​Como controlar cigarrinha na cana

Com o advento da colheita mecanizada e o consequente abandono das queimadas, em canaviais, pragas como a cigarrinha-da-raiz, têm registrado aumento populacional

06.09.2016 | 20:59 (UTC -3)

A cana-de-açúcar é a cultura mais importante do Brasil quando se trata da produção de açúcar e de biocombustível, no caso o etanol. Com praticamente 8,5 milhões de hectares plantados no país, a cana é responsável pelo maior desenvolvimento do agronegócio envolvendo o etanol e energia em geral. Porém, como toda a cultura agrícola é atacada por pragas que causam prejuízos desde a parte aérea até as raízes.

A colheita sem queima é uma realidade em todo o estado de São Paulo há pelo menos dez anos. Apesar da prorrogação do prazo para a paralisação total da queima ter se estendido até 2014, as usinas ainda são obrigadas a gradativamente diminuírem a área queimada a cada ano.

Junto com a colheita mecanizada e sem queima, os ataques da cigarrinha-da-raiz da cana estão cada vez mais frequentes e intensos, causando prejuízos que podem atingir 60% em produtividade agrícola e na qualidade industrial da matéria-prima, através da contaminação com bactérias, perda da Pol e outros mais.

A exemplo da região Nordeste, o controle biológico com o fungo Metarhizium anisopliae também desenvolveu-se em lavouras paulistas e atinge uma área de aproximadamente 350 mil hectares, com aplicações tratorizadas e aéreas, variando as concentrações entre 6kg/ha a 10kg/ha, de acordo com a população da cigarrinha e a variedade.

Mahanarva fimbriolata

A cigarrinha-da-raiz, Mahanarva fimbriolata, é considerada uma das pragas mais importantes da cana-de-açúcar no estado de São Paulo e no Nordeste do Brasil.

As ninfas, ao se alimentarem, ocasionam "desordem fisiológica" em decorrência de suas picadas que, ao atingirem os vasos lenhosos da raiz, o deterioram, impedindo ou dificultando o fluxo de água e de nutrientes. A morte de raízes ocasiona desequilíbrios na fisiologia da planta, caracterizados pela desidratação do floema e do xilema que darão ao colmo características ocas, afinamento e posterior aparecimento de rugas na superfície externa. Os adultos, ao injetarem toxinas, produzem pequenas manchas amarelas nas folhas que no futuro tornam-se avermelhadas e, finalmente, opacas, reduzindo sensivelmente a capacidade de fotossíntese das folhas e o conteúdo de sacarose do colmo. As perfurações dos tecidos pelos estiletes infectados provocam contaminações por micro-organismos no líquido nutritivo, causando deterioração de tecidos nos pontos de crescimento do colmo e, gradualmente, dos entrenós inferiores até as raízes subterrâneas. As deteriorações aquosas apresentam cores escuras começando pela ponta da cana e podem causar a morte do colmo.

Em São Paulo, o ciclo vital de M. fimbriolata inicia-se em setembro, normalmente com o começo do período chuvoso. A primeira geração de ninfas é pequena em decorrência da diapausa dos ovos, porém com capacidade suficiente de se desenvolver até a fase adulta, quando então se inicia a postura da segunda geração de ninfas, geralmente entre dezembro e janeiro, quando a umidade e o fotoperíodo são maiores. A segunda geração é responsável pela maioria dos danos, que vão se manifestar somente em fevereiro e março, quando se tem a terceira geração de ninfas, que se desenvolverão até a fase adulta, porém, em menor número que a geração anterior e colocarão os ovos que entrarão em diapausa a partir de abril, quando o fotoperíodo e a umidade diminuem.

A proibição da queima da cana-de-açúcar no estado de São Paulo, através do Decreto-lei Estadual no 42.056/97, tem ocasionado mudanças no manejo dessa cultura, devido ao aumento da área colhida sem queima e, como consequência, em muitas regiões tem ocorrido aumentos na população de cigarrinha-da-raiz.

A cigarrinha-da-raiz da cana tem se tornado um sério problema em algumas regiões de São Paulo, tais como Ribeirão Preto, São José do Rio Preto, Araras, Andradina e Araçatuba, onde a maioria da cana já é colhida mecanicamente e crua, pois não havendo queima da palhada, ocorre acúmulo desse material no solo e aumento da umidade, facilitando assim o crescimento e a disseminação da cigarrinha-da-raiz da cana, M. fimbriolata. E considerando que com a nova legislação ambiental São Paulo proibirá a queimada da cana, espera-se aumento significativo na população de M. fimbriolata causando sérios prejuízos às usinas e fornecedores, além do aumento de custos para o controle desta praga.

Controle

A estratégia de controle da cigarrinha-da-raiz inicia-se com o monitoramento da praga que deverá ser realizado no início do período chuvoso e durante todo o período de infestação, para que se possa acompanhar a evolução ou o controle da praga. O nível de dano econômico (NDE) é de 20 ninfas/metro linear de sulco e 1 adulto/cana; o nível de controle (NC) é de duas – quatro ninfas/metro e 0,5 adulto/cana a 0,75 adulto/cana.

