Cancro no ataque

Doença constatada no Brasil em 1957 continua a ameaçar os pomares de citros. Levantamento do Fundecitrus aponta que o número de talhões infectados em São Paulo dobrou em relação ao ano passado. Veja alterna

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

A cultura dos citros é uma das principais atividades do agronegócio brasileiro, movimentando mais de 5 bilhões de reais por ano, com geração de 500 mil empregos diretos e 3 milhões indiretos.

O Brasil é responsável por aproximadamente um terço da produção mundial de laranja e pelo controle de 85% do mercado internacional de suco da fruta. Os plantios concentram-se no Estado de São Paulo, porém também existem de forma expressiva em Minas Gerais, Sergipe, Bahia e Rio Grande do Sul. Como o consumo vem aumentando, principalmente com a abertura de novos mercados na Ásia, existe demanda para aumento da produção, tanto de fruta para suco como para consumo in natura. Em relação à comercialização de frutas cítricas frescas, o Brasil produz na entressafra européia e possui um vasto mercado interno para ser explorado. Vários projetos de citricultura de mesa, seguindo o sistema de produção uruguaio, estão sendo implantados no sul do Rio Grande do Sul, onde as temperaturas favorecem a produção de frutas de alta qualidade.

Várias doenças têm causado problemas à citricultura. Uma das mais antigas é o cancro cítrico, também conhecido como o câncer dos citros. Anualmente, milhões de dólares são gastos em ações de prevenção e de erradicação de focos da doença.

O cancro cítrico é causado pela bactéria

pv. citri, tendo surgido no sudeste da Ásia, no centro de origem dos citros. No Brasil, a doença foi constatada em 1957, na região de Presidente Prudente, SP. Em seguida, foi relatada em municípios de Minas Gerais, Paraná, Mato Grosso do Sul, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

O cancro cítrico provoca lesões nas folhas, ramos e frutos e, conseqüentemente, queda da produção. Nas folhas, os sintomas aparecem nas duas faces, porém, sem deformá-las, diferenciando-se das demais doenças. Todas as lesões tendem a apresentar o mesmo tamanho, devido ao curto período de suscetibilidade à infecção. As lesões são pequenas, corticosas e salientes, inicialmente de cor amarela. Em estágio mais avançado, ficam semelhantes a verrugas, com centro marrom e um anel amarelado em volta. Nos ramos, as lesões ocorrem na forma de crostas de cor parda. Nos frutos, há uma tendência de as lesões serem mais salientes, com centro dilacerado e irregular, apresentando formato de crateras.

A bactéria encontra condições adequadas de sobrevivência nas lesões das folhas, ramos e frutos durante todo o ciclo da cultura. Pode sobreviver por 48 horas sobre plástico, metal, tecido de algodão e na pele humana; por dois meses em folhas e frutos após a sua queda no solo; por um ano em restos de cultura de citros; e durante anos em lesões de ramos lenhosos de plantas mortas.

Embora a bactéria possa se disseminar pela ação das chuvas, ventos, insetos e animais, o homem, por meio de mudas, ferramentas, borbulhas, folhas, ramos e frutos contaminados, tem sido o principal disseminador.

A bactéria penetra por meio de aberturas naturais dos tecidos (estômatos) ou por ferimentos provocados pelo vento, operações no pomar ou pela larva minadora (

). Esta larva chegou ao Brasil em 1996 e tem comprometido as ações de controle do cancro cítrico. Felizmente, nos últimos anos, a sua incidência diminuiu em função do controle biológico com a vespa

.

Temperaturas entre 28ºC e 30ºC e presença de um filme de água na superfície do tecido das plantas são ideais para a disseminação do cancro cítrico. Nessas condições, o número de lesões pode aumentar até 100 vezes em apenas 14 dias.

As folhas são mais suscetíveis ao ataque da bactéria de 14 a 25 dias após o início da brotação, enquanto que os frutos com cerca de 90 dias de idade.

O cancro afeta todas as cultivares de citros, porém existem variações quanto à tolerância à doença. Em ordem decrescente, as mais tolerantes são: ‘Poncan’, ‘Mexerica do Rio’, lima ácida ‘Tahiti’, laranja ‘Pêra’, laranja ‘Valência’, laranja ‘Natal’, tangor ‘Murcote’, limão ‘Cravo’, laranja ‘Hamlin’, laranja ‘Baianinha’, limão ‘Siciliano’, lima ácida ‘Galego’ e pomelo.

