Controle de capim camalote em cana

Conhecer os aspectos relacionados à biologia da planta é fundamental para prevenir o ataque e contribuir na ampliação de estratégias de controle

23.12.2019 | 20:59 (UTC -3)

Agressividade, rápido desenvolvimento inicial e elevado potencial de disseminação fazem do capim camalote uma preocupação adicional na gestão agrícola dos canaviais. Responsável por perdas de produtividade de 80% em áreas de cana soca e de até 100% em cana planta, sua incidência é altamente desafiadora. Conhecer os aspectos relacionados à biologia dessa planta é fundamental para prevenir o ataque e contribuir na urgente ampliação de estratégias de controle

O capim camalote (Rottboellia exaltata L.f.), originário da Ásia, provavelmente Índia, está disseminado em mais de 28 países, infestando 18 culturas ou mais, dentre elas a cana-de-açúcar. A maior incidência está entre 23o N e 23o S de latitude, porém, ocorre também na Austrália e nos Estados Unidos da América do Norte, onde atinge 75% a 100% do seu potencial de crescimento. Estima-se que na América Central e no Caribe infesta mais de 3,5 milhões de hectares. Na canavicultura da Guatemala é considerada um dos principais desafios no manejo de plantas daninhas atualmente. Também é considerada importante planta daninha no oeste da África.

No Brasil, sua infestação em lavouras agrícolas passou a ser observada no final da década de 1950, sendo introduzida no país provavelmente contaminando lotes de sementes de arroz importadas da Colômbia. Atualmente infesta com maior frequência a região norte, porém, com focos de ocorrência em São Paulo e na região Centro-Oeste. Devido à alta agressividade, ocasiona redução significativa na produção de colmos industrializáveis de cana e no número de cortes economicamente viáveis do canavial.

É considerada uma das 12 piores espécies de plantas daninhas infestantes dos canaviais no mundo, devido a sua alta agressividade que lhe confere vantagens competitivas. Em infestações superiores a dez plantas por metro quadrado, não permite o desenvolvimento pleno das plantas de cana-de-açúcar, impossibilitando o “fechamento” das entre linhas.

As plantas são de formato ereto, com bainhas foliares densamente revestidas por rígidas cerdas de 1m a 2,5m de altura. Pertencente à família botânica Poaceae (gramíneas), possui ciclo de vida anual ou perene, dependendo das condições ambientais. Reproduz-se através de sementes, podendo, também, ser multiplicada por pedaços de caule, os quais possuem gemas em seus nós. Apresenta alta adaptabilidade ecológica, facilitando sua disseminação, sendo que uma planta pode emitir até 100 perfilhos e produzir mais de 16 mil sementes, estimando-se uma produção de até 6.500 sementes por m2. Isso lhe confere o nome popular de planta “caminhadora” em alguns países.

Figura 1 –	Foto 1 – Detalhes dos segmentos dos racemos da inflorescência e os frutos do tipo cariopses de capim camalote
Figura 1 – Foto 1 – Detalhes dos segmentos dos racemos da inflorescência e os frutos do tipo cariopses de capim camalote

Foto 2 – Detalhes da formação do banco de sementes a partir da “chuva de sementes” sobre o solo
Foto 2 – Detalhes da formação do banco de sementes a partir da “chuva de sementes” sobre o solo

A dormência das sementes é variável em função das condições climáticas e agronômicas, podendo chegar a vários anos. Em épocas do ano com temperaturas médias menores, as sementes entram em estado de dormência. Por conseguinte, sementes posicionadas em maiores profundidades no perfil do solo permanecem mais tempo viáveis no ambiente, resultando nas futuras infestações. Na Figura 2 (fotos 3 e 4, respectivamente) podem ser observadas as características morfológicas de uma plântula, bem como o alto potencial de emergência de plântulas em área coberta de palha de cana-de-açúcar.

Em estudo sobre a viabilidade de sementes enterradas a diferentes profundidades, em áreas cultivadas com a cultura do milho nos Estados Unidos da América do Norte, foi constatado que de 40% a 60% das sementes permanecem viáveis durante um ano, sendo viáveis mesmo a 45cm de profundidade. Este aspecto pode influenciar no controle químico, uma vez que os herbicidas são ativados normalmente na camada de 10cm do perfil do solo.

Figura 2 –	Foto 3 – Detalhes da plântula de capim camalote evidenciando a longa região do coleóptilo que possibilita a emergência das plântulas oriundas de sementes enterradas a profundidades maiores que 10cm
Figura 2 – Foto 3 – Detalhes da plântula de capim camalote evidenciando a longa região do coleóptilo que possibilita a emergência das plântulas oriundas de sementes enterradas a profundidades maiores que 10cm

Figura 2 - Foto 2 - Foto 4 – Emergência do capim camalote em área coberta de palha de cana, evidenciando o alto
Figura 2 - Foto 2 - Foto 4 – Emergência do capim camalote em área coberta de palha de cana, evidenciando o alto

Na Costa Rica foi verificado que em condições de campo, após 18 meses, 43% das sementes posicionadas na superfície do solo germinam; já para a profundidade de 5cm observou-se 49,33%, e aos 20cm a germinação foi de 59,33%. Dessa forma, constatou-se que as maiores profundidades favorecem a germinação do capim camalote.