O monitoramento é imprescindível para decidir sobre a estratégia de controle da praga, sendo que a detecção da primeira geração permite um controle mais eficiente, principalmente através do fungo Metarhizium anisopliae. Porém, no caso da aplicação do fungo, o nível de controle a ser considerado é de uma ninfa por metro linear ou logo ao se observar as primeiras ninfas atacando a cana nos meses de setembro ou outubro, devido à lentidão do controle biológico.

A variedade e a época de corte são outros parâmetros importantes a serem analisados no manejo integrado de cigarrinha-da-raiz da cana. O ataque do inseto pode afetar a qualidade industrial da cana e esse efeito tende a ser diferente de acordo com a variedade, podendo esta ser mais preferida e/ou resistente, o que interfere no plantio, na época de colheita e no sistema de controle a ser adotado. O prejuízo causado pela cigarrinha-da-raiz pode ser alto para muitas variedades, tais como: RB 72-454, RB 82-5336, RB 83-5486, SP 80-1842 e IAC 82-2396.

Controle biológico

O controle biológico com micro-organismos é um dos principais componentes do manejo integrado de cigarrinhas. O controle biológico não é poluente, não provoca desequilíbrios biológicos, é duradouro e aproveita o potencial biótico do agroecossistema, não é tóxico para o homem e animais e pode ser aplicado com as máquinas convencionais, com pequenas adaptações.

O desenvolvimento do fungo M. anisopliae sobre a cigarrinha-da-raiz ocorre da seguinte forma: os conídios germinam e penetram no tegumento do inseto em um período de dois a três dias. O período de colonização ocorre de dois dias a quatro dias e a esporulação em dois dias a três dias, dependendo das condições do ambiente. O ciclo total da doença é de oito dias a dez dias.

Na região de Alagoas, no período de 1977 a 1991, M. anisopliae foi pulverizado em aproximadamente 670 mil hectares de cana infestados pela cigarrinha da folha, M. posticata, havendo uma redução de aproximadamente 72% nos índices de manifestação desta praga. Inicialmente, a área tratada com inseticida químico era de 150 mil ha/ano. Em Pernambuco chegaram a ser aplicadas 38 toneladas de conídios do fungo. A época de aplicação do fungo coincide com o período chuvoso, julho e agosto, no Nordeste do Brasil. O intervalo de aplicação foi de 30 dias, sendo o ideal que a aplicação coincida com o período de maior trânsito das ninfas nos colmos. A estratégia nesse caso foi de incremento, já que o patógeno se encontrava na área. São recomendados de 200g de conídios puros/ha a 500g de conídios puros/ha. As aplicações terrestres devem ser feitas com atomizadores, com gasto de água de 50L/ha a 200L/ha. Em aplicações aéreas, gastam-se 20L/ha a 30L/ha, dois a cinco metros acima do nível da cana.

O Instituto Biológico (IB/Apta/SAA-SP) desenvolveu pesquisas de controle biológico de M. fimbriolata com o fungo Metarhizium anisopliae. O projeto temático, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) cuja coordenação foi do IB, contou com a parceria da Esalq USP e UFSCar - Araras-SP.

Principais recomendações para aplicação do fungo M. anisopliae (Quadro)

- Iniciar as aplicações tratorizadas com jato dirigido com 0,5 a 1 ninfa/metro linear utilizando a concentração de 2 a 3 x 1012 conídios/ha (aproximadamente 2kg a 3kg arroz + fungo/ha) a partir de outubro.

- Reaplicar 2 a 3 x 1012 conídios/ha em dezembro ou janeiro nas variedades precoces ou preferidas.

- Acima de cinco ninfas/metro linear aplicar 1 x 1013 conídios/ha (10kg arroz+fungo/ha) a partir de dezembro.

- Aplicação aérea granulada utilizar 8 x 1012 a 1 x 1013 conídios/ha (8kg a 10kg arroz + fungo/ha).

- Aplicação aérea líquida utilizar 5 x 1012 conídios/ha. (5kg arroz + fungo/ha)

Em operação com trator o fungo deve ser aplicado na vazão de 200 litros de água/ha a 300 litros de água/ha, utilizando bicos para herbicida com jato em leque e com pingente, com jato dirigido para a soca da cana, de preferência após as 16h para evitar a alta incidência de raios ultravioleta, chegando até a madrugada, período em que a umidade relativa está alta e a temperatura mais amena, facilitando o controle microbiano com o fungo.

A aplicação aérea poderá ser utilizada com vazão de 40 litros/ha a 50 litros/ha, com gotas grandes e altura de dois metros da cultura.

Considerações finais

A partir de técnicas de monitoramento e manejo integrado de pragas será possível conviver com a cigarrinha-da-raiz da cana-de-açúcar no estado de São Paulo, aplicando-se um programa de controle microbiano com fungo e no caso de superpopulações a aplicação racional de defensivos naturais ou químicos, para o equilíbrio da população, preservando outros inimigos naturais da praga, tais como a mosca predadora Salpingogaster nigra e o fungo Batkoa apiculata.


Clique aqui para ler o artigo na Revista Cultivar Grandes Culturas, edição 177.

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