Cartuchos no alvo: estratégias de manejo da lagarta do cartucho no milho

Principal praga na cultura do milho a lagarta Spodoptera frugiperda pode levar a perdas de até 50% em áreas de cultivo com registro de altas infestações

19.11.2018 | 21:59 (UTC -3)

A produtividade da cultura do milho é definida em função dos fatores da produtividade, que são divididos em construtores e protetores da produtividade. No que diz respeito aos protetores da produtividade, o manejo fitossanitário (de plantas daninhas, doenças e pragas) deve garantir que esses aspectos fitossanitários não interfiram negativamente no potencial produtivo estabelecido com base na genética e no ambiente. Percebe-se, atualmente, que o controle de pragas na cultura do milho, especialmente da lagarta do cartucho (Spodoptera frugiperda), é uma das práticas que apresenta dificuldades de manejo.

 A lagarta do cartucho (Spodoptera frugiperda) pertence à ordem Lepidoptera, da família Noctuidae. O ciclo total da lagarta do cartucho varia de 24 dias a 45 dias, sendo dividido em fase adulta (mariposa, 10 dias a 12 dias), ovos (3 dias a 5 dias), lagartas neonatas (canibalizam-se até restar uma ou duas por planta). Como lagartas possuem 6 estádios (14 dias a 22 dias) e finalizam o seu ciclo como pupa, no solo (7 dias a 13 dias). Cada fêmea possui uma postura em massa que varia de 100 ovos a 150 ovos por postura, e durante o ciclo chega a 1000 ovos sendo colocados preferencialmente nas  A lagarta do cartucho, em altas infestações, causa prejuízos que podem variar de 20% a 50%, sendo a principal praga da cultura do milho. Em milho doce o prejuízo pode chegar a 60% (Cruz, 1997) o grau de dano da lavoura é relacionado principalmente com a época de semeadura, clima, estado nutricional da lavoura e estádio fenológico da planta. O período crítico do ataque compreende os estádios entre V2 e V10. Um ataque severo entre V2/V3 nas plantas, faz com que haja atraso no desenvolvimento inicial, estabelecimento e até morte das plantas. Nesse caso, ocorrem reduções do estande de plantas na lavoura. A redução da área foliar e consequentemente taxa fotossintética nesse período, afeta de forma decisiva a produtividade da cultura do milho, pois a partir de V4 a V6 é que se define o potencial produtivo da lavoura. Em V8 é o momento que está sendo definido o número de fileiras e entre V10 e V12, o comprimento da espiga. A lagarta do cartucho pode possuir um comportamento semelhante à lagarta elasmo e à lagarta rosca, em que a larva entra pela base da planta e alimenta-se do interior do colmo, provocando o sintoma conhecido como “coração morto”. Assim será verificado o seccionamento total ou parcial da planta. Contudo isso é ocasionado por lagartas mais desenvolvidas. Além disso, já foram verificados danos no pendão e na espiga.

Os hábitos de vida da lagarta do cartucho também influenciam para que seja uma praga de difícil controle. O local onde o inseto habita é muito importante. Logo após a eclosão dos ovos a praga realiza a raspagem das folhas do milho, mas ao haver a troca de instares se dirige para o cartucho, onde fica mais protegida em relação aos predadores, dificultando assim também o manejo de inseticidas. Em períodos mais quentes e secos (semeaduras de dezembro e janeiro, para os estados do Sul) os danos causados pela lagarta são mais severos devido às temperaturas mais elevadas, redução do ciclo de vida e condições ecológicas mais favoráveis para o seu desenvolvimento.

Os manejos possíveis em relação à lagarta do cartucho envolvem o manejo cultural que deve ser observado com semeaduras sendo realizadas no início do período recomendado. Além disso, deve-se priorizar a rotação de culturas com leguminosas, monitoramento com armadilhas com feromônios sexuais, bem como a utilização do controle biológico. Nesse caso podem ser citados os predadores de lagartas (besouros da família Carabidae, percevejos reduviídeos e tesourinhas); predadores de ovos (tesourinhas); parasitóides de lagartas (formas jovens de Ichneumonidae, Bracconidae e moscas da família Tachinidae), parasitoides de ovos (Trichograma spp.) e microrganismos entomopatogênicos (fungos: Nomureae sp., e Beuaveria sp. e vírus: Baculovírus spodoptera).

Atualmente, estão sendo oferecidos híbridos de milho transgênicos que tem a capacidade de não serem atrativos para o consumo de muitas pragas ou até mesmo tolerantes. Além da rotação de culturas e híbridos (com características distintas de transgenia).

