Controle minucioso

A agricultura de precisão permite que se faça um levantamento detalhado da produtividade de cada área, para que depois possam ser administradas as diferenças.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

Há quem associe agricultura de precisão (AP) a algum pacote de soluções mágicas que chegam até nós, via satélite, para resolver todos os problemas da agricultura a partir da sua adoção. Esse conceito persistirá enquanto houver desinformação. Há poucos anos, quando a AP surgiu, a tônica era de que a onda, que se aproximava, permitiria tornar uniformes as produtividades das lavouras, fazendo com que as manchas fossem abolidas e se nivelasse tudo pelas altas produtividades. A aplicação de insumos em taxas variadas seria praticável para cada metro quadrado da lavoura.

Em reportagens, era descrita a simplicidade eletrônica de todo o processo e, num toque de automação, o agricultor tiraria da colhedora um cartão de memória com os dados de colheita (entenda-se, o mapa de produtividade) e inseriria esse mesmo cartão em algum controlador de máquina acoplada ao trator no qual estivesse instalado um GPS e com isso, ele poderia fazer a operação de adubação ou semeadura em taxa variada. Noutra frente, se dizia que a amostragem de solo em grade, acompanhada de um certo rigor estatístico, iria permitir resolver quase tudo e a aplicação de fertilizantes baseada nesse conjunto de dados, novamente, seria suficiente para nivelar a produtividade pelo seu máximo.

Passou-se a entender um pouco melhor as variabilidades existentes nas lavouras e por conta dos primeiros dados disponíveis, observa-se que para tornar o desafio ainda mais interessante, as correlações entre produtividade e fatores de produção individuais, são baixas.

É fácil concluir-se que a agricultura de hoje é praticada “pela média”. Um pequeno agricultor conhece em detalhes a sua roça, diferentemente do gerente ou do proprietário de uma grande fazenda, de alguns milhares de hectares. Na medida em que as propriedades aumentaram de tamanho, esse detalhamento foi sendo deixado de lado. Por isso, pode-se dizer que se pratica a agricultura “pela média”. Faz-se a amostragem de solo e um resultado vale para todo talhão ou até para a propriedade inteira e, na colheita, diz-se que a propriedade produziu tantos sacos por hectare e essa agricultura pela média acaba escondendo muita coisa.

Um mapa de produtividade, que é um bom ponto de partida para quem quer entender e praticar AP, mostra informações surpreendentes. As lavouras em geral, apresentam manchas de produtividades extremamente variadas. Portanto, o que se pratica nos dias de hoje é uma simplificação estritamente de ordem prática, por falta de recursos técnicos para maior detalhamento.

A proposta da AP é permitir que se faça aquilo que o pequeno agricultor sempre fez, porém em larga escala e associando todo o conhecimento acumulado pelas ciências agrárias até hoje. A idéia básica é de que o agricultor possa inicialmente identificar as manchas de alta e de baixa produtividade dos atuais talhões e depois possa administrar essas diferenças. Para que isso seja possível, é necessário um bom grau de automatização e essa automatização depende de tecnologias modernas, muitas delas apenas adaptadas para o meio agrícola. Exemplo disso são o GPS, a informática e muitos dos sensores e controladores utilizados nas máquinas agrícolas.

A AP deve ser vista como um sistema de gestão ou de gerenciamento da produção agrícola. É um elenco de tecnologias e procedimentos utilizados para que as lavouras e o sistema de produção sejam otimizados, tendo como elemento chave o gerenciamento da variabilidade espacial da produção e dos fatores nela envolvidos.

Hoje a AP é o agente da geração de bases de dados de uma preciosidade ainda pouco compreendida pela maioria de nós. Embora tudo isso tenha começado com os grãos, é perfeitamente admissível que o conceito se estenda a qualquer cultura, sem exceção. A questão é apenas como monitorar o que acontece e com que freqüência.

Nos cereais em geral, houve um empenho inicial maior devido às extensas áreas que ocupam. Hoje já há soluções em várias culturas como o café e a cana-de-açúcar, aqui no Brasil e algodão, tubérculos, frutíferas em geral, feno, tomate industrial e outras, em outros países.

