Como lidar com a resistência?

A traça-das-crucíferas pode apresentar resistência a inseticidas. Veja dicas de especialistas para retardar essa situação.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

Agricultores que cultivam repolho, couve-flor e brócoli (plantas da família das brássicas) conhecem bem a traça-das-crucíferas, uma lagarta verde-clara, menor que 1 cm, que ataca estas culturas. Em repolho as lagartas perfuram as folhas que formam as cabeças, prejudicando a comercialização; em brócoli e couve-flor alojam-se nos primórdios florais fazendo com que consumidores dos mercados in natura e de produtos processados/congelados rejeitem os produtos. Os maiores danos da praga ocorrem em épocas de temperaturas altas e ausência de chuvas, pois estas condições são favoráveis ao crescimento da população da praga. Na região Centro-Oeste o período mais problemático vai de julho a outubro.

Controle químico

Os inseticidas são os produtos mais utilizados para controlar a traça-das-crucíferas. Inseticidas fosforados e carbamatos são utilizados desde as décadas de 50-60. Os piretróides começaram a ser utilizados no começo dos anos 80. No início eram pulverizados uma vez a cada quinze dias. Com o passar dos anos os agricultores observaram que aplicações tão espaçadas não estavam mais surtindo efeito; começaram então a pulverizar a cada sete dias.

Hoje os piretróides são aplicados até três vezes por semana, muitas vezes sem sucesso no controle da traça-das-crucíferas. Com isso, muitos agricultores abandonaram estes produtos e agora estão utilizam inseticidas reguladores de crescimento, em geral mais caros que os piretróides. Quando foram introduzidos no Distrito Federal em 1995, as aplicações dos reguladores de crescimento eram quinzenais. Hoje são semanais e alguns agricultores acham que a eficiência destes inseticidas já não é a mesma.

Porque os inseticidas se tornam ineficientes? Sabemos que ao aplicar um inseticida não se deve esperar uma mortalidade superior a 90% das lagartas da lavoura. As lagartas que sobrevivem são aquelas que não foram atingidas pelo inseticida porque estavam escondidas em locais onde o produto não se depositou (parte inferior das folhas ou interior das cabeças de repolho), ou são lagartas que foram atingidas, mas por suas características genéticas sobreviveram ao inseticida. São os chamados "insetos resistentes".

Se a maior parte das lagartas sobreviventes forem resistentes, elas se tornarão adultos que se multiplicarão e, com a continuação das pulverizações, haverá um maior número destes insetos resistentes. Com o passar do tempo o número de insetos capazes de sobreviver ao inseticida aumenta tanto, que os agricultores concluem que o produto não é mais eficiente. Na tentativa de solucionar este problema adotam uma das seguintes medidas: aumentam a dose do inseticida; aumentam a freqüência de aplicação; realizam misturas de produtos; substituem um produto por outro.

Estas medidas acabam agravando o problema. Um exemplo disto é a capacidade da traça-das-crucíferas de sobreviver a altas doses de inseticidas, o qual foi encontrado no Distrito Federal. Para deltametrina, a dose recomendada do produto é 0,24 l/ha. Quando lagartas foram tratadas com uma dose de 0,75 l/ha (três vezes a dose recomendada) nenhuma morreu. Quando tratadas com uma dose de 30 l/ha (125 vezes a dose recomendada) apenas 70% das lagartas morreram.

Manejo de resistência

O que fazer para retardar o aparecimento de insetos resistentes a inseticidas? Antes de utilizar um inseticida os agricultores devem adotar práticas que desfavoreçam o aumento da praga nas lavouras. Assim, devem ser eliminados os restos culturais e deve ser evitado o plantio de culturas novas ao lado de culturas velhas.

Quando usar inseticidas, deve ser aplicada a dose recomendada; deve ser evitada a mistura de produtos, para evitar a presença de insetos resistentes a todos os produtos utilizados na mistura, em um curto período de tempo. Para retardar o aparecimento de insetos resistentes os agricultores devem utilizar um inseticida por vez, em rotação.

Rotação de inseticidas

O esquema de rotação de inseticidas mais comumente utilizado é a variação de produtos a cada aplicação. Este esquema, na verdade, acaba possibilitando o aparecimento de insetos resistentes a todos os produtos utilizados rapidamente. Porque isto acontece? A traça-das-crucíferas leva cerca de 21 dias para se desenvolver do ovo a adulto, ou seja, 21 dias para completar uma geração. Para efeito de simplificação, isto significa que durante 21 dias os insetos presentes na lavoura serão os mesmos.

Pulverização alternada semanalmente, com pelo menos dois inseticidas, significa que ao final de 21 dias poderemos ter insetos resistentes aos dois inseticidas aplicados. Estes insetos resistentes se multiplicarão e seus descendentes serão submetidos novamente aos mesmos inseticidas. Alguns destes insetos também sobreviverão e se reproduzirão, aumentando ainda mais o número dos insetos resistentes aos dois produtos. Para escapar do problema, onde em cada geração aparecem indivíduos resistentes aos inseticidas utilizados, a rotação deve ser utilizada de modo a que cada produto seja aplicado durante uma geração da praga (21 dias), quer as pulverizações sejam semanais ou quinzenais.