Outra opção é a utilização de controle químico, contudo esse método deve considerar o monitoramento do dano da lagarta do cartucho na planta. Considera-se que o nível de dano econômico é de 10% das plantas atacadas (folhas raspadas), então se deve realizar a intervenção química. Os principais grupos de inseticidas para controle da lagarta-do-cartucho no milho safrinha são os carbamatos (carbaril, metomil e tiodicarbe), inibidores da síntese de quitina (lufenuron, diflubenzuron, triflumuron, novaluron e clorfuazuron), e espinosinas (espinosade), organofosforados (triazofós, triclorfon e parathion metílico) e piretróides (permetrina e lambdacialotrina) eventualmente podem ser utilizados, contudo há indícios de perda de sua eficácia (FMS - Barros, 2012). Se ocorrer ataque precoce nas plantas de forma a reduzir o estande, deve-se direcionar o jato de pulverização para a base das plantas, dando-se preferência para aplicações noturnas com alto volume de calda (200L/ha) utilizando-se o bico jato plano (leque).

O manejo integrado de insetos deve ser realizado para evitar que as populações dos insetos praga possam tornar-se problemas. Deve-se considerar a utilização de inseticidas sistêmicos no tratamento de sementes, pois se trata de uma operação localizada, sendo um método eficiente e econômico. Contudo, esse método somente é eficiente enquanto o ativo do produto químico estiver atuante, o que em média confere proteção até os primeiros 18 dias após a semeadura. Depois desse período deve-se, a partir do monitoramento com amostragens periódicas, realizar controle por meio de pulverizações. A amostragem pode ser realizada em zigue-zague ou percorrendo um perímetro na lavoura. Ao entrar na lavoura deve-se percorrer ao menos 30 metros da entrada (bordadura ou cabeceira) da lavoura e amostrar 20 plantas distantes entre sí. O número de pontos avaliados é de cinco, com 20 plantas por amostra, totalizando 100 plantas.

            O dano é verificado pelo corte das plantas ou pela redução da área foliar. No primeiro caso, em que se verifica que as lagartas do cartucho estão causando corte nas plântulas/plantas, o nível de controle deve ser de 2%-3% das plantas atacadas, pois esse ataque irá repercutir diretamente no estande da lavoura e consequentemente no número de espigas. Já o nível de controle para ataque nas folhas, o período que requer mais atenção deve estar compreendido entre V2/V3 a V10. Nos primeiros estádios (V3 a V4 – 30 dias, aproximadamente) ao observar-se 20% das plantas atacadas deve-se entrar com uma medida de controle. Contudo nos estádios posteriores V7/V8 (40 dias a 60 dias) a percentagem de plantas atacadas deve ser de 10%, baseando-se nas recomendações da Embrapa. Também se deve considerar a época de desenvolvimento da cultura do milho que em períodos de atraso de semeadura (“safrinha”) deve-se tomar como nível de controle 10% das plantas atacadas (Cruz, 1999). Outros parâmetros que podem ser adotados indicam que em lavouras comerciais ou com tecnologia Bt devem ser manejadas com inseticida quando 17% das plantas possuírem lesões de até 1,3 cm de comprimento nas folhas novas ou já expandidas (nível 3 ou superior da Escala Davis). Após um primeiro manejo, ou em condições históricas de alta pressão de insetos ou ainda em circunstâncias ambientais em que o ciclo da praga é reduzido o nível de dano que deve ser adotado é de 10%.

            O acompanhamento da lavoura é fundamental. Para tanto recomenda-se realizar levantamento de danos desde os primeiros estádios. Pode-se ter uma definição do nível de dano de forma mais específica, considerando a Escala Davis. O levantamento é feito por talhão (área uniforme) considerado uniforme. Avaliam-se 20 plantas, individualmente, atribuindo-se notas a cada planta. Se em 4 dessas plantas forem observadas notas iguais ou acima de 3 (três) deve-se realizar medida de controle.

            A utilização de refúgio é fundamental em toda a lavoura que possui algum nível de transgenia associado ao combate da lagarta do cartucho. Deve-se considerar que as plantas não Bt devem ser situadas no máximo a 800m de distância das lavouras transgênicas. Além disso, esses talhões podem ser semeados em diferentes configurações, no perímetro da lavoura, em faixas ou dentro da área de cultivo. A área de refúgio deve ser de 10% em relação à área total.

