Controle da sarna da macieira

Com quadro grave de problemas de resistência, manejo precisa de atenção para garantir a sustentabilidade das ferramentas de controle

19.05.2020 | 20:59 (UTC -3)

As estratégias de combate à sarna da macieira tem sofrido modificações profundas ao longo dos últimos 40 anos no Brasil em razão das alterações no comportamento das populações do fungo Venturia inaequalis frente a aplicação de fungicidas de ação específica. Com um quadro grave de problemas de resistência, medidas de manejo precisam ser observadas com atenção para garantir a sustentabilidade dessas ferramentas de controle.

A sarna da macieira, causada por Venturia inaequalis, é a principal doença da macieira nas regiões produtoras do sul do Brasil. Pode causar perdas de até 100% na produção, caso medidas de controle não sejam adotadas com eficiência.

O controle da sarna, tendo em vista a alta suscetibilidade das cultivares Gala, Fuji e seus respetivos clones, predominantes no sul do Brasil, é realizado com medidas profiláticas durante o outono e inverno para a redução de inóculo, e o uso de fungicidas na primavera e verão.

Durante os mais de 40 anos de cultivo comercial da macieira no Brasil foram introduzidos vários fungicidas, de diferentes grupos químicos, para o controle da sarna e outras doenças. Praticamente todos estes produtos, com exceção de alguns que foram retirados por causarem dano ao homem e ao meio ambiente, são de ação protetora, curativa e erradicante, e continuam sendo empregados para o controle da sarna.

Histórico do uso dos fungicidas IBEs

Na década de 1980 iniciou-se uma nova fase no controle da sarna com a adaptação da Tabela de Mills para as condições brasileiras. Para isso contribuiu muito a introdução dos fungicidas Inibidores da Biossíntese de Ergosterol (IBEs), com ação retroativa sobre a sarna da macieira. O primeiro fungicida IBE comercializado para o controle da sarna foi o triforine e depois o bitertanol. Logo em seguida foram introduzidos os IBEs mais eficientes como fenarimol e tebuconazole e, mais tarde, miclobutanil, tetraconazole, triflumizole, ciproconazole e difenoconazole entre outros.

Com a introdução por parte do Ministério da Agricultura e Abastecimento (Mapa) dos fungicidas IBEs e a implantação das Estações de Avisos Fitossanitários em São Joaquim e em Fraiburgo (ambos em Santa Catarina) iniciou-se uma nova fase no manejo da sarna. Os fungicidas IBEs eram recomendados até 96 horas após o início do PI.

Porém, após 10 anos de uso dos fungicidas deste grupo, começou-se a observar, principalmente nas aéreas experimentais, falha de controle da sarna. Nos anos de 1992 e 1993 foi realizado, então, levantamento para avaliar a frequência de isolados de V. inaequalis resistentes aos IBEs e também ao dodine quando se constatou erosão da sensibilidade de isolados de V. inaequalis a ambos os grupos de fungicidas. Alguns ciclos após, resultados mais críticos foram observados, com o aumento do nível de resistência e da frequência de isolados resistentes aos IBEs. Em ensaio mais recente, em casa de vegetação, evidenciou-se que a eficiência dos fungicidas curativos está abaixo de 30% quando aplicados 96 horas após a inoculação.

Folha de macieira com a presença de sintomas da sarna, causada por Venturia inaequalis.
Folha de macieira com a presença de sintomas da sarna, causada por Venturia inaequalis.