Certamente, a prevenção é a melhor alternativa para as propriedades e regiões em que não existem focos da doença. As principais medidas são:

Mudas - utilizar somente mudas certificadas, produzidas em viveiros-telado, em recipientes contendo substrato isento de patógenos e de propágulos de plantas daninhas, a partir de sementes e de borbulhas com garantia de qualidade genética e fitossanitária.

Cultivares - preferir materiais genéticos com maior tolerância.

Cercas - manter a propriedade fechada, de preferência com cerca-viva, para controlar o acesso de pessoas e de veículos.

Quebra-ventos - plantar nas divisas da propriedade e entre os talhões para dificultar a entrada e a disseminação da bactéria. Pode-se utilizar sansão do campo, jambolão, grevílea,

sp, eucalipto, dentre outras.

Trânsito - limitar o trânsito de veículos e de pessoas no pomar. Instalar um arco rodolúvio na entrada da propriedade para a desinfestação dos veículos ou utilizar pulverizador manual. Deve-se utilizar solução bactericida composta por amônia quaternária na diluição de um litro do produto comercial para 1000 litros de água.

Controle da larva minadora - biológico com a vespa

ou químico, dependendo do grau de infestação do pomar e da época do ano.

Material de colheita - o ideal é o citricultor possuir material próprio para a colheita. Caso isto não ocorra, deve-se realizar a desinfestação de escadas, sacolas e caixas.

Bins - construir depósitos para frutas colhidas na fronteira da propriedade para armazenamento temporário e carregamento dos caminhões, de forma a limitar a entrada de veículos no pomar.

Treinamento e higiene dos trabalhadores - devem ser treinados sobre a identificação de sintomas e sobre técnicas para evitar a disseminação da doença.

Inspeções regulares na propriedade - a propriedade deve ser constantemente inspecionada por equipe treinada, para que medidas fitossanitárias adequadas sejam adotadas o mais rápido possível em caso de contaminação.

Inspeções dos pomares caseiros - devem ser realizadas pelos órgãos competentes tanto na zona rural quanto urbana, buscando-se eliminar focos da doença que são fonte permanente de contaminação dos pomares comerciais.

Barreiras fitossanitárias - são essenciais para evitar a entrada da doença em novas regiões e para controlar a disseminação naquelas onde já existem focos. Deve-se impedir a entrada de qualquer material cítrico proveniente de regiões contaminadas, bem como o comércio de mudas de origem desconhecida.

A CANECC (Campanha Nacional de Erradicação do Cancro Cítrico), subordinada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), é responsável pelo controle do cancro cítrico no País, devendo contar com a colaboração dos governos estaduais e de empresas do setor privado. Isto tem funcionado no Estado de São Paulo, onde o Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus) vem promovendo a identificação e a erradicação dos focos da doença. Desta forma, varreduras de significativa porcentagem dos quase 1 milhão de hectares de citros vêm sendo realizadas periodicamente, bem como inspeções mensais nos 378 viveiros-telado existentes.

Atualmente, alguns dos procedimentos de controle do cancro cítrico adotados são: a) Erradicação dos talhões com mais de 0,5% de árvores contaminadas; b) Eliminação das plantas foco e daquelas que estão em um raio de 30 m nos talhões com menos de 0,5% de árvores contaminadas; c) Eliminação das rebrotas que surgirem após a erradicação; d) Proibição da comercialização da produção das propriedades contaminadas até que os trabalhos de erradicação estejam concluídos; e) Proibição do replantio de citros nas áreas erradicadas por dois anos.

O cancro cítrico exige vigilância permanente, devendo-se utilizar as medidas preventivas e de controle descritas para que não se torne uma doença endêmica, como ocorre na Argentina e no Japão.

No Brasil, milhões de mudas foram erradicadas nos viveiros, onde a presença de uma única planta contaminada implica em sua condenação, e milhões de árvores também foram erradicadas em pomares comerciais. Por meio destas medidas aparentemente drásticas, tem-se evitado uma maior disseminação da doença e garantido a manutenção do mercado internacional, já que a maioria dos países impõem barreiras comerciais àqueles que não adotam a metodologia de erradicação.

