Carne com diferencial qualitativo

Para obter melhores preços, é fundamental a organização dos elos da cadeia produtiva para buscar novas alternativas de comercialização ou a superprodução se refletirá em achatamento dos pre&cc

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

Esta é a linguagem do presente e do futuro. Não dá para pensar em crescimento econômico do agronegócio pecuário sem contemplar cadeia produtiva e estratégias de marketing para abertura de mercados, fidelidade do consumidor e obtenção de valor agregado. A pergunta mais comum em uma roda de pecuaristas é a seguinte: “Quando seremos remunerados pela qualidade?”. Valor agregado exige visão de conjunto, estratégia. Visão de conjunto, neste caso, significa uma compreensão global desde a fotossíntese que proporciona o crescimento do capim até a complexa dinâmica do mercado da carne.

A produção de carne a pasto, ao natural, está literalmente “virando a mesa” nas discussões nacionais e internacionais sobre qualidade da carne. Nada mais convincente que a saudabilidade da carne de um animal que se alimentou à base de capim sua vida toda. Mas como transformar esta realidade em valor agregado? Esta trajetória certamente envolve ações estratégicas de marketing e pleno conhecimento da cadeia produtiva da carne.

A atividade pecuária nacional movimenta R$ 55 bilhões por ano e emprega 20 milhões de pessoas em toda a cadeia. O país tem um dos menores custos de produção de carne do mundo. Isso porque o boi é criado no pasto. Esse é o trunfo do Brasil. Nos EUA, Austrália e Europa, por exemplo, o gado é criado em confinamento e alimentado com grãos e/ou resíduos animais, produzindo uma carne rica em gorduras e, muitas vezes, com antibióticos e anabolizantes

Mesmo com tudo isso a favor do Brasil, ainda existe uma distância muito grande entre a seleção, a produção pecuária e o mercado de carne no País. A descoordenação da cadeia tem como um de seus principais efeitos a falta de rastreabilidade dos produtos. Isso significa que o consumidor não consegue estabelecer as ligações entre o produto que adquire e o fornecedor. Os frigoríficos, em sua maioria, trabalham sem ter marcas. Os açougues, quase por definição, não podem assegurar a procedência da carne. Os pecuaristas, desmotivados, entregam seus animais para abate em situações diferenciadas de idade, raça, sexo e acabamento - o valor é cotado apenas pelo peso da balança. Observa-se aí a dura realidade das práticas arcaicas de negociação – seja no “boi em pé”, seja na carne “in natura”. Como resultado, a diferenciação de produtos é limitada e fica quase inteiramente nas mãos dos varejistas, que, a cada dia, acumulam maior poder de compra e barganha.

Essa realidade reflete uma inércia muito forte que abafa as tentativas de segmentação por qualidade. Do outro lado, observa-se estatísticas positivas dos ganhos permanentes em produtividade do rebanho nacional e aumento do desfrute. Caso os elos da cadeia não se organizem rapidamente para busca de novas alternativas de comercialização, a superprodução, certamente, se refletirá em achatamento dos preços e falência do setor.

Ao invés de “apenas” tentar adivinhar o futuro, que tal, inventar o futuro. Estamos diante de uma realidade mercadológica diferente das demais realidades outrora enfrentadas. Depois da aftosa, a próxima barreira não-tarifária será a barreira da segurança alimentar. Finalmente chegou a era do respeito ao consumidor. Os consumidores passam a exercer pleno direito à proteção em seus interesses de segurança e saúde. O consumidor não aceita mais ser enganado. Deve existir o poder de escolha com pleno conhecimento de causa. É extremamente palatável a idéia de que o monitoramento da qualidade sanitária dos alimentos de origem animal deva começar na criação, ou seja, nas etapas ditas “dentro da porteira”. O mercado futuro sinaliza avidez por comprometimento de toda a cadeia produtiva. Carne com certificação de origem e conformidade, onde a rastreabilidade passa a ser uma ferramenta de gestão que vai alavancar a remuneração diferenciada por qualidade.

Estágios da Cadeia

A cadeia produtiva da carne se constitui de muitos estágios e, por conseqüência, de muitos produtos. A cada elo desta corrente existe uma relação de cliente / fornecedor. Isso significa dizer que a longo prazo não dá para pensar em sucesso isolado. A sobrevivência comercial de cada etapa depende do vigor e da oxigenação de toda a cadeia. A sustentação de valor agregado pressupõe qualidade sincronizada em todos os segmentos que compõem a cadeia produtiva.