No entanto, resultados distintos obtidos em outros trabalhos de pesquisa demonstram que as sementes podem permanecer dormentes no solo até quatro anos. Da mesma forma, contatou-se menor germinação em maiores profundidades de enterrio, sendo que as sementes posicionadas na superfície ou enterradas a 5cm e 10cm de profundidade perdem a longevidade substancialmente, sendo que a 20cm de profundidade, menos de 10% das sementes continuam viáveis.

Outro trabalho de pesquisa constatou que em solo arenoso, a maior emergência ocorre a 5cm de profundidade. Em solo argiloso o padrão de emergência é semelhante, entretanto, há redução mais acentuada na emergência com o aumento na profundidade de semeadura. A maior taxa de germinação é observada no solo com pH variando de 6,8 a 7, verificando-se menor germinação em solo não corrigido, com pH de 5,3. Em estudo da emergência através da observação da interação quantidade de palha na superfície do solo e profundidade de enterrio das sementes, constatou-se que a emergência (1cm, 3cm e 5cm de profundidade) e densidades de palha (0, 8ton/ha e 16 ton/ha) não influenciaram a emergência de forma diferencial.

Analisando a literatura sobre a biologia do capim camalote, verifica-se que a planta prefere as mesmas condições ecológicas que a cana-de-açúcar, tais como alta temperatura (27ºC) e alta umidade (> 1.500mm de chuva por ano). Dessa forma, as condições ambientais que proporcionam melhor formação dos canaviais também proporcionam melhor desenvolvimento do capim camalote, resultando em maior germinação dessa planta daninha e, consequentemente, maior competição com a cultura da cana-de-açúcar. Sendo assim, essa convivência do capim camalote com a cana-de-açúcar provoca perdas significativas no rendimento.

O capim-camalote é uma planta de ciclo C4, portanto, apresenta alta eficiência fotossintética, logo, essa planta daninha apresenta uma série de características que lhe conferem vantagens ao colonizar determinadas áreas, sobretudo em ambientes quentes e úmidos. Dentre essas características podem-se citar o baixo ponto de compensação de CO2, a elevada taxa de fotossíntese quando em ambiente de alta disponibilidade de luz e a baixa taxa de fotorrespiração. Em virtude dessas características, o capim camalote, apresenta um vigoroso crescimento vegetativo e rápido ciclo reprodutivo.

O fato de o capim-camalote realizar fotossíntese por meio do ciclo C4 favorece a presença da espécie em áreas de produção de cana-de-açúcar. Essa cultura também apresenta ciclo fotossintético C4, o que a torna uma espécie altamente competitiva com a comunidade daninha. Dessa forma, as plantas daninhas mais aptas à competição com a cana-de-açúcar, em geral, possuem alta eficiência fotoquímica e rápida ocupação do espaço, como é o caso de diversas espécies ciperáceas e gramíneas, dentre estas o capim-camalote.

Por apresentar essa alta habilidade competitiva, a dispersão nas várias regiões agrícolas brasileiras está se tornando também um problema crescente para a agricultura do país, sobretudo quando da infestação da espécie em culturas menos competitivas, com ciclo fotossintético do tipo C3, como as culturas da soja e do feijão, por exemplo.

Sua agressividade torna-a temida entre os agricultores do mundo todo.  Quando presente em áreas agrícolas, o capim-camalote interfere diretamente pela competição por água, luz, nutrientes e espaço. Em estudo relativo ao crescimento e desenvolvimento do capim-camalote foi observado que durante todo o desenvolvimento da pesquisa as plantas de Rottboellia exaltata mantiveram-se bastante vigorosas e com rápido crescimento inicial. Aos 28 dias após a semeadura (DAS) já se encontravam em estádio de perfilhamento, permanecendo sob pleno desenvolvimento vegetativo até os 45 DAS, quando teve início a fase reprodutiva com a definição do estádio fenológico de emborrachamento/pré-florescimento. O florescimento ocorreu aos 49 DAS com a emissão dos primeiros racemos florais; as plantas mantiveram-se em florescimento, por meio da emissão contínua de novos racemos pelo colmo principal e posteriormente pelos perfilhos, até o fim do experimento.

Na mesma pesquisa também foi constatado que há um grande acúmulo de massa fresca, demostrando assim elevada capacidade em produzir fitomassa. Aos 49 DAS, na ocasião do florescimento, as plantas possuíam, em média, valores próximos de 26,5g de massa fresca total, sendo, aproximadamente, 20g correspondentes à participação da massa fresca da parte aérea e os demais 6,5g correspondentes à participação da massa fresca das raízes. Esses dados são relevantes, pois demostram que essa planta apresenta um rápido desenvolvimento inicial atrelado à capacidade de explorar um considerável volume do solo, esses dados são importantes, pois plantas que germinam primeiro em um ambiente agrícola e colonizam de forma pioneira o espaço destinado à produção agrícola irão levar vantagens em relação à competição com culturas de interesse agronômico, como por exemplo a cana-de-açúcar. Na Figura 3 (fotos 5 e 6) podem ser observados o vigor das plantas de capim-camalote e a sua agressividade como planta daninha.

