Caderno Técnico Soja Parte 2: Via dupla

Ao mesmo tempo em que a soja experimenta rápido crescimento do teto produtivo no Brasil, desafios fitossanitários crescem em velocidade proporcional

11.07.2019 | 20:59 (UTC -3)


A ferrugem da soja (Phakopsora pachyrhizi) está presente no Mato Grosso desde a safra 2002/2003. Nestas 17 safras, houve muitos aprendizados. Fatores como grandes extensões de soja como hospedeiro preferencial, ambiente tropical com alta umidade e molhamento foliar prolongado; temperatura adequada, períodos chuvosos dificultando as aplicações de fungicidas e um patógeno que se multiplica a taxas explosivas fizeram com que a ferrugem encontrasse no Brasil um dos melhores locais do mundo para se propagar e causar grandes danos. Como se isso não bastasse, as ferramentas de manejo para essa doença se fundamentam basicamente no controle químico e no escape, visto que praticamente não há resistência genética e outras ferramentas de manejo efetivas.

Por conta disso, a exposição dos poucos mecanismos de ação eficientes para controle da doença tem sido alta, favorecendo a adaptação do fungo aos fungicidas sítio-específicos atualmente utilizados, como no caso dos triazóis, estrobilurinas e carboxamidas. Os primeiros casos de resistência foram vistos em 2006/2007, apenas cinco safras após o início da exposição dos produtos, e confirmados na safra seguinte, para os triazóis. Atualmente, no Mato Grosso, há populações com resistência múltipla para os três mecanismos de ação anteriormente citados, e as observações de pesquisa mostram que o processo de seleção de populações resistentes do fungo aos fungicidas não está estabilizado, ou seja, as eficácias continuam caindo ano após ano.

Os fungicidas multissítios têm trazido um grande conforto para o negócio da soja, contribuindo grandemente para o manejo de resistência e a melhora do controle de doenças (Tabela 1).

Todavia, este grupo de produtos também tem suas limitações, principalmente pelo efeito residual curto (Figura 1) e pelo espectro de controle. Funcionam muito bem, desde que associados aos fungicidas sítio-específicos. E nesse contexto, para que a combinação sítio-específico + multissítio apresente bons resultados, é fundamental que os sítio-específicos continuem entregando eficácias satisfatórias, e assim, tenham uma ação complementar aos multissítios.

Figura 1 - Percentagem de controle de ferrugem da soja, com diferentes intervalos entre aplicações de Mancozebe. Estação Experimental Agrodinâmica, Campo Novo do Parecis, 2018/2019
Figura 1 - Percentagem de controle de ferrugem da soja, com diferentes intervalos entre aplicações de Mancozebe. Estação Experimental Agrodinâmica, Campo Novo do Parecis, 2018/2019

Os grandes temores, principalmente das regiões onde a ferrugem da soja tem sido mais agressiva no Mato Grosso (Parecis, Sul e Leste do Estado), são de que a doença se manifeste mais cedo que o normal nos últimos anos ou que haja algum veranico forte por ocasião da semeadura, atrasando o plantio, atingindo assim a cultura em fases mais jovens. Caso isso ocorra, a pesquisa tem mostrado que o impacto poderá ser muito grande, pois a doença consegue gerar mais ciclos, causando mais danos e perdas. Além disso, muitos produtores têm dificuldade em entender o conceito dos multissítios, alegando não enxergar benefícios, dificuldade na aplicação e aumento constante do custo de produção. Por fim, o Mato Grosso tem ainda um sistema de semeadura fora da janela normal de plantio (dezembro ou fevereiro) para produção de sementes salvas, o que potencializa o processo de seleção de fungos resistentes.

A mancha-alvo (Corynespora cassiicola), no Mato Grosso, começou a ter maior importância no final da década de 1990, com o lançamento de cultivares resistentes ao nematoide-do-cisto da soja que apresentavam alta suscetibilidade. Desde então, parte significativa dos materiais lançados no mercado tem apresentado suscetibilidade e demandado atenção ao manejo. Apesar de ser um patossistema menos agressivo que a ferrugem da soja, perdas significativas têm sido notadas em algumas cultivares, quando a mancha-alvo não é eficientemente controlada. A agressividade da doença parece ter aumentado nos últimos anos. Perdas em materiais suscetíveis, que até então eram de 5sc/ha a 8sc/ha, aumentaram para 10sc/ha a 15 sc/ha nas últimas safras, atingindo até 20sc/ha na safra 2018/19. 