Sem dúvida, a melhor informação do resultado de uma lavoura é a colheita. Na agricultura pela média, essa informação se resume a um número. Na AP essa informação é o mapa de produtividade que mostra o total colhido para cada pequena porção da lavoura. É uma imagem que representa a variabilidade espacial da produção. Para se gerar os mapas de produtividade de grãos é necessária a instalação de alguns dispositivos especiais na colhedora. A configuração básica de um sistema inclui um sensor de fluxo de grãos e um sensor de umidade da massa de grãos, ambos instalados no elevador de grãos limpos da máquina, um sensor de velocidade da máquina, um interruptor ou sensor de plataforma, GPS e o monitor com sistema para armazenamento de dados, instalado na cabine. Várias outras ferramentas estão sendo propostas e testadas, visando sempre identificar as manchas existentes em um talhão, como as fotografias aéreas, as imagens de satélite, a videografia, a amostragem de solo em grade, a mensuração da condutividade elétrica do solo etc. Todas merecem a devida atenção e fazem parte do sistema.

A técnica que tem-se tornado bastante popular e que se soma às informações da cultura é a geração do mapa individual para cada indicador da fertilidade do solo a partir da amostragem em grade. Para isso é necessário um certo investimento na coleta de amostras, cada uma localizada via GPS. Outras informações podem ser registradas, como por exemplo, a localização de focos de infestação de doenças, pragas ou invasoras.

Esse é apenas o campo da coleta de dados para um bom diagnóstico, que é a fase seguinte. Nessa, a interpretação e explicação para os fatos passa a ser a tarefa mais complexa. Na prática, deve-se identificar os fatores que podem causam as baixas produtividades onde elas se manifestarem. É a arte de fazer aquilo que se faz hoje com base nas médias, porém em cada pequena porção da lavoura.

A outra fase do processo, posterior ao diagnóstico, é a aplicação dos insumos na dose certa em cada local. De nada serviria o diagnóstico dos problemas localizados se não houvesse como fazer o tratamento também localizado. Já existem veículos de aplicação de fertilizantes capazes de carregar um ou vários produtos, separados para a composição da aplicação localizada da devida mistura. Em alguns países, essa tarefa normalmente é feita por prestadores de serviços ou cooperativas que se especializaram nessa tarefa. Também são disponíveis equipamentos para variar a densidade de semeadura, automaticamente, no campo. A aplicação localizada de defensivos agrícolas com dosagens variadas e circuito de injeção direta do princípio ativo, no fluxo de água ou diretamente nos bicos, também já é disponível. Nesse contexto, já são oferecidos produtos e serviços ao agricultor brasileiro. No entanto, o domínio das técnicas passa por uma avaliação e adaptação às nossas particularidades.

Com esse intuito várias instituições, dentre elas a Esalq/USP, vêm conduzindo trabalhos de pesquisa na área. O chamado “Projeto AP” é um conjunto de ações que tem como meta maior a avaliação da tecnologia como ela vem sendo concebida e oferecida ao usuário. Dessa forma, várias atividades de pesquisa vêm sendo desenvolvidas, especialmente com enfoque para a avaliação dos recursos disponíveis para se praticar AP.

Os avanços até aqui obtidos nesse tipo de trabalho têm dado embasamento para muitas iniciativas novas e instituições e, agricultores já começam a utilizá-las. A montagem de sistemas em nível de propriedade ou grupo de agricultores, bem como a estruturação de consultorias especializadas e prestadores de serviços, são algumas das frentes que começam a se abrir e podem ser balizadas com as experiências já somadas.

Ainda existem muitas perguntas em termos de o que fazer com as informações coletadas. De qualquer maneira, a recomendação tem sido de se coletar o máximo possível de dados de campo, pois um único mapa de colheita, por exemplo, não oferece muitas indicações. São necessários vários níveis de informação (mapas) para uma análise mais ampla do que ocorre em um determinado segmento da lavoura, além da bagagem de conhecimento indispensável do agricultor e de seus colaboradores.

Uma forma de se simplificar um pouco a abordagem da AP da forma como tem sido discutida é com base na identificação e demarcação de unidades de gerenciamento (“zonas de manejo”). Na medida em que o agricultor passa a trabalhar a propriedade não mais como única, ou seja, isola cada talhão e os considera como unidades gerenciais, as desuniformidades começam a surgir. Isso leva ao tratamento individualizado de cada talhão em todos os sentidos; desde a amostragem de solo, passando pela colheita, até a contabilidade. Esse é o início do processo de gerenciamento por unidades. O que falta é definir essas unidades dentro de cada talhão. Assumindo que as manchas existem e que conhecendo-as podemos melhorar as técnicas de gerenciamento da lavoura, deve-se lançar mão de ferramentas que permitam definir essas unidades. Para isso, podem ser utilizados os mapas de produtividade, as fotos aéreas, as imagens de satélite, a amostragem de solo em grade e outras técnicas mais recentes.

