Carne - Qualidade garantida

Genótipo zebuíno trouxe grande variação na maciez da carne de bovinos europeus. Consumidor torna-se cada vez mais exigente com relação a cor, sabor , maciez e suculência.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

As cadeias produtivas de alimentos estão sofrendo grandes mudanças que, por um lado refletem o novo consumidor final, mais exigente, mas por outro, estimulam o consumo cada vez mais seletivo. Atualmente, o consumidor tem acesso às mais diversas informações, tornando mais rápidas as respostas às mudanças sociais, culturais, econômicas e éticas.

Nesse novo cenário, as novas formas de comercialização da carne bovina, mais verticalizadas, caracterizam a cadeia da carne bovina no Brasil, favorecendo a produção e o consumo de carne bovina de qualidade.

Como qualquer outro alimento, a carne deve corresponder às expectativas do consumidor no que se refere a seus atributos de qualidade sensorial. As características da carne bovina que influenciam, em ordem de preferência, na decisão de compra do consumidor são a cor, a maciez, o sabor e a suculência.

De modo geral, pode-se dizer que a qualidade da carne e da carcaça depende da interação de fatores intrínsecos e extrínsecos. Os fatores intrínsecos mais importantes são a genética, o manejo alimentar, a idade e o sexo. Entre os fatores extrínsecos, são muito importantes as condições de abate, desde a saída dos animais da propriedade até a entrada das carcaças nas câmaras frias, o tipo de cozimento e os métodos de conservação.

Nos bovinos, as diferenças genéticas entre as raças são significativas para a maioria dos atributos de qualidade da carne, principalmente a maciez, para a qual as diferenças entre raças podem ser mais facilmente exploradas do que dentro das próprias raças, visto que é muito mais fácil identificar raças excepcionais do que animais excepcionais para esta característica.

A textura ou a maciez da carne bovina assumiu importância expressiva a partir da utilização de animais zebuínos (

) nos rebanhos taurinos. O genótipo zebuíno introduziu grande variação na maciez da carne de bovinos europeus (

). Sabe-se hoje que, à medida que aumenta a participação do genótipo zebuíno dentro de uma raça bovina, aumenta a força de cisalhamento e diminuem os escores de avaliação sensorial da maciez, devido à maior atividade de calpastatina, o inibidor das enzimas naturais que causam o amaciamento da carne, as calpaínas. Desse modo, a variação da maciez da carne bovina é independente do ambiente onde os animais são criados bem como da composição da carne, tanto no que diz respeito à gordura intramuscular (marmoreio) quanto ao tecido conjuntivo (aponevroses) associado ao tecido muscular. Além disso, apresenta alta herdabilidade (dentro das raças) (Shackelford et al., 1994; Wulf et al., 1996).

O grau de acabamento ou a deposição de gordura subcutânea das carcaças tem, também, efeito sobre as características de palatabilidade da carne bovina. Porém, esta influência pode ser menos importante em relação à maciez da carne (Johnson et al., 1990; Ribeiro, 2003).

A maioria dos estudos mostra uma pequena, porém positiva, correlação entre o grau de marmoreio e maciez, suculência e intensidade de sabor de carne bovina. Atualmente, está bem determinado que somente 5 a 10% da variação da maciez pode ser devido à deposição de gordura intramuscular (marmoreio).

O grau de marmoreio parece ter mais influência sobre a maciez da carne de

do que sobre a de

. Com um mesmo grau de marmoreio, as carnes de zebuínos tendem a ser mais duras que as de raças européias. Além disso, a variação na maciez observada em carne de zebuínos pode ser levemente diminuída com um aumento no marmoreio (Wheeler et al., 1994).

A gordura intramuscular, em quantidades de 3 a 7%, é suficiente para garantir a palatabilidade da carne, contribuindo muito pouco em quantidades acima desta. Mas, se a quantidade aumenta, pode ser prejudicial à saúde do consumidor além de determinar maior tempo de trabalho em uma mesma carcaça pela necessidade da retirada de gordura em excesso no processamento de cortes cárneos.