Na próxima geração (21 dias seguintes) deve ser utilizado um outro inseticida, de grupo químico diferente. Desse modo, insetos resistentes ao primeiro inseticida poderão morrer quando em contato com o segundo. Com esse tipo de rotação é esperado que o número de insetos resistentes ao inseticida usado se mantenha em baixo número e, em ausência de aplicações deste, os insetos resistentes se acasalem com os suscetíveis, reduzindo a resistência. Quanto mais inseticidas de grupos químicos diferentes forem introduzidos na rotação, maior será o tempo para o aparecimento de insetos resistentes.

A seleção de inseticidas

Normalmente os inseticidas são bem conhecidos pelos agricultores pelo nome comercial e, muitas vezes, os produtos a serem utilizados em rotação são escolhidos pelo nome comercial. No entanto, produtos com diferentes nomes comerciais, por exemplo: Ambush, Arrivo, Baythroid, Bulldock, Decis, pertencem ao mesmo grupo químico. No caso deste exemplo, ao grupo químico dos piretróides.

Isso significa que, independentemente do nome comercial, estes inseticidas, por pertencerem ao mesmo grupo (piretróides), selecionam a população de insetos resistentes através do mesmo mecanismo. Assim, insetos resistentes a um inseticida deste grupo, serão quase sempre resistentes aos outros inseticidas do mesmo grupo químico. Desse modo, os inseticidas a serem utilizados em rotação para o controle da traça-das-crucíferas, deverão ser produtos que pertençam a diferentes grupos químicos (piretróides, fosforados, carbamatos, Bacillus thuringiensis, reguladores de crescimento). O rótulo traz o grupo químico a que pertence o inseticida.

Uso sincronizado de inseticidas

A traça-das-crucíferas é uma praga capaz de voar grandes distâncias. No Distrito Federal armadilhas de feromônio foram colocadas em uma área de pivô central cultivada com milho e trigo. O cultivo de brássicas mais perto estava a 12 km de distância. Estas armadilhas capturaram machos durante um longo período, indicando que, transportados pelo vento, estes insetos são capazes de alcançar grandes distâncias.

Levando-se em conta a capacidade de vôo do inseto, insetos resistentes a um inseticida podem sair da sua área e chegar a uma nova área de cultivo de brássicas (são os insetos imigrantes). Se o local de chegada destes imigrantes for uma área onde o agricultor vá usar o inseticida para o qual os insetos imigrantes são resistentes, poderá ocorrer uma baixa eficiência do inseticida naquela área, mesmo que o produto nunca tenha sido utilizado pelo agricultor.

Estudos sobre a real capacidade de vôo da traça-das-crucíferas e o impacto de insetos imigrantes sobre a eficiência dos inseticidas em áreas que recebem estes imigrantes estão sendo realizados na Embrapa Hortaliças. Até que se conheça mais detalhes sobre essas questões, é recomendado que em uma mesma região de cultivo de brássicas os agricultores procurem introduzir um esquema de rotação de inseticidas sincronizado, ou seja, em período de 21 dias todos os agricultores da região devem utilizar o mesmo produto.

Inseticidas ineficientes

Para o esquema de rotação de inseticidas alcançar sucesso é necessário a eliminação de inseticidas, que sabidamente não controlam a traça-das-crucíferas, da lista de recomendação de inseticidas. Isso contribui para reduzir os custos de produção, bem como para viabilizar os programas de rotação de inseticidas, já que não se correrá o risco de utilizar um inseticida ineficiente por 21 dias. Os inseticidas ineficientes podem ser identificados em testes de laboratório onde folhas de repolho são tratadas com a dose comercial do produto e as lagartas alimentadas com estas folhas.

Os produtos considerados ineficientes causam mortalidade inferior a 80-90%, indicando que estes não devem ser utilizados ou devem ser utilizados de forma restrita e de acordo com as condições locais. Teste realizado com populações de traça-das-crucíferas coletadas em Barroso (MG), Tianguá (CE) e Taquara (DF) mostrou que o piretróide deltametrina foi ineficiente em todas as regiões avaliadas (mortalidade de larvas inferior a 9%) e Bacillus thuringiensis foi ineficiente apenas em Tianguá (mortalidade de larvas de 75%). Desse modo, os piretróides não deverão ser utilizados nas áreas avaliadas; e B. thuringiensis poderá ser utilizado na área da população Barroso e Taquara.

Atualmente um mapeamento completo da eficiência de inseticidas para o controle da traça-das-crucíferas eatá sendo realizado no Distrito Federal e os produtos ineficientes para cada local estão sendo identificados.

Marina Castelo Branco

Embrapa Hortaliças

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