Definidas essas unidades, passa-se a criar subdivisões virtuais nos talhões que são as bordas dessas unidades, diferenciadas entre si por algum critério ou fator. Desse ponto para frente, as táticas de gerenciamento devem ser mudadas e todos os princípios até aqui discutidos, relativos a AP podem ser aplicados, porém sem tanta sofisticação de equipamentos. A própria delimitação e demarcação dessas unidades de manejo pode ser feita com tecnologias apropriadas. Em função das recentes dificuldades que a AP tradicional vem enfrentando, especialmente ligados ao seu alto custo de adoção e indefinição quanto ao retorno, bem como ausência de boas correlações que expliquem as causas das variabilidades locais, a tendência da adoção das unidades de gerenciamento vem crescendo. Porém, é importante não esquecer que essa também é uma simplificação de ordem prática, porém melhor do que a nossa agricultura “pela média” de hoje.

As novas tecnologias trazem consigo as dúvidas e os encantos. É conhecido o fato de que essas novidades têm sua fase de euforia acompanhada de adoção um tanto desordenada; segue uma fase de desapontamento e abandono. Somente depois é que ocorre o ressurgimento com equilíbrio. Esse modelo é bastante conhecido e o exemplo mais próximo de nós é a história do plantio direto no Brasil e hoje, sabe-se que a sua adoção é uma questão de sobrevivência em muitas regiões.

Se esse for o caminho da AP, talvez a fase da euforia já tenha passado. A expectativa é de que, a partir de agora, as coisas possam acontecer de uma maneira mais cautelosa e que as pressões causadas pela novidade não dominem as decisões. No entanto, muitas dúvidas perduram, associadas às particularidades dos sistemas de produção adotados no Brasil. Quantos já se perguntaram como será o campo da aplicação variada de fertilizantes. As soluções que se conhece e que vêm de fora, utilizam a distribuição de sólidos a lanço. Quanto dessa tecnologia já é dominada no Brasil? Será possível difundir indiscriminadamente essa prática? A solução mecânica de se fazer aplicação variada de uma mistura (NPK) nas semeadoras de hoje é bastante simples. Porém, será que isso resolve? A variabilidade de deficiência de fósforo e potássio, por exemplo, são independentes uma da outra.

Assim também, outras frentes devem ser vistas com olhar crítico para que não se criem paradigmas já no início do processo. Um exemplo é a amostragem de solo em grade. Já houve a tendência de generalizar-se o conceito de que ela só é possível com um conjunto de equipamentos sofisticados que automatizam a operação. Vê-se que há demandas básicas que devem ser trabalhadas nos próximos anos para que se tenha um sistema viável e adaptado à nossa realidade. Esse é o caminho que a pesquisa procura perseguir e a indústria deve apoiar, pois dependerá do sucesso desse esforço para viabilizar os seus produtos e serviços ainda pouco adaptados.

Os aspectos econômicos envolvidos perturbam o potencial usuário. Os americanos e europeus têm alertado para o fato de que em grãos em geral, como culturas de baixo valor agregado, a rentabilidade da AP é menos evidente que em culturas mais nobres. No entanto, os especialistas da área advertem para o fato de que a mensuração da relação entre custo e benefício é bastante complexa e intuitiva. A estimativa do custo da obtenção de uma informação não é uma tarefa simples.

A AP, da forma como vem sendo praticada, enfocando quase que exclusivamente o gerenciamento da adubação com base em amostragem do solo em grade, tem resultado em racionalização significativa no uso de insumos, especialmente de calcário. O que se tem observado é economia nos produtos e nas operações, na medida em que as aplicações são dirigidas e as quantidades são melhor administradas, chegando a porções das lavouras que nem recebem produto porque os mapas dizem que não é necessário. Somente isso demonstra que se pode melhorar em muito nosso gerenciamento com esse tipo de “ajuste fino”.

Técnicas mais aprimoradas de gerenciamento, mesmo sem muita sofisticação, serão exigência em breve. A AP está aí para mostrar o caminho e alertar para o fato de que é possível melhorar nossa forma de ver nossos sistemas de produção. As lavouras não são uniformes como se assume na hora de tomar as decisões. Isso é o bastante para questionar o que é praticado no presente.

Esalq e CNPq

* Confira este artigo, com fotos e tabelas, em formato PDF. Basta clicar no link abaixo:

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