Por outro lado, o grau de acabamento das carcaças tem um grande efeito na maciez final da carne. Carcaças com pouca gordura de cobertura estão mais sujeitas a produzirem carnes duras, uma vez que os músculos mais superficiais da carcaça ficando mais expostos ao resfriamento, freqüentemente sofrem o encurtamento pelo frio, causando o endurecimento das carnes.

Outro fator de grande influência na qualidade da carne bovina é a idade de abate dos animais. Sua importância sobre a maciez da carne está na relação direta com a solubilidade do tecido conjuntivo e com o grau de acabamento das carcaças.

Reduzir a idade de abate tem sido uma das principais estratégias adotadas para a produção de carnes mais macias. Porém, somente reduzir a idade de abate não garante a maciez das carnes. Mais do que controlar a idade cronológica é importante controlar a idade fisiológica dos animais que se traduz pelo estado corporal no momento do abate.

A idade fisiológica é relacionada ao estágio de desenvolvimento do animal. Animais precoces iniciam a fase de deposição de gordura, principalmente a gordura de cobertura bem como o marmoreio, mais cedo. Com a mesma idade de abate, o acabamento das carcaças de animais precoces é melhor que dos tardios.

Animais de raças zebuínas são mais tardios que os de raças européias, e dentro das raças européias também há variação. Via de regra, as raças de origem britânica são mais precoces que as continentais.

Para garantir o perfeito acabamento das carcaças de animais jovens, a nutrição é uma importante ferramenta. Somente garantindo o aporte de nutrientes, principalmente energético, é possível abater bovinos jovens e bem acabados.

Períodos de restrição nutricional podem afetar de maneira irreversível o desenvolvimento corporal, especialmente se isto ocorrer dentro do primeiro ano de vida do bovino, com prejuízo do desenvolvimento das massas musculares.

As condições ambientais nas quais os animais são criados podem ter marcada influência sobre o crescimento, afetando a composição corporal. Entre as diversas raças bovinas utilizadas na produção de carne há grande variação na adaptabilidade aos diferentes climas. Animais em desconforto térmico desviam nutrientes ou alteram seu consumo para a adaptação à temperatura ambiente, prejudicando seu desenvolvimento.

O manejo sanitário deve garantir o bom estado de saúde a fim de propiciar o pleno desenvolvimento dos animais. A aplicação de medicamentos e vacinas deve ser feita de maneira a evitar lesões que possam resultar em perdas dentro do frigorífico.

A mesma atenção deve ser dada para as atitudes dos tratadores, evitando o manejo agressivo e estressante.

O estresse no período pré-abate tem efeito direto sobre características de qualidade da carne. Animais expostos a condições estressantes entre a saída da propriedade e o momento da sangria podem apresentar alterações em sua musculatura durante a transformação do músculo em carne devido ao consumo e não-reposição do glicogênio muscular, comprometendo a qualidade final do produto, especialmente a cor da carne e a suculência.

Ainda, considerando-se os efeitos do estresse sobre a qualidade da carne, deve-se dar atenção ao temperamento dos animais criados. Raças de genótipo zebuíno e seus cruzamentos são mais agressivas que as raças européias. Esta característica também deve ser considerada na construção das instalações, que devem ser adequadas ao comportamento dos animais que serão ali manejados. Outro fator a ser considerado é o temperamento dos reprodutores, devendo-se buscar a docilidade ou a calma como uma forma de melhorar a qualidade do produto final.

Como pode ser visto, a qualidade da carne bovina depende da interação de diversos fatores ao longo de toda cadeia de produção e o descuido ou desconhecimento desses fatores pode comprometer todo o sistema. Os esforços para se produzir carne de qualidade são inúteis se ao longo da cadeia de comercialização esta é prejudicada ou não é melhorada para chegar em condições de satisfação máxima ao consumidor.

Jane Rübensam e Fabiana Mantese

UFRGS

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