Histórico de uso dos fungicidas QoIs

A partir de 1995 começou-se a testar os fungicidas QoIs e, em 1998, foi lançado o kresoxim-metilico dando início ao uso dos fungicidas, também chamados de estrobilurinas, no Brasil. Posteriormente foi introduzido o trifloxystrobina e, mais tarde, famoxadone e pyraclostrobina. Tais fungicidas eram muito importantes haja vista que se tratava de um novo grupo químico com alta eficiência no controle da sarna. Além da ação protetora e alta afinidade com a camada cerosa das folhas da macieira atuavam fortemente sobre a esporulação (ação erradicante) do fungo e também possuíam pequena ação curativa devido à sua ação de profundidade. Mais tarde, no ciclo 2004/05, foi realizado um levantamento em toda a região produtora no sul do Brasil no qual se observou a ocorrência de 4% de isolados de V. inaequalis resistentes aos fungicidas QoIs, conferindo ainda alta efetividade do fungicida. Com o passar do tempo começou-se a observar, nos ensaios de campo, que a eficiência destes fungicidas já não era tão boa quanto se observara por ocasião da introdução destes produtos. No ciclo 2010/11 observou-se que o kresoxim-metilico não mais controlava a sarna da macieira nos ensaios a campo. Foi realizado então, um levantamento em que se constatou que 73,8% das amostras de V. inaequalis eram resistentes, ou seja, germinavam em 20 ppm de kresoxim-metilico adicionado ao meio de agar a 2%.

Para confirmar os resultados foram realizados ensaios de casa de vegetação para avaliar o efeito dos fungicidas QoIs, aplicados isoladamente ou em mistura com outros produtos. De acordo com estes resultados, todos os QoIs testados falharam no controle da sarna evidenciando a resistência cruzada para todos os fungicidas deste grupo. Foram testados o kresoxim-metilico, trifloxystrobina, picoxystrobina, pyraclostrobina e famoxadone.

Histórico de uso do Dodine e Tiofanato Metílico

Em Santa Catarina, o dodine foi intensivamente utilizado na década de 1970, devido à sua ação protetora similar aos demais fungicidas convencionais, ao efeito curativo similar ao dos benzimidazóis, e à ótima ação erradicante, com efeito supressor da produção de esporos. No entanto, nos anos de 1991 a 94, quando predominou um longo período de influência do El Niño, vários produtores associaram a alta severidade da sarna ao desenvolvimento da resistência ao dodine. Resultados do levantamento realizado em Santa Catarina indicaram que na maioria dos pomares a severidade da sarna estava relacionada ao manejo em si, entretanto, em alguns pomares da região de São Joaquim, Santa Catarina foram constatados isolados de V. inaequalis tolerantes ao dodine em proporções críticas.

Estudo recente, no entanto, tem evidenciado que o fungicida dodine (45 g i.a./100 L a 54 g i.a./100 L) apresenta boa eficiência no controle protetor da sarna da macieira. É provável que a diminuição significativa do seu uso tenha mantido ainda população sensível de V. inaequalis possibilitando alguma eficiência uma vez que se trata de resistência quantitativa. Com o objetivo de conhecer um pouco mais a situação de eficiência do dodine foram realizados alguns ensaios de campo e de casa de vegetação. De acordo com estes resultados, o nível de resistência parece estar estabilizado e independe do histórico do pomar. Ou seja, o dodine em dose alta apresentou boa eficiência quando foi testado contra V. inaequalis, isolado oriundo de um pomar com 30 anos de idade e outro com 8 anos de idade. É provável que a população do fungo tenha se estabilizado e se tornado abrangente em toda às regiões produtoras.

Fungicidas ANPs

Os fungicidas do grupo das Anilinopyrimidinas foram testados desde 1994 e lançados juntamente com os fungicidas do grupo dos QoIs. São fungicidas que possuem ação protetora e curativa de até 72 h.a.i. Apesar do risco de ocorrência de surgimento de resistência, tais fungicidas continuam muito ativos conforme testes realizados recentemente em casa de vegetação e no campo.

