Conservação e uso do germoplasma de mamoeiro na Embrapa

A preservação de espécies de mamoeiro é essencial para a sustentabilidade da cultura, em termos de resistência a pragas, qualidade de frutos e outras características agronômicas.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

O mamoeiro cultivado comercialmente (

L.) pertence à família Caricaceae e possui seis gêneros e 35 espécies (Van Droogenbroeck et al., 2002). Os gêneros Carica (uma espécie), Horovitzia (uma espécie), Jacaratia (sete espécies), Jarilla (três espécies) e Vasconcellea (21 espécies) são originários do continente americano, enquanto o gênero Cylicomorpha (duas espécies) pertence ao continente africano (Van Droogenbroeck et al., 2004).

O centro de origem do mamoeiro é a Bacia Amazônica Superior, onde sua diversidade genética é máxima, o que o caracteriza como uma planta tipicamente tropical. A sua distribuição estende-se entre 32 graus de latitude norte e sul, sendo que as áreas comerciais são menos extensivas (Badillo, 1993).

O Equador possui cerca de 71% das espécies descritas de Vasconcellea, sendo considerado o principal centro de diversidade do gênero (Cueva, 1999; Van den Eynden et al., 1999). Essas espécies se desenvolvem em altitudes acima dos 1000 m. No gênero Cylicomorpha, as espécies são originárias da África, a espécie de Horovitzia é originária do México, as espécies do gênero Jarilla são herbáceas e endêmicas do sul do México e Guatemala, enquanto no gênero Jacaratia as sete espécies são originárias da América do Sul (Badillo, 1993 e 2000).

Apesar do baixo número de espécies da família Caricaceae, existe uma grande variabilidade intra e interespecífica que deve ser mantida nos bancos de germoplasma, que são unidades de conservação do material genético de determinada espécie. A descoberta de características agronômicas ou industriais de interesse, nos acessos conservados nos bancos de germoplasma, possibilitam o uso direto do germoplasma nos sistemas de produção ou nos programas de melhoramento genético, que vislumbram a introdução de outras características importantes e que permanecem separadas em diferentes genótipos, para a formação de um ideótipo da espécie.

Germoplasma de mamoeiro

Até recentemente o gênero Vasconcellea era considerado uma espécie do gênero Carica, sendo sua reclassificação como gênero à parte proposta por Badillo (2000). É o gênero de maior importância em termos de recursos genéticos, pois compreende a maior parte das espécies da família. O gênero possui diversas fontes de resistência a doenças, sendo que as espécies

(Jacq.),

V.M. Badillo.,

A. St-Hil.,

(V.M. Badillo) V.M. Badillo. e V. x heilbornii são fontes de resistência ao vírus da mancha anelar (Papaya ringspot virus, PRSV) (Van Droogenbroeck et al., 2005; Dillon et al., 2005; Dillon et al., 2006). Acessos de

não apresentam resistência a essa doença.

Resistência a outras doenças que atacam o mamoeiro tem sido encontrada no conjunto gênico de Vasconcellea, como a resistência à varíola (Asperisporium caricae) encontrada em

; resistência a Fitoplasma encontrada em V. parviflora e a Phytophthora palmivora encontrada em

(Drew et al., 1998).

A preservação, avaliação e caracterização desses recursos genéticos são essenciais para a sustentabilidade da cultura, em termos de resistência a pragas (insetos, doenças, vírus, plantas daninhas, ácaros etc.), qualidade de frutos e outras características de importância agronômica. Atualmente, existem aproximadamente 30 coleções de

spp. em todo o mundo (Dantas et al., 1999).

No Brasil, um dos Bancos Ativos de Germoplasma (BAG) de Carica spp. e demais gêneros da família Caricaceae encontra-se instalado na Embrapa Mandioca Fruticultura Tropical, em Cruz das Almas (BA). Apesar da substituição dos genótipos tradicionalmente cultivados por variedades melhoradas mais produtivas e uniformes provocarem um forte processo de erosão genética, o BAG-Mamão encontra-se numa situação privilegiada, pois atualmente armazena 241 acessos que compreendem cinco espécies (Tabela 1).

Tabela 1. Relação de espécies e número de acessos do BAG-Mamão da Embrapa Mandioca e Fruticultura Tropical – Cruz das Almas (BA)

Espécie - N.º de acessos

Carica papaya L. - 224

Jaracatia spinosa - 10

Vasconcellea cauliflora - 2

Vasconcellea monoica - 2

Vasconcellea quercifolia - 3

Esta coleção foi formada mediante expedições de coleta, realizadas principalmente, pela Embrapa Mandioca e Fruticultura Tropical, Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia e Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola (EBDA). Os acessos são provenientes de diferentes países como África do Sul, Brasil, Costa Rica, Cuba, Estados Unidos (Havaí), Guatemala, Malásia, Namíbia, Tailândia e Taiwan. No Brasil, os acessos são originários dos estados da Bahia, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Sergipe.

Desde 1995, data de implantação do BAG-Mamão, iniciou-se a conservação, manutenção e caracterização dessa coleção, que tem como propostas principais a conservação eficiente e o conhecimento da diversidade genética armazenada, além da alimentação do banco de dados do Sibrargen (Sistema Brasileiro de Informação em Recursos Genéticos), que reúne todas as informações geradas sobre a coleção. O Sibrargen é um sistema que utiliza os mesmos conceitos de outros sistemas de informação da área, em especial o Germplasm Resource Information Network (GRIN, USDA/USA), para gerar um banco de dados centralizado e disponibilizar informações para acesso via Internet. O sistema permitirá o fornecimento dos dados do BAG para a comunidade científica de forma ágil, segura e com alto nível de disponibilidade de informação.