Figura 3 –	Foto 5 – Detalhe da agressividade do capim-camalote em cana planta avaliada em área experimental
Figura 3 – Foto 5 – Detalhe da agressividade do capim-camalote em cana planta avaliada em área experimental

Foto 6 – Detalhe do capim-camalote já florescido infestando cana soca, onde pode ser observado que pode atingir altura de mais 1,5m
Foto 6 – Detalhe do capim-camalote já florescido infestando cana soca, onde pode ser observado que pode atingir altura de mais 1,5m

O acúmulo total dos macronutrientes é crescente ao longo do ciclo de desenvolvimento da planta do capim-camalote, sendo que o período no qual se observa o maior acúmulo de nutrientes é antes do florescimento, demostrando, dessa forma, que essa espécie daninha apresenta alta capacidade de extrair recursos do ambiente agrícola, o que pode resultar em severa matocompetição com as culturas de interesse agronômico.

Nas regiões canavieiras, o capim-camalote se destaca por causar perdas significativas de produtividade. Estudos demonstram reduções na produtividade nos canaviais de até 80% para áreas de cana soca, e de até 100% em cana planta. A interferência causada pela presença das plantas daninhas na cultura da cana-de-açúcar pode reduzir a quantidade de colmos colhidos ou mesmo o número de cortes economicamente viáveis. Além dos danos diretos, o capim-camalote também pode causar transtornos relacionados aos tratos culturais, pois os trabalhadores muitas vezes se recusam a entrar em talhões de cana-de-açúcar com alta infestação de capim-camalote, pois essa planta apresenta tricomas simples, pluricelulares silicosos (joçal) que, em contato com a pele, penetram como agulhas de vidro, quebram-se e causam reações alérgicas.

A sua dispersão torna-se extremamente preocupante para os produtores de cana-de-açúcar, em áreas ainda não infestadas, uma vez que as plantas poderiam se adaptar às novas condições, provocando redução na produtividade, principalmente por essa espécie ser de difícil controle. Nesse sentido, já existem relatos da adaptação de biótipos de capim-camalote nas mais variadas condições ambientais brasileiras, o que pode resultar, em algumas ocasiões, em pequenas alterações morfológicas na estrutura da planta. Essas ocorrências estão relacionadas ao intenso polimorfismo da espécie, correlacionado com a existência de poliploidia. A consequência prática é maior agressividade das infestações de capim-camalote nas culturas de interesse agronômico e nos canaviais em virtude da adaptação dessa planta daninha às condições de produção, o que pode resultar no agravamento do problema.

A competição entre populações de capim-camalote e a cultura da cana-de-açúcar é algo que vem ganhando destaque, principalmente pela rápida disseminação e agressividade que essa planta representa.  O manejo é oneroso, devido à necessidade de se utilizar até seis aplicações de herbicidas durante o ciclo da cultura. Essa situação contribui para que o capim-camalote torne-se uma planta de difícil controle, pois não existem muitos produtos recomendados para seu manejo e a maior parte dos herbicidas que controlam esta planta pode causar toxicidade à cultura da cana-de-açúcar. Outro aspecto pertinente reside no fato de que o capim-camalote pode germinar o ano todo (com pico máximo em setembro), fazendo com que haja necessidade de várias aplicações para o seu controle.

O manejo do capim-camalote deve ser realizado com base nos conhecimentos do crescimento e desenvolvimento da espécie, ou seja, as medidas de controle devem ser administradas em período anterior a, aproximadamente, 40 dias de desenvolvimento das plantas, pois a partir deste ponto, pode ocorrer o florescimento com rápida dispersão de sementes ao solo. Da mesma forma, o crescimento inicial rápido exige que medidas de manejo sejam realizadas sobre plantas jovens para que os melhores resultados sejam obtidos, uma vez que o desenvolvimento da planta dificulta o controle e, também, para que a competição entre a planta daninha e a cana-de-açúcar não ocorra ou mesmo que não seja significativa sobre a produção.

Sendo assim, nota-se que o capim-camalote é uma planta com diversas características de agressividade, rápido desenvolvimento inicial e elevado potencial de disseminação, o que contribui para que seja cada vez mais recorrente em áreas cultivadas com cana-de-açúcar e outras culturas de interesse agronômico. Dessa forma, conhecer os aspectos relacionados à biologia dessa planta possibilita uma prevenção da sua disseminação, além de contribuir na elaboração de estratégias de controle. É necessário o desenvolvimento urgente de novas tecnologias, principalmente herbicidas, caso contrário, a importância relativa desta planta daninha será grande e a canavicultura terá um grande desafio pela frente.


Pedro Jacob Christoffoleti, Esalq; Paulo Vinicius da Silva, Patrícia Andrea Monquero, Departamento de Recursos Naturais e Proteção Ambiental do Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal de São Carlos


Artigo publicado na edição 189 da Cultivar Grandes Culturas. 


Compartilhar

Mosaic Biosciences Março 2024