a conservação e a proteção destas folhas antes do fechamento das entre linhas são de extrema importância para a manutenção de altas produtividades.


Dentre as doenças foliares causadas por fungos necrotróficos, a mancha alvo vem ganhando destaque. Esta doença atualmente está inserida nos cultivos de soja no Centro-Oeste brasileiro, principalmente no estado do Mato Grosso. É de difícil controle químico, pois apenas alguns ingredientes ativos dentro do grupo dos triazóis e das carboxamidas apresentam um bom controle, visto que para estrobilurinas e MBCs ou benzimidazóis (carbendazin) já foram relatadas perdas de sensibilidade deste patógeno (mutação G143A no gene do citocromo b para estrobilurinas e mutações E198A e F200Y no gene da b-tubulina para benzimidazóis - Frac 2016).

Uma das únicas carboxamidas que promoviam um bom controle de mancha alvo em soja, também é amplamente utilizada em algodão para controle de Ramularia areola. Como a mancha alvo incide na soja e no algodão, o mesmo ingrediente ativo está sendo utilizado em soja e algodão em cinco ou mais aplicações durante o ano todo, promovendo uma pressão de seleção de populações resistentes de C. cassiicola. Devido a este intenso uso, em 2018, o Frac comunicou a detecção de duas mutações (B-H278Y e C-N75S) no gene da enzima succinato desidrogenase, levando à redução de sensibilidade do fungo às carboxamidas.

Desta forma, nota-se que para a ferrugem-asiática, todos os grupos de fungicidas sítios-específicos registrados até julho de 2019 já têm redução de eficiência no controle da doença, com exceção das morfolinas. Para a mancha alvo, o fungo já apresenta perda de sensibilidade a estrobilurinas, benzimidazóis (carbendazin) e carboxamidas, restando somente triazóis como fungicidas eficazes de sítio-específico registrados até julho 2019, de acordo com a Tabela 1.

Devido ao fato de haver uma extensa área com a cultura da soja nas últimas safras e uso de pelo menos duas pulverizações de fungicidas sítio-específicos em toda área, foram selecionadas populações de fungos resistentes a fungicidas. De acordo com as doenças ocorrentes em cada região, diferentes fungicidas foram utilizados em maior escala. Isto culminou na seleção de populações resistentes, com diferentes porcentagens de frequência de mutação em cada região do País, principalmente para o caso de P. pachyrhizi. Com isso, o uso de um mesmo programa de aplicações de fungicidas, mesmo que alternando diferentes modos de ação de sítio-específico, mostrou diferentes resultados de controle em diversas regiões do País, de acordo com Figura 1A.

O uso de fungicidas multissítios, uma das medidas antirresistência, se mostra atualmente mais que essencial. A associação de mancozebe (Unizeb Gold), um fungicida multissítio, com fungicidas sítio-específicos traz maior segurança no resultado final de controle de ferrugem-asiática (Figura 1B) e outras doenças. Com o cenário atual de resistência e a dificuldade de se prever qual será a resposta de cada fungicida sítio-específico nas safras seguintes, o uso de fungicidas multissítios ajuda a garantir patamares mais altos de controle, garantindo a manutenção de altas produtividades.

Com projeções publicadas em 2019 pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), a cultura da soja continuará a crescer em área e produção nos próximos dez anos, atingindo 45 milhões de hectares na safra 2028/29. Com uma área tão ampla, em ambiente tropical e em um cenário de resistência de fungos a fungicidas, recomenda-se que todo sojicultor siga a rigor as recomendações do Fungicide Resistance Action Committee (Frac), para que os riscos de perdas de produtividade por doenças possam ser reduzidos ao máximo e para que também se preserve a manutenção da eficácia dos fungicidas, uma tecnologia indispensável para o cultivo da soja no Brasil.

Com a predominância dos materiais de ciclo curto plantados em 76% da área de soja no Brasil (fonte: Bip Spark Soja Safra 2018/19) e as aplicações de fungicidas sendo antecipadas, é necessário prestar atenção não apenas à ferrugem, mas sobretudo ao complexo de doenças que atacam a soja, podendo reduzir a produtividade em algumas situações entre seis sacas/hectare e dez sacas/hectare, sem que o agricultor perceba.

A UPL inova mais uma vez, através de uma plataforma de manejo inteligente, composta por Tridium no pré-fechamento das entre linhas, seguido de duas aplicações sequenciais de Unizeb Gold, junto ao fungicida de sítio-específico escolhido pelo agricultor em R1 e R1 + 15 dias. Desta maneira, o produtor começa sua jornada de proteção desde o início, com manejo de resistência adequado, assegurando altas produtividades no momento de colheita.

Figura 1 - Controle de ferrugem asiática da soja com o uso de diferentes programas de pulverização de fungicidas em diferentes locais sem a associação de um fungicida multissitio (A) ou com associação de um fungicida multissítio, Unizeb Gold (mancozeb), em todas as aplicaçãoes (B). Dose de fungicidas específicos utilizadas de acordo com bula e dose de Unizeb Gold 1,5kg/ha. Fonte: Dados internos UPL
Figura 1 - Controle de ferrugem asiática da soja com o uso de diferentes programas de pulverização de fungicidas em diferentes locais sem a associação de um fungicida multissitio (A) ou com associação de um fungicida multissítio, Unizeb Gold (mancozeb), em todas as aplicaçãoes (B). Dose de fungicidas específicos utilizadas de acordo com bula e dose de Unizeb Gold 1,5kg/ha. Fonte: Dados internos UPL

Recomendações do Frac para o manejo de doenças em soja

• Esteja atento ao monitoramento constante das doenças da soja, especialmente a ferrugem, e realize as aplicações em intervalos adequados seguindo as recomendações do fabricante;

• Realize a aplicação dos fungicidas de forma preventiva, sempre em associação com fungicidas multissítios;

• Utilizar sempre misturas comerciais formadas por dois ou mais fungicidas com mecanismos de ação distintos;

• Rotacione fungicidas com diferentes mecanismos de ação (triazóis, estrobilurinas, carboxamidas, morfolinas e multissítios);

• Não ultrapasse o número máximo de duas aplicações de fungicidas de mecanismo de ação específico no mesmo ciclo de cultivo;

• Utilize tecnologia de aplicação adequada;

• Não plante soja “safrinha”;

• Respeite o vazio sanitário e elimine as plantas voluntárias remanescentes em lavou as e beiras de estrada (guaxas);

• Procure realizar o plantio na época recomendada, utilizando variedades de ciclo mais curto e, se possível, com tolerância genética frente à doença;

• Realize a rotação de culturas.

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Ayrton Berger Neto

Coord. da Estação Experimental UPL

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