Em duas áreas da UFSM foram instalados experimentos com diferentes híbridos de milho seguindo as orientações técnicas para a cultura do milho (Indicações Técnicas Milho, 2013). No experimento I foram realizadas duas aplicações de inseticidas V3 e V5, já no experimento II, não foram aplicados inseticidas. Em cada unidade experimental foram avaliadas cinco plantas por meio da escala de Davis (Davis et al., 1992), que considera uma escala visual conforme as figuras 1, 2 e 3. E a partir dessas avaliações verificam-se diferentes graus de dano nos híbridos, auxiliando a tomada de decisão (Tabela 1). A partir da tabela 1, verifica-se que os híbridos de milho que possuem menores notas associadas possuem um menor ataque de lagarta do cartucho o que é favorável dentro de um sistema integrado para a proteção dessas plantas. Já os híbridos que possuem notas acima de 3 necessitam da aplicação de inseticidas para controlar o dano causado pela lagarta do cartucho, evitando-se assim que as plantas atinjam níveis altos como apresentados na figura 3.

  

 

Tabela 1. Média das notas atribuídas aos híbridos, segundo a escala de Davis e a classificação.

Experimento I

Experimento II

Híbridos

Notas

Clas.

Híbridos

Notas

Clas.

Defender 7617 Viptera

1,35

d*

VIP3-Status

1,00

e

DKB 290 Pro3

1,90

cd

VT PRO2-DKB 250

1,10

e

32R48 YH

1,95

cd

MIR162-VIP-Feroz

1,10

e

Status 7205

2,05

cd

Power core-DW-2B610

3,10

dc

SX 7331 VIP

2,20

cd

VT PRO3-DKB-240

3,80

c

P1630H

2,35

cd

Optimum-YH-3F53YB

4,50

bc

Fórumla 3949

2,80

bc

Herculex-HX-Biogene

5,70

ab

AG 8780 Pro3

2,80

bc

BT11-TLTG-Celeron

6,80

a

30F53YH

2,85

bc

Convencional-Fórmula

7,10

a

DKB 240 Pro 3

3,00

bc

 

 

 

30F53

3,10

bc

 

 

 

30F53 YHR

3,75

ab

 

 

 

BG7051

3,95

ab

 

 

 

BG 7060

3,95

ab

 

 

 

30B30 H

4,10

ab

 

 

 

30B39 HR

4,55

a

 

 

 

P2530

4,70

a

 

 

 

Média

3,02

 

Média

3,64

 

CV

44,18

 

CV

45,14

 

Experimento I

Experimento II

Híbridos

Notas

Clas.

Híbridos

Notas

Clas.

Defender 7617 Viptera

1,35

d*

VIP3-Status

1,00

e

DKB 290 Pro3

1,90

cd

VT PRO2-DKB 250

1,10

e

32R48 YH

1,95

cd

MIR162-VIP-Feroz

1,10

e

Status 7205

2,05

cd

Power core-DW-2B610

3,10

dc

SX 7331 VIP

2,20

cd

VT PRO3-DKB-240

3,80

c

P1630H

2,35

cd

Optimum-YH-3F53YB

4,50

bc

Fórumla 3949

2,80

bc

Herculex-HX-Biogene

5,70

ab

AG 8780 Pro3

2,80

bc

BT11-TLTG-Celeron

6,80

a

30F53YH

2,85

bc

Convencional-Fórmula

7,10

a

DKB 240 Pro 3

3,00

bc

 

 

 

30F53

3,10

bc

 

 

 

30F53 YHR

3,75

ab

 

 

 

BG7051

3,95

ab

 

 

 

BG 7060

3,95

ab

 

 

 

30B30 H

4,10

ab

 

 

 

30B39 HR

4,55

a

 

 

 

P2530

4,70

a

 

 

 

Média

3,02

 

Média

3,64

 

CV

44,18

 

CV

45,14

 

*médias seguidas por letras distintas diferem a 5% de probabilidade de erro pelo teste de Duncan.

 

O manejo integrado possui ações que irão desde a preparação da área, escolha correta da época de semeadura em função da pressão de lagarta do cartucho, escolha monitoramento das lavouras, rotação de culturas, utilização de controle biológico, rotação de princípios ativos dos inseticidas e especificidade dos inseticidas; uso de tratamento de sementes; utilização de híbridos geneticamente modificados (milho Bt) e uso de rotação de híbridos com “rotação de genes”; controle de plantas daninhas-monitoramento. Assim será possível reduzir os danos e possuir uma produtividade de grãos de acordo com o estabelecido pelo potencial genético do milho juntamente com as condições ambientais e de manejo.

O artigo completo está na edição 191 da Cultivar Grandes Culturas.

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