Fungicidas protetores

Os fungicidas de contato ou protetores são muito importantes haja vista o não registro, até o presente momento, de ocorrência de resistência. No entanto, devido à característica de não penetrarem nos tecidos da planta, devem ser aplicados antes dos períodos chuvosos. Após a aplicação forma-se um depósito nos órgãos vegetativos da planta. O fungicida adere à superfície para, posteriormente, ser redistribuído pela chuva e orvalho e, deste modo, o produto vai ficando inativo com o passar do tempo. Outros fatores que afetam os fungicidas são: 1- Ambiente: lavagem pela água da chuva, orvalho, hidrólise e fotólise; 2- Ação da microflora presente na superfície das folhas e dos frutos que podem decompor o produto; 3- Características morfológicas da planta que interferem na aderência e efetividade (serosidade, pilosidade etc.); 4- Formulação do fungicida e 5- Fenologia. O fator emissão de folhas é de suma importância no manejo das doenças foliares, haja vista que o fungicida não se transcola de uma folha para outra em quantidade suficiente para controlar a doença.

Para que o controle seja eficiente, a reposição do fungicida de contato deve ser feita em determinados intervalos antes que ocorra um novo período de infecção e o patógeno se estabeleça na macieira. Esta reposição depende da dose, quantidade de chuva e, principalmente, da emissão de folhas novas. Ensaios realizados em São Joaquim têm evidenciado que chuvas de 30mm e 60mm não afetam a eficiência de fungicidas como Captan, Folpet e Dithianon. O efeito protetor do fungicida é, então, mais influenciado pela formação de novas folhas e posterior crescimento dos ramos terminais.

Em estudo realizado na Estação Experimental de São Joaquim, em condições de temperatura constante, observou-se que são necessários 6,2, 2,6 e 1,8 dias para formar uma nova folha em temperaturas de 10ºC, 15ºC e 20ºC, respectivamente. Ou seja, em uma temperatura média de 12,5ºC são necessários 4,4 dias para formar uma nova folha. Já em avaliações realizadas no campo nas primaveras de 2008, 2009, 2010 e 2011, observou-se que durante o ciclo primário da sarna a temperatura media diária foi de 14,2ºC e que nesta condição foram necessários em média 3,8 e 4,1 dias para abrir uma nova folha, nas cvs. Gala e Fuji, respectivamente. Estes resultados de campo são indicativos de que o intervalo residual para ação dos fungicidas protetores, nas condições de São Joaquim, oscila ao redor de 4 dias.

Tendo em vista a ocorrência de múltipla resistência de V. inaequalis aos fungicidas IBEs, Benzimidazóis e QoIs, os fungicidas protetores tornam-se cada vez mais importantes para o manejo da sarna. Para tanto, se recomenda o seu uso em dose cheia, aplicados o mais próximo possível do início de um período chuvoso.

Frutos depreciados pela presença da sarna, doença que pode levar a perdas de 100% da produção.
Frutos depreciados pela presença da sarna, doença que pode levar a perdas de 100% da produção.

Conclusões e recomendações

A estratégia de controle da sarna tem sido muito dinâmica nos 40 anos de cultivo comercial da macieira no Brasil em razão das modificações da sensibilidade das populações de V. inaequalis frente aos fungicidas de ação específica. Atualmente existe um quadro de resistência múltipla agravada pelo recente surgimento de resistência aos fungicidas QoIs. Felizmente, de acordo com estudos preliminares, tem-se observado que esta população ainda mantém uma relativa sensibilidade ao fungicida dodine. Caso se comprove a eficiência, o dodine poderá novamente ser uma ferramenta importante no controle desta doença. Deste modo, o uso de fungicidas protetores aplicados o mais próximo possível de um período chuvoso é o método indicado para o controle da sarna. A adição de fosfito e aminoácidos também ajuda no desempenho destes produtos. As anilinopyrimidinas, com sua ação curativa de até 72 horas podem ajudar nos momentos mais críticos e quando for necessário se efetuar aplicações curativas. Os fungicidas IBEs, na falta de melhor alternativa, continuam sendo recomendados pois ainda apresentam ação (IC de 30%) sobre a sarna e são muito importantes para o controle do oídio. Finalmente, a redução de inóculo durante o outono e inverno é prática fundamental na busca pela sustentabilidade das estratégias de controle com uso de fungicidas.

José Itamar Boneti, Yoshinori Katsurayama, Epagri/ São Joaquim


Artigo publicado na edição 79 da Cultivar Hortaliças e Frutas 

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