Dezenas de instituições de pesquisa vêm buscando soluções para o controle da doença. Recentemente, foi realizado o seqüenciamento do genoma do agente causal e obtidas plantas transgênicas supostamente resistentes, que consistem em passos importantes conquistados por grupos de pesquisa brasileiros. Tecnologias para a produção de mudas certificadas em ambiente protegido foram desenvolvidas e rapidamente aplicadas nos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Atualmente, milhões de mudas são produzidas desta forma no País.

Para continuar essa trajetória de sucesso, deve haver espaço, também, para outras linhas de pesquisa. O Brasil é territorialmente muito extenso, com grandes variações tanto nas condições ambientais predisponentes à doença quanto na estrutura fundiária. Em razão desta diversidade, devem existir regiões em que se justifica a criação de áreas livres de cancro cítrico e outras em que é possível a convivência com a doença, seguindo o modelo argentino, passando por aquelas em que a metodologia atualmente empregada é a mais indicada.

O Fundecitrus concluiu o levantamento amostral do Estado de São Paulo e o resultado revela que a incidência de cancro cítrico nos pomares do parque citrícola é de 0,20%. O trabalho foi realizado de março a junho deste ano. Cerca de 420 inspetores percorreram os pomares paulistas para vistoriar mais de 8 mil talhões, o equivalente a quase 12 milhões de plantas.

O índice de 2003 é maior que o do ano passado, quando foram encontrados seis casos novos e 0,11% dos talhões tinham a doença. A situação continua sob controle, mas a incidência é alta. Preocupa o fato de o percentual ter apresentado queda e voltado a crescer. Em 1999, o índice era de 0,70%; em 2000, 0,27% dos talhões apresentavam árvores com sintomas; e em 2001, a incidência foi de 0,08%.

Pela primeira vez o levantamento amostral foi realizado em todo o Estado de São Paulo, uma vez que a região Oeste também entrou na inspeção do Fundecitrus em 2000. Antes, a área era de responsabilidade da Secretaria Estadual de Agricultura e o período de 2000 a 2003 serviu para o Fundecitrus unificar as ações no campo. Essa ampliação do trabalho gerou um novo percentual da incidência de cancro cítrico, dimensionando a realidade da doença no Estado todo. O índice, que ainda não tem dados comparativos, é de 0,22%.

Nas inspeções deste ano foram encontrados 16 casos novos de cancro cítrico, 14 deles nos municípios de Altair, Américo de Campos, Aparecida D’Oeste, Guzolândia, Iacanga, Nova Granada, Palestina, Palmeira D’Oeste, Paulo de Faria, Sales e Susanápolis; e dois casos em Marília, na região Oeste.

Alguns fatores, como as chuvas e a alta incidência da larva minadora, aumentaram o número de casos da doença. Mas o motivo que mais tem contribuído para o avanço do cancro cítrico é o descuido com as medidas preventivas. As recomendações são simples, como cercar as propriedades, adquirir mudas sadias e certificadas, fazer inspeções regulares e desinfestar o material de colheita. Essas são providências que, se adotadas, fariam os índices caírem e, conseqüentemente, diminuir a erradicação de plantas, que é uma determinação legal.

Os resultados do levantamento direcionaram o trabalho de varredura, que começou em maio e deve continuar nos próximos nove meses. Na região Noroeste, que apresentou o maior número de casos novos de cancro cítrico (sete), a inspeção em 100% dos talhões será feita em mais de 40 milhões de pés de laranja. O planejamento prevê que 411 homens verifiquem a ocorrência da doença em 81 municípios. Com a liberação da primeira parcela de mais de R$ 3 milhões pelo Ministério da Agricultura, também será possível iniciar a varredura na região Norte. Com esse repasse é possível contratar 420 homens para fazerem a inspeção em mais de 23 milhões de árvores, em 18 municípios. Com a liberação das parcelas adicionais previstas e considerando os 5 milhões de plantas já verificadas pelo Fundecitrus no levantamento amostral, será possível atingir a meta de inspeção de 50 milhões de pés de laranja em 31 municípios fixada anteriormente.

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