Para a manutenção dos recursos genéticos de mamoeiro na Embrapa Mandioca e Fruticultura Tropical são desenvolvidas as atividades de: i) introdução dos acessos com anotação de todos os dados de passaporte; ii) conservação: cujo objetivo é o armazenamento a médio prazo, em ambiente controlado , a 4 ºC; iii) multiplicação e regeneração: visando a obtenção de sementes de alta qualidade e em quantidade suficiente para atender à demanda do programa de melhoramento e conseqüentemente, manter o seu poder germinativo; iv) caracterização e avaliação da coleção com o uso de descritores morfo-agronômicos (Dantas et al., 2000); v) intercâmbio para atender às solicitações de germoplasma; e vi) coleta de germoplasma para enriquecimento e resgate da variabilidade genética existente na natureza.

Atualmente, a conservação dos acessos é feita sob condições de campo e pelo armazenamento das sementes a 4 ºC, em geladeira. No campo, em média a cada três anos, os acessos são dispostos em fileiras com dez plantas, no espaçamento 3,0 m x 2,0 m. A multiplicação e regeneração das sementes são feitas com o uso de polinização controlada, sobretudo pela autofecundação dos acessos hermafroditas e pelo cruzamento entre irmãos (“sib-crossing”), nos acessos dióicos (Dantas et al., 1999).

É sabido que todo banco de germoplasma deve conter uma variabilidade genética mínima que represente o acesso em termos de tamanho efetivo e freqüências alélicas. Contudo, tal número é discutível e varia de acordo com o tipo do germoplasma que compõe o banco. Segundo Vencovsky (1986), para uma espécie diplóide e alógama, como o milho, uma amostra de 1.000 sementes seria suficiente para a conservação dos acessos. No caso do mamoeiro, que possui flores unissexuais e hermafroditas, que dão origem a plantas do sexo masculino (forma andróica), feminino (ginóica) ou hermafrodita (androginóica) (Marin et al., 1989), não existem informações sobre o número mínimo de acessos ou de sementes a serem utilizadas para sua conservação. Nesse caso, com base em outras recomendações para espécies diplóides, o BAG-Mamão da Embrapa Mandioca e Fruticultura Tropical tem procurado levar a campo pelo menos dez plantas por acesso e armazenar cerca de 1.000 sementes a 4 ºC.

Melhoramento x germoplasma

A conservação dos recursos genéticos busca, dentre outros objetivos, viabilizar o seu uso nos programas de melhoramento visando a introgressão de genes de interesse nas variedades comerciais (como no caso da resistência a doenças existente no gênero Vasconcellea), para ampliar a variabilidade intra e interespecífica, aumentar a sustentabilidade da cultura do mamoeiro, preservar a variabilidade genética existente na família Caricaceae e reduzir a vulnerabilidade do gênero Carica, em particular (Dantas et al., 1999).

As espécies dos gêneros Carica e Vasconcellea são diplóides com o mesmo número de cromossomos 2n = 18 (Storey, 1976; Purseglove, 1982). Entretanto, a obtenção de híbridos entre os dois gêneros tem sido limitada por instabilidade pós-zigóticas, como aborto de embriões e infertilidade dos híbridos (Manshardt & Wenslaff, 1989a,b; Drew et al., 1998). Este fenômeno é atribuído à incompatibilidade genética entre as duas espécies que são distantes filogeneticamente, representando uma importante barreira para o sucesso da introgressão de genes de resistência nas variedades comerciais de

Por outro lado, algumas alternativas são propostas para vencer as limitações de fertilidade intergenérica entre o mamoeiro e algumas espécies de Vasconcellea, como a técnica de resgate de embriões in vitro. Com isso, alguns híbridos intergenéricos têm sido obtidos com as espécies

e

(Manshardt & Wenslaff, 1989a,b; Magdalita et al., 1997; Drew et al., 1998).

Apesar da existência dessa variabilidade interespecífica, ainda é possível explorar os acessos da espécie

L., dentro dos programas de melhoramento, de forma a obter ganhos significativos sem provocar grandes alterações no genoma da espécie cultivada, que ocorrem com o uso de backgrounds genéticos não comerciais. Para isso, é preciso promover a caracterização do germoplasma disponível, de forma a determinar as relações existentes entre eles.

A Embrapa Mandioca e Fruticultura Tropical tem direcionado esforços para os trabalhos de detecção da variabilidade genética, especificamente para a espécie

L., por meio do uso de descritores morfo-agronômicos e de técnicas moleculares. Nesse último aspecto, 2.408 seqüências de microssatélites já estão disponíveis para uso efetivo na cultura do mamoeiro. Com isso espera-se causar um grande impacto metodológico no manejo, conservação, uso e valoração dos recursos genéticos e, sobretudo, no melhoramento do mamoeiro, com vistas ao mapeamento genético, identificação de genes de interesse e no processo de seleção assistida.

A aplicação prática de todas essas ferramentas metodológicas contribuirá para a valoração dos recursos genéticos do mamoeiro depositados no BAG-Mamão da Embrapa Mandioca e Fruticultura Tropical. Além disso, a conservação, caracterização e avaliação da variabilidade genética do mamoeiro, bem como sua disponibilização à comunidade científica, propiciará ganhos genéticos expressivos, além de garantir a sustentabilidade do agronegócio brasileiro, tornando-o mais produtivo e competitivo.

Eder Jorge de Oliveira

,

Jorge Luiz Loyola Dantas

e

Milene da Silva Castellen

Pesquisadores da Embrapa Mandioca e Fruticultura Tropical

Contatos:

,

,

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