• Produção forrageira nos trópicos: depende da perfeita harmonia entre o tipo de capim, do sol, da chuva e do tipo de solo;

• Insumos: sua utilização adequada está diretamente relacionada ao patamar de produtividade de um sistema de produção.

• Suplementação estratégica: suplementos protéicos, suplementos energéticos, concentrados formulados à base de grãos.

• Genética: não existe melhor raça. Existe melhor raça ou composição de raças para determinado ambiente.

• Nível tecnológico do sistema de produção: depende diretamente da perfeita combinação da produção de capim de qualidade, da adoção ou não de suplementação estratégica, da utilização correta de insumos, do manejo sanitário e da genética do rebanho.

• Pirâmide produtiva: formada por rebanho de elite, reprodutores comerciais, rebanhos de cria de bezerros de corte, e recria e engorda para abate.

• Preservação do meio ambiente e bem-estar animal: atualmente o conceito de preservação do meio ambiente vem dando lugar a uma visão mais complexa, com uma nova compreensão da arte de produzir, considerando aspectos relacionados à saúde do solo, conservação dos mananciais e da biodiversidade, e garantia da qualidade de vida.

• Responsabilidade Social: é considerável o ganho em credibilidade de um produto que mantenha a integridade quanto à ausência de trabalho infantil ou trabalho escravo, por exemplo.

• Boi Gordo: é importante entender que boi gordo não é produto final, mas sim, matéria-prima.

• Transporte para o frigorífico: é essencial transportar o animal, até o frigorífico, com todo o cuidado. Esta medida evita o estresse dos animais e contusões.

• Indústria frigorífica: é uma linha de desmontagem. O boi gordo é matéria-prima que será desmontada em cortes cárneos, miúdos e subprodutos que serão comercializados. É necessário que a matéria-prima seja padronizada! – sobretudo quanto aos parâmetros de sexo, peso e acabamento. O parâmetro idade, até 42 meses, está diretamente ligado à viabilidade econômica da atividade.

• Cadeia do Frio: a cadeia do frio é de fundamental importância, pois age como uma barreira para o crescimento das bactérias indesejáveis, bem como na preservação das propriedades da carne fresca.

• Saldo pós-desmonte: imagine que ao final da linha de desossa das carcaças têm-se inúmeros cortes produzidos a partir do traseiro, do dianteiro e da ponta-de-agulha. Sob a ótica comercial, supondo que se partiu de um mesmo boi gordo, a dificuldade geralmente está em se conseguir clientes dispostos a pagar mais, de forma equilibrada – casada entre os cortes. Uma alternativa para reverter esse quadro, certamente, é partir para a segmentação de produtos que ofereçam praticidade e conveniência.

• Logística de distribuição: o atendimento logístico pulverizado de um produto tão perecível quanto à carne “in natura” é assunto para profissional.

• PDV – Ponto-de-venda: para que a carne preserve toda a qualidade desejada até as gôndolas dos supermercados, por exemplo, é preciso ter higiene em todo o processo de armazenamento, manipulação e exposição do produto.

• Procedimentos de compra: o consumidor deve ser educado para comprar os produtos perecíveis por último. Deve atentar para a agilidade em chegar em sua casa e colocar a carne na geladeira ou congelador.

• Procedimentos de como cortar: deve-se cortar a carne sempre no sentido contrário às fibras. Jamais se deve utilizar a mesma tábua e faca para cortar diferentes tipos de carne como frango, carne de porco ou peixe.

• Procedimentos de conservação: regra de ouro: congelamento rápido, descongelamento lento.

• Finalidade correta de utilização de cada corte: não dá para pensar em ensopado de picanha e grelhado de músculo na brasa. É importante dar atenção para as finalidades corretas de preparo para cada corte.

As medidas citadas acima revelam que, quando um planejamento estratégico nasce de sonhos bem sonhados, tudo dá certo. Contudo, sabe-se que o sucesso pode ser um dos maiores obstáculos à consolidação dos sonhos. Afinal, a tendência do vencedor é se acomodar, preservar o status quo, repetir as mesmas soluções que deram certo uma vez e rejeitar as novidades. Se o desafio agora é voar mais alto, é preciso atenção e dedicação dobrada. Fica a lição de que o desafio é crescente e nunca terminará. O sonho de romper a inércia do mercado de commodity continua.

Eduardo Krisztán Pedroso

Ass. Criadores de Nelore do Brasil

Informações extraídas do texto Marketing e Cadeia Produtiva da Carne, escrito por Eduardo Krisztán Pedroso, Phelipe Krisztán Pedroso, André Luis Locateli e Carlos Grossklaus e apresentado em palestra no Enipec 2004.

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