O processo de seleção de populações de fungos menos sensíveis aos fungicidas também está presente para a mancha-alvo. Em 2009/2010 foi confirmada no campo a redução de eficiência para os fungicidas benzimidazóis frente à doença. Diferentemente da ferrugem, as opções atuais de controle químico para C. cassiicola são mais restritas. Dentre os fungicidas com maior eficácia, se destacam aqueles contendo protioconazol, fluxapiroxade e bixafem, ou seja, uma oferta muito limitada de princípios ativos, que precisam ser utilizados de maneira correta, a fim de manter a eficácia. Uma queda de performance para algumas carboxamidas no campo já foi observada (confirmado pelo Frac em dezembro/2018) e isso põe em alerta as questões de manejo.

O fungo C. cassiicola pode hospedar-se em outras culturas importantes no estado do Mato Grosso. Uma delas é o algodão. São mais de 1 milhão de hectares cultivados na última safra, onde a soja, sob a resteva dessa cultura, apresenta maior severidade da doença e mais dificuldade de controle. Outra espécie é a Crotalaria spectabilis, muito importante no manejo de nematoides. Porém, se torna um problema no caso da mancha-alvo, pois, ao ser hospedeira, tem aumentado a severidade da doença na soja cultivada na sua resteva. Os fungicidas multissítios têm tido importante contribuição no controle dessa doença, especialmente o mancozebe. Mas, novamente, é preciso que os fungicidas sítio-específicos continuem tendo performance, para que os multissítios consigam complementar o controle.

Considerando que a mancha-alvo tem aumentado sua severidade, que possui outros hospedeiros, que muitas cultivares de soja são suscetíveis e que as ferramentas químicas são limitadas, a sugestão é que o produtor empregue o máximo de ferramentas de maneira integrada, conhecendo o histórico da área, a escolha da genética, o monitoramento para definir o momento correto de controle, novas formulações de fungicidas, o uso dos multissítios e a rotação de mecanismos de ação.

O crestamento foliar de cercóspora (Cercospora kikuchii) tem sido a Doença de Final de Ciclo (DFC) mais importante do Mato Grosso, e está presente desde os tempos em que começou a aplicação fungicida em soja (por volta de 1996 a 1998). Essa doença inicialmente era controlada com fungicidas benzimidazóis no final do ciclo, porém, passou a não ser mais vista devido ao grande número de aplicações de triazóis e estrobilurinas após o surgimento da ferrugem da soja. O lançamento de cultivares mais suscetíveis e a redução da performance de alguns fungicidas têm trazido de volta essa moléstia, que tem estado presente nos últimos três anos a quatro anos, causando maturação acelerada de lavouras, encurtando o ciclo e reduzindo a produtividade entre 3sc/ha e 5sc/ha em algumas cultivares, em resultados preliminares. Identificar os materiais mais suscetíveis e tratá-los conforme a sua necessidade têm trazido respostas viáveis para esta doença (Figura 2).

Figura 2 - Parcela testemunha sem fungicida (A) e parcela com duas aplicações de clorotalonil (R3 e R5). Estação Experimental Agrodinâmica, 2015/2016
Figura 2 - Parcela testemunha sem fungicida (A) e parcela com duas aplicações de clorotalonil (R3 e R5). Estação Experimental Agrodinâmica, 2015/2016

Enfim, a soja tem experimentado tetos produtivos nunca vistos antes. Entretanto, da mesma forma que tem sido rápido o aumento de produtividade, os desafios têm surgido em igual velocidade (doenças foliares, radiculares, nematoides, sensibilidade ao fotoperíodo, épocas de semeadura e outros) e fazem com que a cultura se torne cada vez mais técnica e exija mais conhecimento para se conseguir explorar o potencial produtivo e garantir rentabilidade ao produtor.

Confira a parte 1 aqui.

Confira a parte 3 aqui.


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